Neste blog existe uma publicação sob o título A Rotunda, de 19 de outubro de 2011. Passados pouco mais de dez anos, novas observações e interpretações sobre seu valor e contexto permitiram atualizar aquele conteúdo.
Em
2022, fui autor do inventário do bem no âmbito municipal. Como autor do
documento oficial e pesquisador dos temas da história e preservação
ferroviárias, particularmente observador dos fenômenos em torno da E. F. Oeste
de Minas, cabe informar que o conhecimento sobre os assuntos aqui tratados está
em constante movimento e construção. Logo, esta publicação não substitui
aquela, mas a complementa e atualiza em alguns itens.
O
conteúdo a seguir reproduz parte do referido inventário.
A
rotunda de São João del-Rei
Descrição
do bem
A rotunda
de São João del-Rei configura-se como um dos vários módulos dentro de
um complexo com um grande pátio em que existem a estação ferroviária e suas
várias dependências, armazéns e auditórios, oficina de operatrizes, ferraria, caldeiraria,
carpintaria, depósito de locomotivas, girador, caixa d’água, guarda-chaves,
almoxarifado, banheiros independentes etc. Esse tipo de complexo é comum em
pontos estratégicos de ferrovias de grande extensão. No caso da malha em bitola
de 762 mm da EFOM, juntamente com o de São João del-Rei, houveram os de
Lavras/Ribeirão Vermelho[1],
Lavras e Divinópolis.
Em um terreno de 32.000 m² (que era medido em 37.900 m² antes da
abertura da rua Cons. Belizário Leite de Andrade e loteamento do remanescente
sul, cortado pelo dito logradouro), esta edificação radial localiza-se na
porção mais central do grande pátio, destacando-se na paisagem.
Depois de quase um século como módulo das oficinas da Estrada de Ferro
Oeste de Minas [1877-1931] e suas sucessoras (Rede
Mineira de Viação [1931-1965], Viação Férrea Centro-Oeste
[1965-1976], Superintendência Regional Belo Horizonte [1978-1996] da Rede
Ferroviária Federal S.A. [1957-2007]), em 1986, após ser reconstruída,
juntamente com a reconfiguração das linhas e a reurbanização do pátio, a
rotunda passou a ser designada como módulo 2 do “Centro de Preservação da
História Ferroviária de Minas Gerais”, projeto do Programa
de Preservação do Patrimônio Histórico do Ministério dos Transportes
(PRESERVE-MT). Essa reconfiguração deveu-se à extinção do tráfego da malha em
bitola de 2 pés e ½ (762 mm ou 76,2 cm), que foi operacional até 1982, e
consequente movimento por sua preservação.
A instalação de parte da exposição permanente do museu ferroviário do
complexo ferroviário de São João del-Rei foi, claramente, inspirada em pelo
menos duas outras instituições similares: 1. A disposição de itens variados de
material rodante como na rotunda do Baltimore
& Ohio Railroad Museum, em Baltimore, Maryland, EUA; 2.
No britânico National
Railway Museum, que possui sedes em York e Shildon, no Reino
Unido, de onde, claramente, foi aproveitada a ideia de executar um corte
longitudinal em toda a extensão de exemplar de locomotiva a vapor como modo
ilustrativo do funcionamento desse tipo de veículo motor (figuras 1 e 2).
Figura 1. Rotunda do Baltimore & Ohio Railroad Museum em Baltimore, Maryland, EUA, e locomotiva 4-6-2 Pacific 35029 classe Merchant Navy da British Railways (Southern Railway Region) exposta no National Railway Museum, em York, Reino Unido. 2021 e 2011, respectivamente. Fotos de Jeff Terry e David J. Smith. Fonte: Railpictures.Net. Disponíveis em: <https://railpictures.net/photo/779347> e <https://railpictures.net/photo/373049>. Acessados em: 03/11/2022. |
Na mesma medida, o espaço ferroviário de São João del-Rei passou a ser
um dos mais visitados no Brasil, inclusive com grande público internacional,
como foi o caso do Chefe de Chancelaria da Embaixada Britânica no Brasil, que
enviou uma carta à RFFSA com os dizeres:
Gostaria de agradecer pela oportunidade que me deu
de visitar todas as partes do Museu Ferroviário de São João Del Rey, no dia 9
de abril.
Essa não foi minha primeira visita ao Museu, mas
foi a mais interessante, especificamente porque pude visitar a oficina para ver
a coleção histórica, tão bem preservada, de tornos e outras máquinas, e também
porque tive sua permissão para viajar na mesma locomotiva... Após ter visitado
muitos outros museus semelhantes, eu gostaria de afirmar que acho que o seu
conjunto, inclusive a linha São João Del Rey-Tiradentes, constitui o mais
impressionante museu desse tipo que vi em qualquer país. Tudo tem sido preservado
com uma lealdade excepcional ao passado e com objetivo educacional. Foi para
mim um privilégio poder conhecer o museu em detalhes e falar com a equipe de
funcionários evidentemente tão dedicada ao seu trabalho.[2]
Assim como no período de operação comercial, a rotunda como módulo do
museu encontra-se praticamente centralizada em relação à estação e o portão de
saída e entrada dos trens. O acesso público, hoje bastante restrito devido à ilegalidade
da posse pela Ferrovia Centro-Atlântica S.A. (FCA)/Valor Logística Integrada
(VLI), dá-se através da estação, de onde o visitante caminha pelo pátio por 400
m.
Com grande destaque entre todas as edificações do mesmo complexo e,
também, da cidade, devido ao seu aspecto circular (na verdade um polígono de 24
faces), a rotunda é chamada, popularmente, de “coliseu”. Sob qualquer ângulo,
seu impacto é imediato. Esse impacto espacial e visual torna tal edificação uma
grande referência para a movimentação de locais e viajantes; bem como de
utilização como nome fantasia de estabelecimentos comerciais do entorno.
Segundo o
arquiteto Sérgio dos Santos Morais, do PRESERVE-MT/PRESERFE[3],
A proposta de preservação visou
não só a recuperação sob o ponto de vista arquitetônico, como também procurou
manter a função original do pátio ferroviário, ainda que, com algumas
interferências, no sentido de tornar mais confortável e atraente uma visita às
suas dependências.[4]
Portanto, juntamente com todo o espaço preservado e reconfigurado entre
1984 e 1986, a rotunda compunha um conjunto de módulos para a visitação pública
e apreensão geral da história e da operação ferroviária de caráter “arcaico”.
Assim, o museu inaugurado em 1981, que possuía apenas um módulo, referente ao
antigo armazém da estação – espaço em que a principal peça é a locomotiva nº 1
da EFOM –, passou a contar com todo o espaço ferroviário intramuros da íntegra
do complexo.
Leigos costumam confundir rotunda
(edificação/imóvel) com girador (ponte giratória/móvel). Pode-se considerar como
um equívoco normal pelo fato de que toda rotunda precisa de um girador para
funcionar – é este dispositivo que conecta as baias e permite o movimento dos
veículos. Grosso modo, toda rotunda possui um girador, ao cabo que nem todo
girador estará em uma rotunda. No Complexo Ferroviário de São João del-Rei, por
exemplo, atualmente, existem dois giradores: um no centro da própria rotunda e
outro de uso mais constante na operação ferroviária, em outro ponto do sítio.
Este segundo foi instalado na primeira metade da década de 1980 para substituir
o antigo triângulo de reversão, para a abertura da atual Rua Cons. Belizário
Leite de Andrade (fig. 3).
Sobre a forma das rotundas, essas podem ter algumas
variações de graus. Pensa-se inicialmente na rotunda de 360º, que é a rotunda
de giro completo, mas elas podem ter o formato de meia-lua, ou possuir apenas
poucas baias. Podem ser cobertas ou não, já que o que as caracteriza são os
trilhos em composição de raios em torno do fosso do girador. No caso das que
são cobertas, o tipo de cobertura utilizada também varia, o que pode ser
característica do período de edificação ou dos costumes de cada região, ou mesmo
pela função técnica das baias, como o tipo de reparo (caldeiraria, pintura,
ferraria, manutenções leves, simples depósito etc.).
No Brasil é mais comum
encontrarmos coberturas de telhas francesas com caimentos de duas águas, muitas
vezes com lanternins, que é o exato caso da edificação em análise. Em algumas rotundas
mais recentes, ou reformadas, é fácil encontrar cobertura tipo shed.
A estrutura varia entre colunas e
armação do telhado em madeira; colunas de ferro e armação do telhado em madeira
(caso da rotunda de São João del-Rei); colunas e armação do telhado em ferro
fundido, ou variações com materiais de uso mais recente, como aço e concreto
armado.
A concepção radial normalmente
encerra uma edificação não em forma propriamente de círculo, mas geralmente poligonal,
com arestas dividindo a parede de cada uma das baias.
Geralmente utilizadas como parte
das oficinas, as rotundas costumam ser complementadas por adicionais que as
tornam mais complexas, com ligações diretas com ferraria, tornearia,
caldeiraria, entre outros módulos, como é o caso da rotunda da North Midland
Works, em Derby, Inglaterra (fig. 4).[5]
Percebe-se, com tal exemplo, que, se a maior parte das rotundas possui
cobertura apenas nas extremidades, algumas são completamente cobertas, mesmo no
centro onde se encontra o girador.
Em rotundas destinadas a veículos de pequeno porte, o movimento do girador
costuma operar-se pelo esforço humano, como é o caso desta. Quando se trata de
estruturas maiores, para veículos de grande porte ou de movimento mais intenso,
o girador passa a ser de responsabilidade de motores, normalmente elétricos.
A edificação objeto deste
inventário é um polígono de 24 faces, com diâmetro de 55,25 m entre as faces
(face interna das paredes) e 57,13 m entre as arestas verticais (colunas
externas da fachada). O girador possui o comprimento básico para as pequenas
locomotivas, com seus 12,77 m (sob a ideia original de 42 pés de comprimento).
Desenho 2. Corte do fosso do girador e elevação do girador. 2022. Autor: Welber Santos. |
Podemos considerar a rotunda em análise uma
edificação de arquitetura mista. Sua concepção construtiva insere-se na
perspectiva da arquitetura local ou vernacular. Os elementos da alvenaria e a armação
de estrutura da cobertura correspondem ao que pode-se encontrar na tipologia
arquitetônica comum do período no Brasil. A fundação em pedra; paredes em
tijolos cerâmicos maciços; cobertas de argamassa lisa à base de cal; estrutura
de cobertura em ripas de madeira. Parte das esquadrias, especificamente as
janelas, foi originalmente realizada em madeira, com parte superior vedada com vidros
e inferior com venezianas, com bandeira em arco pleno, toda fixa, sem abertura.
Na reconstrução, optou-se por janelas ainda em madeira, porém, com abertura em
duas folhas, sem veneziana, vedadas em quatro vidros em partes iguais em cada
folha e não a réplicas das originais – como Sérgio Morais afirma em seu
livro-relatório. O restante da construção é o que
consideramos como parte do que é característico fundamental da arquitetura do
ferro, caso das colunas em ferro fundido, as grades das esquadrias em ferro, e
os elementos propriamente ferroviários, como os trilhos Vignole de aço e
a ponte giratória em perfis de aço, que formam o girador e a concepção do
girador, propriamente.
A linha principal, portanto, a que atravessa os
portões oeste e leste, demarca a divisória entre as porções Norte e Sul. Assim,
a porção Norte é a que encontra-se avizinhada à Rua Antônio Rocha e a porção
Sul consiste na que avizinha-se da Rua Conselheiro Belizário Leite de Andrade.
Assim compreendido, verificamos que as baias da porção Sul são todas em bitola
de 762 mm (76,2 cm), com apenas dois trilhos paralelos cada uma, e as da porção
Norte constituem-se de bitola mista, de 762 mm e 1.000 mm (1,00 m), com quatro
trilhos cada uma.
A cobertura é
sustentada por 48 (quarenta e oito) colunas de ferro fundido, das quais 22
(vinte e duas) provêm da estação de Belo Horizonte da Estrada de Ferro Central
do Brasil (fig. 5), fabricadas por Cia. Mech. e Import. de S. Paulo, e 26
(vinte e seis) são réplicas destas feitas por FULIG Fundição de Ligas Ltda., de
Divinópolis, MG[6]
– as originais removidas em 1973 eram possivelmente importadas da Alemanha ou
da Escócia. Já o fabricante pode ser a Gutehoffnungshütte, de
Oberhausen (Vale do Rhur) ou a Grusonwerk, de Buckau-Magdeburg, se
considerarmos as estruturas montáveis do período informadas pelo engenheiro
Hermillo Candido da Costa Alves em artigo da Revista de Estradas de Ferro[7],
ou P. W. MacLellan, se considerarmos as pontes e a estrutura da rotunda
de Ribeirão Vermelho, instaladas no decorrer da década de 1890.
Os trilhos
encontrados pela maior parte do complexo ferroviário, e que são, também, os
utilizados na rotunda, são do tipo Vignole de 25 kg/m (TR-25),
provenientes de fundições belgas como Cockerill (Société Anonyme John
Cockerill Seraing) e Angleur (Société Anonyme des Aciéries
d‘Angleur). Este é um dado importante para percebermos que as instituições
de proteção aos bens de valor histórico-cultural, no entanto, leigas na
disciplina referente ao patrimônio e à arqueologia industrial e/ou
ferroviário/a, ignoram detalhes referentes à história da construção e operação
das estradas de ferro no Brasil. Essa deficiência é refletida na omissão de
cuidados específicos ao conjunto maior dos equipamentos a serem preservados e
que devem compor os projetos de manutenção e restauro dessa especialidade.
Desenho 3. Perfil e aspecto da Via Permanente da via em bitola de 762 mm e de trilho TR-25. 2022. Autor: Welber Santos. |
A atenção a ser dedicada a esse tipo de bem,
atualmente, no âmbito do patrimônio histórico-cultural, é objeto da Carta de
Nizhny Tagil (2003). Esse documento possui o mesmo peso institucional das
cartas de Veneza, Washington e outras no âmbito do ICOMOS que, por sua vez, é
diretamente relacionado à UNESCO, da qual o Brasil é um país membro. A Carta de
Nizhny Tagil define o patrimônio industrial da seguinte forma:
O património industrial
compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico,
tecnológico, social, arquitectónico ou científico. Estes vestígios englobam
edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e
de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e
utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e
infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram actividades
sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou
de educação.
A arqueologia industrial é
um método interdisciplinar que estuda todos os vestígios, materiais e
imateriais, os documentos, os artefactos, a estratigrafia e as estruturas, as
implantações humanas e as paisagens naturais e urbanas, criadas para ou por
processos industriais. A arqueologia industrial utiliza os métodos de
investigação mais adequados para aumentar a compreensão do passado e do
presente industrial.
O período histórico de maior
relevo para este estudo estende-se desde os inícios da Revolução Industrial, a
partir da segunda metade do século XVIII, até aos nossos dias, sem negligenciar
as suas raízes pré e proto-industriais. Para além disso, apoia-se no estudo das
técnicas de produção, englobadas pela história da tecnologia [grifos meus].
No caso da edificação rotunda ferroviária, é importante atentarmo-nos a
certos aspectos a serem preservados e na vigência não apenas da Cartade Nizhny Tagil, bem como da Carta de Veneza (1964) no que concerne à
manutenção e a um eventual restauro. Outra carta que não pode ser ignorada é a
Carta de Burra (1999)[8].
A concepção e os elementos da edificação, como a alvenaria das paredes,
a argamassa e a pintura, as esquadrias, as bases estruturais, colunas e vigas,
bem como os dormentes, os tipos de trilhos (dimensões e perfil) e fixadores
(pregos e tirefãos [tirefonds]) devem seguir os critérios estabelecidos
por esses documentos para a adequada preservação e consideração do processo
histórico. Assim, esses serão descritos e ilustrados neste documento sob o ponto
de vista histórico-processual.
Sobre os bens móveis – neste caso, material rodante – segundo a Carta nº
067 de 2003 remetida pelo Escritório de Representação Administrativa de Belo
Horizonte da Rede Ferroviária Federal (RFFSA-ERBEL) ao Escritório Técnico do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei
(ETSJDR-IPHAN), as peças de material rodante destinadas à exposição permanente
no interior da rotunda foram[9]:
A. Remanescentes da bitola de 762 mm da
EFOM/RMV/VFCO/RFFSA SR-2 (i.e., remanescentes da malha à qual pertencia o imóvel):
- Carro administração A-6[10], fabricado nos Estados
Unidos da América (EUA), em Willmington, DE, por Harlan & Hollingsworth
& Co., c.1895.
- Vagão fechado VB-28, de
fabricação nacional, possivelmente nas oficinas da própria estrada.
- Vagão gôndola PB-11, provável
transferência da E. F. Leopoldina.
- Vagão gaiola KB-2, fabricado
no Rio de Janeiro pela Companhia Trajano de Medeiros.
- Vagão gôndola drop-bottom
MD-14, fabricado em Cruzeiro, SP, pela Fábrica Nacional de Vagões (FNV).
- Vagão fechado TD-3, fabricado
em São Paulo pela Cobrasma S.A., único modelo construído diretamente para a
malha em bitola de 762 mm a possuir truques do tipo Ride Control.
- Vagão gôndola MC-61, de fabricação
nacional.
- Carro bagagem, correios e chefe do
trem F-7, reconstruído em Lavras, nas oficinas da Estrada de Ferro Oeste de
Minas, 1937.
- Locomotiva a vapor 22 [na
verdade 19] (EFOM 22/RMV 19/VFCO 19/VFCO 22/RFFSA SR-2 22), fabricada nos
Estados Unidos, Filadélfia, PA, por Burnham, Williams & Co., Baldwin
Locomotive Works classe 8-18C 95[11], serial 32878, rodagem
4-4-0 (American Standard).[12]
- Locomotiva a vapor 37 (EFOM
39/EFOM 107/RMV 37/VFCO 37/RFFSA SR-2 37), fabricada, idem, por The Baldwin
Locomotive Works, BLW classe 10-18D 9, out. 1911, serial 37082,
rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler).
- Locomotiva a vapor 38 (EFOM
40/EFOM 108/RMV 38/VFCO 38/RFFSA SR-2 38), fabricada idem, idem, BLW
classe 10-18D 10, serial 37083, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler).
- Locomotiva a vapor 40 (EFOM
42/EFOM 112/RMV 40/VFCO 40/RFFSA SR-2 40), fabricada idem, idem, BLW
classe 10-18D 12, serial 38010, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler).
- Locomotiva a vapor 43 (EFOM
45/EFOM 113/RMV 43/VFCO 43/RFFSA SR-2 43), fabricada idem, idem, BLW
classe 10-18D 15, serial 38051, rodagem 4-6-0.
- Locomotiva a vapor 55, chamada
pelos preservacionistas de “Frankenstein” por ser a fusão de três locomotivas:
(EFOM 26/EFOM 205/RMV 55/VFCO 55), fabricada nos EUA em Filadélfia, PA, por Burnham,
Williams & Co., Baldwin Locomotive Works classe 10-10/22E 4,
set. 1892, serial 13831, rodagem 2-8-0, nome “Albadia”, mais (EFOM 34/EFOM
218/RMV 70), fabricada nos EUA em Filadélfia, PA, por Burnham, Williams
& Co., Baldwin Locomotive Works classe 10-12/24E 7, out. 1894,
serial 14135, rodagem 2-8-0, nome “Marcos Castro”, mais (EFOM 13/EFOM 213/RMV
63/VFCO 63), fabricada nos EUA em Filadélfia, PA, por Burnham, Parry, Williams
& Co., Baldwin Locomotive Works classe 10-20E 4, dez. 1889,
serial 10497, rodagem 2-8-0, nome “Piumhy”. Final RFFSA SR-2 55, rodagem 2-8-0
(Consolidation).
- Locomotiva a vapor 62 (EFOM
30/EFOM 212/RMV 62), fabricada nos EUA, em Filadélfia, PA, por Burnham,
Williams & Co., Baldwin Locomotive Works classe 10-10/22E 9,
nov. 1893, serial 13831, rodagem 2-8-0 (Consolidation), nome “Afonso
Penna”.
- Locomotiva a
vapor 69 (EFOM 33/EFOM 217/RMV 69), fabricada idem, idem, Baldwin
Locomotive Works classe 10-20E 10, serial 14134, rodagem 2-8-0 (Consolidation),
nome “Doutor Castro”.
B. Remanescentes da bitola de 1.000 mm
da EFOM/RVSM/RMV/VFCO/RFFSA SR-2 (i.e., remanescentes da mesma ferrovia a qual pertencia o imóvel, porém,
da malha em bitola métrica):
- Carro fúnebre Z-10 (RMV) fabricação nacional, nas oficinas da RVSM em
Cruzeiro/SP em 1925.
- Locomotiva elétrica dupla cabine
de 3000 volts (RVPSC 2003/VFCO 918), fabricada na Inglaterra/Reino Unido,
em Manchester, pela Metropolitan Vickers/Beyer, Peacock & Co., 1952,
serial 775, rodagem bo-bo (B+B ou 0-4-4-0).
- Locomotiva a vapor 220 (EFOM
38/EFOM 119/RMV 220/VFCO 220), fabricada nos EUA em Filadélfia, PA, por The
Baldwin Locomotive Works, BLW classe 10-24D 98, jul. 1912, serial
38015, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler). [exposta em corte longitudinal para
efeito ilustrativo do funcionamento de uma locomotiva a vapor].
- Locomotiva a vapor 239 (EFOM
134, RMV 239/VFCO 239), fabricada idem, idem, BLW classe 10-26D 343,
nov. 1920, serial 54061[13],
rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler).
- Locomotiva a vapor 307
(RVSM 266, RMV 307), fabricada na Alemanha, em Berlim, por Berliner
Maschinenbau-Actien-Gesellschaft vormals L. Schwartzkopff, serial 8797, rodagem
4-6-2 (Pacific). [Cedida pela RFFSA à ABPF, desde 1980]
C. Remanescente da bitola de 1.000 mm da EFCB/RFFSA
SR-2 (i.e., remanescente da malha da
EFCB anexada à antiga VFCO para formar a nova malha estendida da SR-2):
- Carro administração O-104,
provável fabricação nas oficinas da E. F. Central do Brasil.
Da abertura
da rotunda como módulo do museu (1984) até o imbróglio da extinção da Rede
Ferroviária Federal S.A., as únicas alterações entre os bens em exposição na
rotunda foram a retirada da locomotiva a vapor 22, em 1992, e instalação da
locomotiva a vapor 68 em seu lugar, e a retirada da locomotiva a vapor 68 para
voltar à ativa, em 1998, situação em que permanece.
Atualmente,
a rotunda foi desmobilizada como módulo do museu e parte dos bens em seu
interior sofre dilapidação pela operação carente de critérios de valor
histórico-museológico da empresa Ferrovia Centro-Atlântica/Valor Logística
Integrada. Outros bens foram removidos para exposição na gare da estação (carro
administração A-6; gaiola KB-2 e vagão fechado de madeira VB-28) e uso nos
trens da Via Permanente, caso da gôndola de borda baixa PB-11.
Outrossim,
decorrente de ação do Ministério Público Federal em conjunto com o IPHAN, três
itens que, até 2011, encontravam-se em processo de sucateamento no pátio leste,
foram reformados e alojados em baias disponibilizadas pelas remoções acima
referidas: gôndola de madeira MC-85; gaiola KC-7 (pintada equivocadamente como
KA-7) e vagão fechado de aço TD-15.
O carro
restaurante G-1 – inventado para as gravações da novela “Sinhá Moça”, da Rede
Globo de Televisão – que era alojado na estação, encontra-se no interior da
rotunda, juntamente com dois carros de primeira classe que deveriam ser parte
dos carros operacionais da “maria fumaça” dos fins de semana: um falso B-13, com
assentos em falta, e o B-3 – este sem um dos truques, apoiado sobre macacos.
A locomotiva
elétrica dupla cabine, de 3000 volts, continua ocupando a linha principal da
rotunda, no setor leste. Originalmente ocupava a primeira baia à direita,
portanto a baia 12 de 22, de acordo com nossa planta baixa (cf. item 10:
Documentação Fotográfica), contando que a baia 1 é a primeira na porção oeste,
à direita do portão principal (de acordo com o visitante no interior da
rotunda), e a contagem segue no sentido horário.
Assim, está claro que todos os itens para exposição
permanente na rotunda são de material rodante. O PRESERVE-MT teve como critério
separar cinco locomotivas mais uma série de carros de primeira classe, segunda
classe e mistos para a operação dos trens chamados de “turístico-culturais” dos
fins de semana e feriados e, do restante encontrado no complexo ferroviário,
foram colocadas na rotunda oito locomotivas sobreviventes (22, 37, 38, 40, 43,
55, 62 e 69), mais um item de cada categoria de material rodante sobrevivente e
possível, da bitola de 762 mm (carros e vagões A-6, F-7, KB-2, MC-61, MD-14,
PB-11, TD-3, VB-28). Dessa maneira, percebe-se que faltou separar outros itens
raros e/ou representativos nos espaços das exposições formados não apenas pela
rotunda (módulo 2), mas, também, pelo módulo 1, onde se encontram a locomotiva
a vapor 1 e o carro A-3 (que representa um tipo semelhante, porém mais moderno,
ao utilizado no trem inaugural de agosto de 1881).
Figura 6. Fotografia de fábrica da locomotiva a vapor 37 que se encontra na rotunda, cuja matrícula na Estrada de Ferro Oeste de Minas era 39. The Baldwin Locomotive Works, BLW classe 10-18D 9, out. 1911, serial 37082, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler). 1911. Fonte: RAILROAD MUSEUM OF PENNSYLVANIA. Library and Archives. Disponível em: <https://rrmuseumpa.andornot.com/permalink/archives13211>. Acessado em: 12/12/2011. |
Considerando
todos os itens presentes no interior do complexo ferroviário em outros locais,
percebe-se uma carência de pesquisa adequada, especializada, e,
consequentemente, de curadoria para que o museu atenda, de fato, as
necessidades para representar a história da[s] ferrovia[s] a que pertenceram.
Agravante para este cenário foi o modo como se deu a privatização/concessão
para o serviço ferroviário nacional referente às ferrovias da Rede ferroviária
Federal S.A., foco nos sítios e bens já classificados como históricos e/ou como
patrimônio histórico e os espaços já classificados como museus, centros de
cultura e/ou sítios arqueológicos.
A
administração da Ferrovia Centro-Atlântica/Valor Logística Integrada não apenas
é inadequada para administração museológica, histórica e arqueológica do sítio
Complexo Ferroviário de São João del-Rei e todos os seus espaços e atividades.
Após os pouco mais de 20 (vinte) anos de sua injustificável ocupação desse
espaço e suas atividades, é público e notório o prejuízo para o espaço enquanto
sítio histórico-arqueológico, com um nível de privatização danoso e
inconsequente. O espaço da rotunda reflete definitivamente, e categoricamente,
o acima afirmado. Um módulo de museu em franca decadência e mal administrado,
com graves reflexos de incompetência e ingerência sobre o conceito e o sentido
museológico do qual a rotunda parece ser apenas – para usar termo clichê – a
ponta de um iceberg. Um museu sem acessibilidade adequada e constante –
conforme o programado pelo PRESERVE e praticado pela RFFSA – e em nítido
desmanche de suas funções como espaço cultural.
Além dos
itens da bitola de 762 mm, há, no interior da rotunda como itens de exposição,
seis veículos de bitola métrica, portanto, que não se encaixam no contexto da
malha em bitola de 762 mm. Das quatro locomotivas em bitola métrica, três são
de tração a vapor e uma é de tração elétrica. Duas das locomotivas a vapor são
originárias da Estrada de Ferro Oeste de Minas (220 e 239 – respectivamente,
originalmente EFOM 38 e EFOM 134); a terceira é originária da Rede de Viação
Sul-Mineira (307 – originalmente R[V]SM 266). A locomotiva elétrica (918) foi
adquirida pela Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (originalmente RVPSC 2003).
Incorporada à frota da VFCO, esse modelo é idêntico ao lote encomendado pela
Rede Mineira de Viação em 1952 – último ano antes do acordo de rescisão do
contrato de arrendamento entre União e estado de Minas Gerais. Tal aquisição
fez parte dos planos de expansão da eletrificação da malha de bitola métrica da
EFOM, com rede de 3.000 volts, sob contrato com a Metropolitan Vickers
em parceria com a Beyer, Peacock & Co. Dos carros de bitola métrica,
um era destinado aos serviços funerários (Z-10) da RVSM/RMV e outro era de
administração/inspeção da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), para rodar
na chamada “linha do centro”, entre Conselheiro Lafaiete e Monte Azul. Todos
esses foram transferidos para São João del-Rei sob dois princípios: evitar o sucateamento/demolição
dos exemplares e somar à ideia de tornar o museu ferroviário de São João
del-Rei como “Centro de Preservação da Memória Ferroviária de Minas Gerais”. A
locomotiva 307 é cedida pela União à Associação Brasileira de Preservação
Ferroviária (ABPF) desde 1980.
Em relação a
esses bens, devido à bitola das ferrovias das quais são provenientes, nenhum
pôde ser removido do perímetro da rotunda, já que a parte com quatro trilhos no
exterior da edificação não ultrapassa alguns metros.
O destaque
na coleção encontrada na rotunda – e restante do complexo – é o número de
locomotivas provenientes da fábrica de Filadélfia, denominada como Baldwin
Locomotive Works, fundada por Mathias W. Baldwin em 1831, que, durante mais
de um século, foi administrada pelas várias companhias derivadas da oficina de
Baldwin, sendo a primeira companhia registrada a Baldwin, Vail &
Hufty, em 1839.
A coleção
encontrada na rotunda conta parte dessa história, já que os itens vão da
locomotiva a vapor 55, que carrega parte da locomotiva 63, de 1889, até a
locomotiva a vapor 239, da bitola de 1.000 mm, de 1920 e que carrega a placa da
locomotiva 245 (cf. nota de rodapé 13).
Há exemplares BLW de Burnham, Parry,
Williams & Co., Burnham, Williams & Co. e The Baldwin
Locomotive Works. Devido
à sobrevivência de tantas locomotivas desse período – lembrando que a
locomotiva a vapor 1, que é a peça principal da exposição permanente do módulo
1 (antigo armazém da estação), foi encomendada em 1879 e entregue em 1880 –, há
o mito de que o complexo ferroviário de São João del-Rei encerraria em seu
interior a maior coleção de remanescentes Baldwin Locomotive Works em um
mesmo sítio no mundo. Independentemente de verificação factual para confirmar
ou refutar tal mito, esta coleção é importante sob qualquer ponto de vista.
1º nº OM |
2º nº OM |
RMV |
Ano-mês |
Classe |
Serial |
Rod. |
Observações |
Bitola de 762mm |
|||||||
1 |
1 |
1 |
1880-abr |
8-14 C
15 |
5055 |
4-4-0 |
"São João del Rey" -
Módulo 1 SJdR |
16 |
216 |
66 |
1889-dez |
10-20 E
7 |
10505 |
2-8-0 |
"Inhaúma" - Antônio
Carlos, MG |
26 |
205 |
55 |
1892-set |
10-10/22
E 4 |
12934 |
2-8-0 |
VC "Albadia" - cilindros
e rodas - Rotunda |
29 |
208 |
58 |
1893-nov |
10-10/22
E 7 |
13829 |
2-8-0 |
VC "Paraopeba" -
carpintaria |
31 |
212 |
62 |
1893-nov |
10-10/22
E 9 |
13831 |
2-8-0 |
VC "Afonso Penna" -
Rotunda |
32 |
210 |
60 |
1893-nov |
10-10/22
E 10 |
13832 |
2-8-0 |
VC "Randolpho Paiva" -
Estação SJdR |
33 |
217 |
69 |
1894-out |
10-20 E
10 |
14134 |
2-8-0 |
"Doutor Castro" -
Rotunda |
22 |
19 |
19 |
1908-jul |
8-18 C
95 |
32878 |
4-4-0 |
Atual 22 - Estação
de São João del-Rei |
39 |
107 |
37 |
1911-out |
10-18 D
9 |
37082 |
4-6-0 |
Rotunda |
40 |
108 |
38 |
1911-out |
10-18 D
10 |
37083 |
4-6-0 |
Rotunda |
42 |
110 |
40 |
1912-jul |
10-18 D
12 |
38010 |
4-6-0 |
Rotunda |
43 |
111 |
41 |
1912-jul |
10-18 D
13 |
38011 |
4-6-0 |
Operacional em São
João del-Rei |
44 |
112 |
42 |
1912-jul |
10-18 D
14 |
38050 |
4-6-0 |
Operacional em São
João del-Rei |
45 |
113 |
43 |
1912-jul |
10-18 D
15 |
38051 |
4-6-0 |
Rotunda |
46 |
20 |
20 |
1912-jul |
8-18 C
100 |
38007 |
4-4-0 |
Belo Horizonte |
47 |
21 |
21 |
1912-jul |
8-18 C
101 |
38008 |
4-4-0 |
Estação de São João
del-Rei |
48 |
22 |
22 |
1912-jul |
8-18 C
102 |
38009 |
4-4-0 |
Atual 19 - Curitiba |
56 |
221 |
68 |
1919-set |
10-20 E
21 |
52256 |
2-8-0 |
Operacional em São
João del-Rei |
Bitola de 1.000mm |
|||||||
4 |
157 |
1894-set |
8-18 C
77 |
14098 |
4-4-0 |
"Maria Castro" - Varginha,
MG |
|
19 |
100 |
205 |
1910-jan |
10-24 D
64 |
34216 |
4-6-0 |
ABPF Campinas, SP |
20 |
101 |
206 |
1910-jan |
10-24 D
65 |
34217 |
4-6-0 |
Conservatória, RJ |
28 |
109 |
210 |
1911-jan |
10-24 D
75 |
35818 |
4-6-0 |
ABPF Campinas, SP |
31 |
112 |
213 |
1911-set |
10-24 D
88 |
36978 |
4-6-0 |
Três Corações, MG |
33 |
114 |
215 |
1912-abr |
10-24 D
93 |
37710 |
4-6-0 |
ABPF Campinas, SP |
38 |
119 |
220 |
1912-jul |
10-24 D
98 |
38015 |
4-6-0 |
Rotunda de São João del-Rei |
46 |
127 |
232 |
1920-abr |
10-24 D
129 |
53159 |
4-6-0 |
ABPF SC |
51 |
423 |
1919-set |
10-24 E
200 |
52419 |
2-8-0 |
Cristina, MG |
|
80 |
315 |
1912-jun |
10-24
1/4 D 6 |
37829 |
4-6-2 |
Ribeirão Vermelho, MG |
|
90 |
325 |
1919-set |
10-24
1/4 D 20 |
52411 |
4-6-2 |
Bom Despacho, MG |
|
107 |
520 |
1912-ago |
12-28
1/4 E 9 |
38162 |
2-8-2 |
Cruzeiro, SP |
|
128 |
233 |
1920-nov |
10-26 D
337 |
54055 |
4-6-0 |
Lavras, MG |
|
130 |
235 |
1920-nov |
10-26 D
339 |
54057 |
4-6-0 |
ABPF SC |
|
131 |
236 |
1920-nov |
10-26 D
340 |
54058 |
4-6-0 |
ABPF Campinas (Jaguariúna), SP |
|
134 |
239 |
1920-nov |
10-26 D
343 |
54061 |
4-6-0 |
Rotunda de São João del-Rei |
|
164 |
332 |
1925-dez |
12-26
1/4 D 23 |
58852 |
4-6-2 |
ABPF Sul de Minas |
|
170 |
338 |
1925-dez |
12 3 22
1/4 D 2 |
58884 |
4-6-2 |
ABPF Campinas |
Quadro 1 – Locomotivas originárias da EFOM ainda existentes. Fonte: NEOM-ABPF. Locomotivas
da Estrada de Ferro Oeste de Minas (1879-1938). Disponível em: <https://bit.ly/3Vmyuhg>. Acessado em:
11/10/2022.
Obs.:
“VC”: Vauclain Compound; “‘Maria Castro’”: nome de batismo do
veículo; “Cruzeiro, SP”: local em que o veículo se encontra atualmente.
Além de
serem, hoje, itens de apreciação da tecnologia a vapor, típica da segunda
metade do século XIX e primeiras décadas do século XX, portanto do auge de sua
utilização, a permanência operacional desses bens ilustra a ausência de
investimentos modernizantes na malha a que pertenciam, especialmente a partir
da institucionalização da Rede Mineira de Viação pelo estado de Minas Gerais
com o arrendamento da federal Estrada de Ferro Oeste de Minas e sua integração
com a já arrendada Estradas de Ferro Federais Brasileiras Rede Sul Mineira
(RSM), desde 1921 Rede de Viação Sul-Mineira (RVSM), e Estrada de Ferro
Paracatu (esta uma concessão estadual mineira encampada pelo estado). O
funcionamento da malha da chamada “bitolinha” com 100% de tração a vapor, com o
remanescente da frota original da EFOM e uso dos engates pino-e-manilha ainda
em 1980 reflete a precariedade enfrentada desde a década de 1930 e os planos de
erradicação adiados até o limite do governo Figueiredo e a execução dos planos
de extinção de ramais considerados antieconômicos pela ditadura civil-militar
iniciada em 1964.
Proteger,
com inventário ou tombamento, o sítio e seus bens traz a responsabilidade de
conhecer o que o sítio é em essência e institucionalidade e a procedência e
valor dos bens que ele guarda. Vale para a rotunda, especificamente, e para o
sítio, como conjunto, perceber que são espaços que guardam valores não apenas
para a comunidade local e nacional, mas, também, para uma perspectiva global de
avanço das ferrovias desde o século XIX. A rotunda, além de seus valores como
arquitetura vernacular e industrial, é espaço de proteção e divulgação de bens
procedentes da indústria brasileira, das próprias ferrovias como fábricas de
seus próprios materiais rodantes, da indústria internacional, como Estados
Unidos, Reino Unido, Alemanha, Bélgica e outros. O complexo ferroviário em que
esta edificação se insere, ainda traz exemplares de outros tantos países que
forneceram bens de capital ao mercado brasileiro desde o século XIX. Portanto,
o espaço reflete a globalidade da expansão ferroviária e as relações
internacionais tecidas pelo estado brasileiro e pelas companhias/concessionárias
de estradas de ferro.
Beatriz
Mugayar Kühl, autora das principais publicações sobre a arquitetura do ferro e
a arquitetura ferroviária no Brasil, enfatiza os fundamentos e preocupações da
disciplina arqueologia industrial, inserida no campo do patrimônio industrial.
Nas palavras da autora:
O que nos preocupa aqui é permitir uma faceta específica da
questão, também essencial, mas que tem sido frequentemente negligenciada: a
discussão dos preceitos teóricos que deveriam reger as intervenções práticas em
edifícios vinculados ao processo de industrialização – a saber, a metodologia e
princípios teóricos da restauração de bens culturais aplicados para bens
arquitetônicos industriais – para que, de fato, possam ser transmitidos da
melhor maneira possível para o futuro.[14]
O inventário
possui papel fundamental no processo de especialização e cuidado com todos os tipos
de bens materiais de valor cultural, que encerram em si valores intangíveis e
bens intangíveis, como os ofícios da operação ferroviária hoje em desuso como a
caldeiraria, a mecânica de locomotivas a vapor, a condução específica desse
tipo de veículo, a função do foguista e outras funções manuais típicas de um
período anterior. A arquitetura possui, hoje, um escopo teórico e de registro
suficiente em vocabulário específico. Porém, a especialidade e especificidades
da disciplina referente aos bens industriais e ferroviários percebem-se
insuficientes e, de certa forma, até mesmo desleixados no caso do sítio
arqueológico deste inventário, em que, ao contrário da prerrogativa de sua
conversão em museu pelo PRESERVE-MT e seu tombamento federal de 1989, teve suas
funções público-culturais suprimidas e, até certo ponto, destruídas a partir da
ocupação, inicialmente irregular e hoje ilegal, realizada pela FCA S.A/VLI.
Um dos
reflexos dessa condição é a própria situação do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional desde que foi promulgada a lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007 que, em seu art.
9º, diz “Caberá ao Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN receber e administrar os bens
móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da
extinta RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e manutenção” [grifos
meus].
A permanência da Ferrovia
Centro Atlântica S.A./Valor Logística Integrada como
operadora/administradora/ocupante de um sítio arqueológico, patrimônio da
União, de forma inicialmente irregular e, atualmente, ilegal – inclusive, se
considerarmos os textos da Carta de Veneza e da Carta de Nizhny Tagil e seu
peso como lei internacional –, reflete definitivamente o atraso e a
irresponsabilidade dos tutores. Tal condição indicaria a nulidade do próprio
tombamento federal do complexo ferroviário de São João del-Rei, com sua
inscrição no Livro do Tombo Histórico, Volume II, sob o nº 528, às fls. 10/11 e
no Livro do Tombo das Belas Artes, Volume II, sob o nº 596, à fl. 18. As
alterações, os desvios de bens, a destruição de itens da reserva técnica, as
descaracterizações de material rodante e edificações, o abandono do espaço como
museu, entre outras agressões ao sítio e seus bens são públicos e notórios e,
até mesmo, o ato permissivo de erguer um novo edifício no interior do sítio por
um ocupante ilegal.
Este inventário possui,
entre várias razões, o objetivo de reforçar, reafirmar e atualizar os
princípios do tombamento votado há trinta e três anos.
Histórico
De 1881 a 1887, o único trecho de ferrovia
operado pela “Oeste” consistia dos 100 km entre Sítio (Antônio Carlos) e São
João del-Rei. Em 1881, o material rodante da EFOM constava de apenas quatro
locomotivas e trinta e nove itens de outras categorias (quadro 2). Com a
expansão da linha tronco em direção ao oeste de Minas, propriamente dito,
devido à encampação pela Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas da concessão
denominada “Estrada de Ferro Pitangui”, houve um incremento na frota e
consequente aumento do tráfego. Essa expansão gerou a necessidade de ampliar
setores das oficinas, o que trouxe a ideia de edificar uma rotunda, como item
fundamental do depósito[15]
e espaço para reparos leves e médios.
Veículos |
Peso
locomotivas/Tara rebocados |
Capacidade |
4
locomotivas tipo 4-4-0 American Std. |
14 a 15 toneladas |
ND |
4
carros de passageiros 1ª classe |
ND |
16 passageiros |
4
carros de passageiros 2ª classe |
ND |
24 a 30 passageiros |
2
carros bagagem, correio e guardas |
ND |
ND |
15
wagons fechados de cargas |
3,5 toneladas |
10 toneladas |
10
wagons abertos |
3 toneladas |
10 toneladas |
2
wagons para transporte de animais |
ND |
ND |
1
guindaste de 8 rodas |
ND |
ND |
1
carro de luxo, dito “imperial” |
ND |
ND |
Quadro 2. Material rodante da Estrada de Ferro Oeste de
Minas em 1881. Fonte: BN-SOR: LISBOA, Joaquim M. R. Apontamentos sobre a Estrada de Ferro d’Oeste de Minas, Agosto de 1881.
Rio de Janeiro: Typ. Soares & Niemeyer, 1881, pp. 11-2.
Uma das vantagens da opção pela oficina
radial é o espaço requerido em relação às outras alternativas, como a oficina
longitudinal e a transversal[16].
Àquela altura, as rotundas já se encontravam como elemento comum nos principais
depósitos da Estrada de Ferro D. Pedro II – Central do Brasil desde 1889 – como
São Diogo, Barra do Piraí e Porto Novo do Cunha (atual Além Paraíba), ferrovia
da qual a Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) era tributária. Portanto, a rotunda de São João del-Rei foi construída no
âmbito da Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas (CEFOM) para a operação da malha
primordial da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM)[17]
no intuito de ampliar depósito e oficinas no complexo ferroviário desta cidade.
As fontes disponíveis com informações
precisas são raras e de difícil acessibilidade, mas é possível rastrear em
alguns documentos periódicos disponibilizados na Hemeroteca Digital da
Biblioteca Nacional e bibliografia específica.
Segundo o Órgão Oficial dos Poderes do
Estado (de Minas Gerais), em junho de 1892 o prédio ainda não estava pronto. O
atraso na entrega do imóvel aos serviços daquele complexo se devia a conflitos
entre a companhia de capital privado, sob fiscalização do estado de Minas
Gerais, e a Estrada de Ferro Central do Brasil, ferrovia administrada pelo
Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas e que ostentava o caráter de
ferrovia nacional.
“A Oeste tem, há mais
de um ano, cerca de três mil toneladas de materiais a serem despachados, tendo
até no princípio pago a saveiros que se achavam atracados à ponte da Gamboa, e
durante um mês, 400$000 [quatrocentos mil réis] por dia, esperando que fossem
descarregados. [...] Finalmente, e o que é mais grave, a Oeste talvez tenha de
interromper o seu tráfego por falta de combustível, e isto porque a Central não
transporta. Ainda ontem, o trem noturno, que está em correspondência com o trem
da Central, não se pôde fazer, por falta de combustível. [...] Devido ainda
à Central, a rotunda, que há muito devia estar pronta, está por terminar.”
[grifo meu][18]
A paralização informada pelo engenheiro
fiscal do estado de MG em relatório não era a primeira referente a este
edifício. Se considerarmos a informação do periódico O Pharol, replicado
do são-joanense Pátria Mineira, publicada a 10 de janeiro de 1891, a
primeira suspensão dos trabalhos se dera ainda no início da construção,
supostamente aberta em finais de 1890.[19]
Morais, graças ao acesso aos relatórios da
companhia encontrados no Museu do Trem, no Rio de Janeiro – inacessíveis ao
autor do presente texto –, informa que há uma referência a valores em documento
de 1896, com balanço de 1895. Tal fonte informaria um custo global de
121:547$520 (cento e vinte e um contos, quinhentos e quarenta e sete mil,
quinhentos e vinte réis) para as obras da rotunda.[20]
No entanto, sabendo que entre 1892 e 1893 a unidade de São João del-Rei já se
encontrava entregue à operação, e que os documentos se referem, geralmente, à
de Ribeirão Vermelho[21],
esse custo teria como objeto a rotunda construída naquele povoado no município
de Lavras.
A unidade de São João possui dimensões
mais modestas em relação à sua congênere de Ribeirão Vermelho, fato devido à
fundamental diferença: enquanto a rotunda às margens do Rio Grande atendia à
linha tronco em bitola de 1.000 mm e ao ramal de Lavras da bitola de 762 mm, a
de São João del-Rei atendia exclusivamente ao tronco em bitola de 762 mm e seu
material rodante liliputiano.
Não encontramos, ainda, documento que
informe datas exatas sobre início e fim da construção desta edificação. No
entanto, o texto do jornal O Pharol nos permitiu compreender que o
início da obra se dera em algum momento do segundo semestre de 1890. O parecer
do engenheiro fiscal encontrado no periódico oficial do estado de Minas
permite-nos deduzir que o edifício pode ter sido entregue aos serviços da
estrada em algum momento do segundo semestre de 1892, entre junho e setembro –
data em que ele informa que um trem proveniente “do Sítio” (Antônio Carlos)
carregado com “15.900 bruacas de sal” depositou essa mercadoria na rotunda para
liberar o vagão de gado em que foram transportadas.[22]
Esta rotunda surge referida novamente no mesmo Órgão Oficial dos Poderes do
Estado de MG, datado de 26 de julho de 1893. Desta vez, a informação principal
é referente a um rumor a respeito da transferência das oficinas de São João
del-Rei para Lavras (atual Ribeirão Vermelho):
Corre por aqui, não sabemos com que
fundamento, que as oficinas da Oeste vão ser transferidas para a cidade de
Lavras.
É verdade que, em certo ponto, a
medida justifica-se, porquanto Lavras fica em posição central. Bifurcando-se
ali as linhas do Sitio, Alto S. Francisco e de Barra Mansa ao Catalão, podendo
melhor as oficinas atender às diversas necessidades do serviço. Por outro lado,
porém, é preciso levar em conta o dispêndio que acarretará tal transferência
abandonando-se em S. João del-Rei não só o sólido e espaçoso edifício, onde já
estão assentadas as máquinas e onde as oficinas funcionam perfeitamente, como a
rotunda, há pouco concluída, contando enorme soma.
Enfim, a diretoria da estrada, no
próprio interesse, pesará bem os prós e os contras, resolvendo o que for mais
conveniente e de harmonia com grandes interesses a zelar. [grifo meu][23]
Fica evidente, pela informação de setembro
de 1892, que a carga mais valiosa a chegar em São João del-Rei ainda era o sal,
componente indispensável à dieta bovina, típica de uma região conhecida pela
produção de queijo e por ser área de invernada para o gado remetido à Corte do
Rio de Janeiro/Município Neutro, àquela altura já convertida em Capital da
República/Distrito Federal. A expansão para o oeste, sentido Rio São Francisco,
pela linha em bitola de 762 mm – à qual pertencia São João del-Rei –, e sentido
Goiás – termo da concessão da linha entre Barra Mansa e Catalão, em bitola de
1.000 mm (ou métrica) são o contexto em que as ampliações de módulos
operacionais da EFOM se inserem.
No período em
que foi edificado esse módulo (1890-1892/3), a estrada já possuía um parque de
tração com trinta e duas locomotivas, inclusas as encomendadas, com destaque às
apropriadas para o transporte de mercadorias nos trechos de rampas mais
acentuadas, como a chamada “Serra do Cascabulho”, na região de Oliveira, denominadas
como do tipo consolidation, de rodagem 2-8-0, adquiridas entre 1889 e 1894 (fig. 7).[24]
Por décadas – em torno de oitenta anos –, a rotunda manteve-se em
funcionamento para o objetivo original. Sobreviveu a várias mudanças
administrativas e operacionais, até que, em algum momento após 1970, foi alvo
de demolição.
Há indícios em uma publicação local, o
jornal Ponte
da Cadeia, de que, a partir de 1970, era cogitada a
transferência do complexo ferroviário de São João del-Rei para outro local para
que o original cedesse espaço a loteamento e conversão da estação e outros
módulos para outras funcionalidades. Portanto, a remoção da ferrovia do centro
da cidade de São João del-Rei e urbanização do espaço por ela deixado. Nas
palavras do editor Adenor Simões Coelho Filho, na edição de dezembro de 1970,
em coluna de título “Estação vai ser vendida”,
Há indícios de que a estação de
passageiros da Viação Férrea Centro Oeste já foi avaliada por peritos e será
oportunamente vendida, passando as instalações da estrada de ferro para outro
local.
Nesse caso a área ocupada
atualmente cederia o espaço para loteamentos, urbanização, serviços públicos e
outras finalidades.
É um terreno que tem cerca de um
quilômetro de comprimento, entre a rua Antônio Rocha e a rua Quintino Bocaiuva,
com diversos edifícios, galpões, instalações, onde funcionam os escritórios e
oficinas da antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas, atualmente a VFCO [Viação
Férrea Centro-Oeste].
Ninguém se preocupará com a entrega
da maior parte dos terrenos a compradores que pretendam construir residências
ou instalar indústrias ou lojas. Mas há um elemento das instalações da VFCO que
exige atenção das autoridades e do povo, por se tratar de um edifício
característico da cidade e testemunho de uma época das mais significativas para
a história de Minas Gerais e da cidade.
É a estação da estrada de Ferro,
não só de alvenaria, mas também e principalmente a estrutura metálica da
estação, um dos maiores do estado e um dos mais notáveis como construção
típica, cujo valor deve ser considerado antes de qualquer operação.[25]
A preocupação com a estação e sua
concepção, seu valor histórico, é evidente; no entanto, a visão sobre esse tema
não é direcionada aos outros módulos do complexo, como a própria rotunda e sua
planta de desenho único não apenas no complexo, como no município todo. Tal
perspectiva combina com o caso da demolição parcial sofrida por esta edificação
nos anos seguintes, provavelmente 1973, se considerarmos corretas as datações
das fotografias.
As colunas originais, se dermos crédito
aos relatos dos ferroviários Benito Mussolini Grassi de Lelis e Sebastião
Florêncio dos Santos, foram removidas por ordem de engenheiro da RFFSA. Essas
colunas, de provável origem escocesa ou alemã, em ferro fundido, eram de constituição
simples e de silhueta de forma orgânica, conforme raras imagens mostram (fig. 8).
Segundo relatos de ferroviários, encontram-se no sítio de um antigo engenheiro
da RFFSA em Monte Sião, MG.
Por pouco mais de uma década, a rotunda
traduzia – por sua feição de edificação parcialmente demolida na paisagem da
cidade – a desolação da iminente erradicação do trecho, fruto da política
iniciada em 1964 sobre troncos e ramais ferroviários considerados deficitários
e/ou antieconômicos. Erradicação adiada pela construção da Usina Hidrelétrica
de Itaipu, obra que trouxe uma sobrevida à, agora, pequena ferrovia que atendia
a uma das fábricas de cimento Portland a fornecer o produto para a estrutura da
usina.
Entre 1975 e 1982, o tráfego da antiga
“bitolinha” ganhou grande fôlego nos dois sentidos operacionais, para atender o
fornecimento de calcário para a fábrica e o transporte do cimento para
baldeação na estação de Aureliano Mourão, município de Bom Sucesso, MG, de onde
seguia pela malha de bitola métrica da mesma VFCO[26]
até a estação de Sapucaí, de onde era transferido para a linha da FEPASA (um
ramal da antiga Companhia Mogiana de Estrada Ferro – fig. 9) em direção ao
estado de São Paulo, de onde rumava ao sul do Paraná.
Terminada
a obra da grande usina, em 1982, essa malha voltou a ser alvo de frente da
política de erradicações. O período seguinte à paralização do tráfego trouxe
grande preocupação da sociedade civil sobre a destinação do sítio, da via e dos
bens móveis e imóveis legados das antigas Estrada de Ferro Oeste de Minas, Rede
Mineira de Viação e Viação Férrea Centro Oeste[27].
Logo, em
1984, com a proposta e execução do plano de conversão do sítio em museu,
deparava-se com um ambiente riquíssimo, de transformação rarefeita no período
que foi de 1877 (incorporação da CEFOM) a 1982 (paralização do tráfego do
trecho original). Assim, juntamente com as principais peças, que são as
dezesseis locomotivas a vapor originárias da EFOM – fabricadas pela [The]
Baldwin Locomotive Works entre 1880 e 1920 (do total de sessenta) –, uma
série de outros veículos, máquinas de oficinas, de manutenção de linha e outros
itens de manutenção e reposição da via e da administração, das estações, das
oficinas, dos armazéns e da via, foram destinados a formar o rico acervo de
todo o espaço do complexo ferroviário, dos quais a rotunda é apenas uma
importante fração.
Entre
outras publicações, a rotunda aparece como destaque na revista “Passado e
Presente” (fig. 10), editada pela Superintendência de Patrimônio da Rede
Ferroviária Federal S.A. do triênio setembro/outubro/novembro de 1987, momento
importante de consolidação das políticas destinadas à valorização dos sítios e
bens ferroviários como patrimônio histórico-cultural. Movimento iniciado pela
ABPF na década de 1970 e abraçado pelo estado nacional entre a abertura
democrática e a consolidação pela Constituição Federal de 1988.
Figura 10. Rotunda em destaque da publicação “Passado e Presente” da Superintendência de Patrimônio da Rede Ferroviária Federal S.A. 1987. Fonte: IPHAN. Processo de Tombamento 1.185-T-85, f. 209. |
Entre
1984 e 1996, a RFFSA administrou e operou esse conjunto museológico, que inclui
a chamada “maria fumaça de São João del-Rei e Tiradentes” conforme as ideias da
ABPF e, posteriormente, os planos do PRESERVE-MT. Portanto, já instituído como
bem de valor cultural, o sítio todo era administrado a partir dessa premissa e
mostrou-se bem sucedido sob tal perspectiva. O que viria a impactar a constante
do funcionamento como museu e sua substância como bem de valor
histórico-cultural e arqueológico industrial foi a execução do Plano Nacional
de Desestatização, do qual resultou a concessão do sistema ferroviário federal,
dividido em sete malhas regionais.
Entre
essas, a malha centro-leste que, no âmbito da RFFSA, representava as antigas
superintendências regionais 2, 7 e 8 (SR-2, SR-7 e SR-8).
Malha
regional |
Data
leilão |
Concessionária |
Início
operação |
Oeste |
05/03/1996 |
Ferrovia
Novoeste S.A. |
01/07/1996 |
Centro-Leste |
14/06/1996 |
Ferrovia
Centro-Atlântica S.A. |
01/09/1996 |
Sudeste |
20/09/1996 |
MRS
Logística S.A. |
01/12/1996 |
Tereza
Cristina |
26/11/1996 |
Ferrovia
Tereza Cristina S.A. |
01/02/1997 |
Sul |
13/12/1996 |
ALL-América
Latina Logística do Brasil S.A |
01/03/1997 |
Nordeste |
18/07/1997 |
Companhia
Ferroviária do Nordeste |
01/01/1998 |
Paulista |
10/11/1998 |
Ferrovias
Bandeirantes S.A. |
01/01/1999 |
Quadro 3. Concessões do sistema
ferroviário nacional advindo da RFFSA e da FEPASA (rede estadual paulista
federalizada para o leilão). N. do A.: onde se lê ALL, ler FSA – Ferrovia
Sul-Atlântico S.A.
Fonte: BRASIL. “Concessões Ferroviárias”.
Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. Disponível em: <https://antt-hml.antt.gov.br/concessoes-ferroviarias>. Acessado em: 02/11/2022.
O termo
da concessão outorgada à Ferrovia Centro-Atlântica S.A. – FCA S.A. (atualmente
de propriedade da empresa Valor Logística Integrada Multimodal S.A. - VLI),
após o arremate em leilão no dia 14 de junho de 1996, ocorreu a partir do
Decreto Nacional 4339, de 26 de agosto de 1996, em que se lê:
DECRETO DE 26 DE AGOSTO DE 1996.
Outorga concessão à empresa Ferrovia
Centro-Atlântica S.A. para a exploração e desenvolvimento do serviço público de
transporte ferroviário de carga na Malha Centro-Leste e dá outras
providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições
que lhe confere o art. 84, inciso IV, combinado com o art. 175 da Constituição,
e tendo em vista o disposto nas Leis n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e
9.074, de 7 de julho de 1995,
DECRETA:
Art. 1° Fica outorgada à empresa Ferrovia
Centro-Atlântica S.A., com sede à Rua Sapucaí, 383, na cidade de Belo
Horizonte, Estado de Minas Gerais, a concessão da exploração e
desenvolvimento do serviço público de transporte ferroviário de carga na
Malha Centro-Leste, ferrovia localizada nos Estados de Goiás, Minas Gerais, Rio
de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Sergipe e Distrito Federal, destacada do
sistema ferroviário operado pela Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, nos
termos do modelo de desestatização do serviço público de transporte ferroviário
da RFFSA, aprovado pela Comissão Diretora do Programa Nacional de
Desestatização-PND e ratificado pelo Conselho Nacional de Desestatização-CND.
Art. 2° A concessão de que trata o artigo anterior
efetivar-se-á mediante celebração de Contrato de Concessão, cuja minuta integra
o Edital do BNDES n° PND/A-03/96/RFFSA, a ser firmado entre a União, por
intermédio do Ministério dos Transportes, e a empresa Ferrovia Centro-Atlântica
S.A. [grifos meus][28]
A
concessão da FCA S.A./VLI, portanto, não engloba o sítio histórico-cultural e
arqueológico industrial denominado Complexo Ferroviário de São João del-Rei ou
“Centro de Preservação da Memória Ferroviária de Minas Gerais”, mais os 12 km
de via férrea e estação de Tiradentes, o qual se encontra excluído do sistema
ferroviário nacional para o transporte de carga desde a paralização do tráfego
de 1982 seguida de “processo de desativação e erradicação de
sua via férrea e dispersão e dilapidação de seu acervo”.
Devido
ao início do processo de extinção da RFFSA, houve redução do quadro de
funcionários para administrar o museu e operar as oficinas de São João del-Rei,
juntamente a “acordo entre cavalheiros” realizado por RFFSA e FCA S.A. para o
envio de equipagem para operar os trens ditos “turístico-culturais” entre
sexta-feira e domingo, mais feriados nacionais a partir do escritório de Lavras
da concessionária. Tal condição permaneceu até a assinatura de um “termo de uso
a título precário” no ano de 2001, em que a RFFSA permitia a administração do
sítio pela FCA S.A., então empresa do grupo Vale S.A., até o prazo de 6 (seis)
meses, até que fosse aberto processo de licitação para administração do sítio e
operação dos trens turístico-culturais de propriedade da União Federal.
Desde
2007, devido à extinção da Rede Ferroviária Federal S.A., a tutela do sítio e
bens ferroviários aqui tratados é de responsabilidade do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, através da lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007, da qual trataremos ainda no item
“09. Descrição”. Cabe salientar que a ocupação/administração do sítio pela FCA
S.A/VLI no ano de 2022 é ilegal, fruto de prevaricação de IPHAN/DNIT/SPU e MPF
(que, desde 2010, possui Procuradoria da República no município de São João
del-Rei, MG).
Outros registros fotográficos selecionados
Figura 13. Placa de inauguração do “Centro de Preservação da História Ferroviária de Minas Gerais”, trabalho creditado ao PRESERVE-MT e à RFFSA. 1984. Foto de Welber Santos. |
Figura 17. Base de uma das colunas replicadas pela Fundição de Ligas Ltda., de Divinópolis sob encomenda da RFFSA SR-2. 2022. Foto de Welber Santos. |
Figura 23. Carro de primeira classe B-13 verdadeiro. Construído nas oficinas de Lavras da RMV. 1998. Foto de Hugo Azevedo Caramuru. |
Figura 24. Sinais de canibalização de peças de material rodante da exposição permanente: desvio de compressor Westinghouse da locomotiva a vapor 40. 2022. Foto de Welber Santos. |
Figura 25. Sinais de canibalização de peças de material rodante da exposição permanente: desvio de compressor Westinghouse da locomotiva a vapor 37. 2022. Foto de Welber Santos. |
[1] Importante compreender que em
1888, data de inauguração da estação ferroviária de Ribeirão Vermelho, este
povoado pertencia ao município de Lavras. Mais tarde, além do complexo
ferroviário com oficinas no distrito Ribeirão Vermelho, um novo foi erguido na
cidade de Lavras (distrito sede).
[2] CARRAZZONI, Maria Elisa. Programa
de Preservação do Patrimônio Histórico do Ministério dos Transportes. Rio
de Janeiro: PRESERVE-MT, 1989, contracapa.
[3] O PRESERVE-MT foi um programa do
Ministério dos Transportes que contemplava todos os modais de transporte. O
PRESERFE é um desdobramento do PERSERVE-MT no âmbito da Rede Ferroviária
Federal com a função de atuar na preservação da história ferroviária e ainda
existe no organograma do atual Ministério da Infraestrutura (2022); no entanto,
sem atuação aparente.
[4] MORAIS, Sérgio Santos. Reconstrução
da Rotunda de São João del Rei. Rio de Janeiro: PRESERVE,
1987, p. 1.
[5]
FALCONER, Keith; JONES, Barrie. "Railway Engineering Works: the
legacy" IN: BURMAN, Peter; STRATTON, Michael. Conserving The Railway
Heritage. London: E&FN Spon, 1997, pp. 96-7.
[6]
MORAIS, Sérgio Santos. Reconstrução
da Rotunda de São João del Rei.
Rio de Janeiro: PRESERVE, 1987, pp. 45. O arquiteto responsável pela
reconstrução, Sérgio Santos Morais, erra ao informar que as réplicas foram
fundidas nas oficinas de Divinópolis da RFFSA, já que o trabalho ficou a cargo
da Fundição de Ligas Ltda. (Fulig).
[7] ALVES, Hermillo Cândido da Costa.
“Novas Inaugurações na E. F. Oeste de Minas”. Revista de Estradas de Ferro,
Rio de Janeiro, Ano V, n. 52, abr. 1889, p. 49.
[8] A Carta do Património Industrial
deverá incluir as importantes Cartas anteriores, como a Carta de Veneza (1964)
e a Carta de Burra (1980), assim como a Recomendação R(90) 20 do Conselho da
Europa. Essas cartas pode ser encontradas através do IPHAN nos seguintes
endereços: Carta de Veneza: <https://bit.ly/3f0xu1v>; Carta de Burra: <https://bit.ly/3MkXd19> e Recomendação do Conselho da Europa:
<https://bit.ly/3xzlp9U>
[9] A Carta RFFSA/ERBEL 067 de 2003
traz apenas as informações básicas, por exemplo “Locomotiva a vapor 220” ou
“carro administração A-6”. Os dados complementares são provenientes das
seguintes fontes: DEGOLYER LIBRARY. Railroads -
Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works engine
specifications, 1869-1938. Disponível
em: <https://cutt.ly/1vwSiwD>. Acessado a partir de:
30/07/2013; DEGOLYER LIBRARY. Railroads - Photographs,
Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works, Index of Companies,
Construction Numbers from 5000 to 9999, March 1880
to May 1889; Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction
Numbers from 10000 to 14999, May 1889 to July 1896; Baldwin Locomotive
Works, Index of Companies, Construction Numbers from 30000 to 34999,
January 1907 to July 1910; Baldwin Locomotive Works, Index of Companies,
Construction Numbers from 35000 to 39999, July 1910 to July 1913; Baldwin
Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 50000 to
54999, September 1918 to August 1921. Disponível
em: <https://cutt.ly/LvwDiCk>. Acessado em: 10/05/2020;
NEOM-ABPF. Locomotivas da Estrada de Ferro Oeste de Minas (1879-1938).
Disponível em: <https://bit.ly/3Vmyuhg>. Acessado em: 11/10/2022;
SOCIEDADE PARA PESQUISA E MEMÓRIA DO TREM. Inventário Geral de Locomotivas.
Disponível em: <https://www.trem.org.br/igl/>. Acessado em: 11/10/2022.
[10] As denominações e classificações
mantidas pela “bitolinha” são as mesmas encontradas no documento RMV -
Instruções para o Serviço de Movimento, de 1939 (com grafia atualizada): § 1º -
As locomotivas, automóveis e troles terão as suas próprias designações./§ 2º -
Denominam-se carros os veículos destinados ao transporte de passageiros,
condutores de trens, correio e bagagem e aos serviços da Administração, de
socorro, alojamento do pessoal e restaurante. São classificados: Série A – Administração;
Série B – 1ª classe para passageiros; Série C – 2ª classe para passageiros;
Série D – Dormitório, Série E – Mixto (1ª e 2ª classes); Série F – Bagagem,
correios e chefe do trem, correio e bagagem; Série G – Restaurante; Série H – Bagagem
e animais; Série I – Salão; Série J – Transporte de cadáveres; Série R –
Socorro e alojamento do pessoal./§ 3º - Denominam-se vagões os veículos
fechados destinados ao transporte de mercadorias. São classificados: Série S –
Frigoríficos (para leite etc.); Série T – Inflamáveis; Série U – Grãos (trigo
etc.); Série V – Mercadorias em geral e de armazém; Série W – Automóveis etc;
Série X – Coletores./ § 4º - Denominam-se gaiolas os veículos destinados ao
transporte de animais. São classificados: Serie K – Bovinos; Série L – (com
dois andares) Suínos./§ 5º - Denominam-se gôndolas os veículos abertos com
bordas e destinados ao transporte de mercadorias de pátio, como areia, pedra, carvão,
minério, tijolos etc. São classificados: Serie M – Com bordas altas; Série N –
Metálicas, com bordas; Série O – Com grades altas nas cabeceiras; Série P – Com
bordas baixas./§ 6º - Denominam-se pranchas os veículos abertos, contendo
fueiros, destinados ao transporte de mercadorias de pátio, como lenha, madeira,
trilhos etc. São classificados na série Q./§ 7º - Os vagões, gaiolas, gôndolas
e pranchas além das letras indicativas das séries, têm, imediatamente juntas a
estas, outras que indicam a lotação respectiva, a saber: A - 8.000 kg, B - 12.000,
C - 18.000, D - 24.000 e E - 30.000 kg. Fonte: REDE MINEIRA DE VIAÇÃO. Instruções
para o Serviço de Movimento (ISM). Belo Horizonte: Pap. e Typ. Brasil,
1939, pp. 9-10.
[11] “O código de classe Baldwin era um
sistema de classificação iniciado em 1842 e usado até por volta de 1940. Por
exemplo, a classe para uma locomotiva ten-wheeler da
Nevada-California-Oregon Railway pode ser descrita da seguinte maneira: ‘10-24
D 35’ em que 35 - Indica a 35ª locomotiva da classe; D - 3 pares de rodas
motrizes; 24 - Número representando o diâmetro do cilindro; 10 - Indica um
total de 10 rodas. O número inicial é o número total de rodas de todos os tipos
sob a locomotiva; O segundo número indica o diâmetro do cilindro em polegadas,
sendo o diâmetro do cilindro obtido dividindo-se o número de classificação por
2 e somando-se 3 ao quociente. O 24 encontrado no código do exemplo indica um
diâmetro de cilindro de (24 ÷ 2) + 3 = 15. Uma fração, 42/68, por exemplo,
indica uma locomotiva de expansão compound [composta] com dois tamanhos
de cilindros. A designação da letra indica o número de pares de rodas motrizes
acopladas. “A” - classe especial de locomotiva de alta velocidade com um par de
rodas motrizes. Também locomotivas de cremalheira. “B” - um par de rodas
motrizes. “C” - dois pares de rodas motrizes acopladas. “D” - três pares de
rodas motrizes acopladas. “E” - quatro pares de rodas motrizes acopladas. “F” -
cinco pares de rodas motrizes acopladas. Letras duplas - locomotivas
articuladas com mais de um conjunto de rodas motrizes acopladas. O(s) último(s)
número(s) no código da classe identifica uma locomotiva específica dentro da
classe, portanto, serial interno à classe” [tradução nossa]. DEGOLYER
LIBRARY. Baldwin Locomotive Works: Search for Baldwin drawings. Disponível
em: <https://guides.smu.edu/c.php?g=1029481&p=7460937>.
Acessado em:
20/10/2022.
[12] A placa de fabricação atualmente
encontrada nesta locomotiva é falsa e incoerente com o padrão de 1908. A
original se apresentava em maior diâmetro e fazia referência à companhia que
administrava a Baldwin Locomotive Works à época: Burnham, Williams
& Co., Baldwin Locomotive Works 32878, jul., 1908. Antes de
fundirem uma placa falsa (com o serial correto) baseada em uma de 1912, período
em que a companhia a administrar a fábrica de Baldwin passou a ser denominada,
simplesmente, The Baldwin Locomotive Works, a placa autêntica instalada
nesta locomotiva (desde 1975) era a da locomotiva EFOM 48, EFOM 22, RMV 22,
VFCO 22: 38009, jul., 1912. Tal confusão se deve à venda realizada pela
RFFSA-VFCO de uma locomotiva e dois carros para o parque “Vasconcelândia”. A locomotiva
escolhida seria a VFCO 19 (de 1908). Porém, os ferroviários trocaram matrícula
e placa de fabricante entre esta e a VFCO 22 (de 1912), sob a justificativa de
que a locomotiva de 1908 encontrava-se em melhor estado de conservação e
utilidade operacional. Atualmente, este bem encontra-se inutilizado por serviço
de caldeiraria mal contratado pela Valor Logística Integrada, empresa ocupante
do complexo ferroviário de maneira irregular, indevida e inapropriada, tanto do
ponto de vista legal quanto de compatibilidade com a categoria do sítio e seus
bens de valores histórico e arqueológico.
[13] A placa foi trocada no depósito de
Barra Mansa pela equivalente da R[V]SM 172, RMV
245/VFCO 245, fabricada por The Baldwin Locomotive Works, BLW
classe 10-26D 359, nov. 1923, serial 57373, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler).
Cf. DEGOLYER
LIBRARY. Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin
Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 55000 to 59999,
September 1921 to May 1927, p. 84. Disponível
em: <https://cutt.ly/LvwDiCk>. Acessado em: 10/05/2020.
[14] KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação
do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: problemas teóricos de
restauro. Cotia, SP: Ateliê Editorial; São Paulo: FAPESP, 2009, p. 23.
[15] Depósito, no jargão ferroviário,
neste contexto, refere-se ao complexo que assume a função de ponto fundamental
da operação, em que se encontra a estrutura necessária para depósito,
manutenção, reparo e troca de locomotivas e equipagem, podendo ser estação de
pernoite.
[16] MORAIS, Sérgio Santos. Reconstrução
da Rotunda de São João del Rei. Rio de Janeiro: PRESERVE, 1987, p. 10.
[17] É importante compreender que a
estrada de ferro é a instância operacional e a companhia de estrada de ferro a
instância administrativa. No caso das ferrovias de administração pública, a
instância administrativa pode ser uma secretaria/ministério de estado; um
departamento específico ou uma autarquia. A Companhia Estrada de Ferro Oeste de
Minas existiu entre 1877 e 1901, ano de sua liquidação, com processo iniciado
em 1898. A partir de 1901, com a encampação pela União, foi criada uma
autarquia que durou até 1931, ano em que a estrada foi arrendada pela União ao
Estado de Minas Gerais, que criou a Rede Mineira de Viação como instância
administrativa de ferrovias. A Estrada de Ferro Oeste de Minas existiu entre
1879 – início das obras – e 1938 – reestruturação da Rede Mineira de Viação, em
que as suas duas ferrovias (Estrada de Ferro Oeste de Minas e Estrada de Ferro
Sul de Minas) passaram a ser uma única instância operacional, passando a ser
unicamente Rede Mineira de Viação (RMV) que, por sua vez, unificava administração
e operação sob o mesmo nome. Cf. Decreto-Lei nº 132, de 23 de setembro de 1938:
publicado neste blog, originalmente disponível em: <https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/texto/DEL/132/1938/>. Acesso em: 25/12/2022.
[18] MINAS GERAIS.
“Secretaria de Obras Públicas: relatório”. Orgão Official dos Poderes do
Estado, Ouro Preto, 11 de junho de 1892, Ano I, nº 49, pp. 301-2.
Disponível em: <https://bit.ly/3UeDYtG>. Acesso em:
13/09/2022.
[19] O PHAROL, Juiz de Fora, 10 de
janeiro de 1891, p. 1. Disponível em: <https://bit.ly/3eYBEXq>. Acesso em: 13/09/2022.
[20] MORAIS, Sérgio Santos. Reconstrução
da Rotunda de São João del Rei. Rio de Janeiro: PRESERVE, 1987, pp. 7-9.
[21] Ribeirão Vermelho sofre grande
impacto com a Estrada de Ferro Oeste de Minas, principalmente devido à escolha
da companhia por fundar ali um complexo ferroviário, com depósito e oficinas.
Um jovem povoado ainda em 1888 (ano da inauguração da estação), torna-se
distrito de Lavras em 1901 e município em 1948.
[22] MINAS GERAIS. “Secretaria de Obras
Públicas: relatório”. Orgão Official dos Poderes do Estado, Ouro Preto,
3 de setembro de 1892, Ano I, nº 131, p. 809. Disponível em: <https://bit.ly/3SbiGv6>. Acesso em: 13/09/2022.
[23] MINAS GERAIS. “Secretaria de Obras
Públicas: relatório”. Orgão Official dos Poderes do Estado, Ouro Preto,
3 de setembro de 1893, Ano II, nº 200, p. 8. Disponível em: <https://bit.ly/3DEXjyp>. Acesso em: 21/09/2022.
[24] DEGOLYER
LIBRARY. Railroads
- Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works engine
specifications,
1869-1938. Disponível em: <https://cutt.ly/1vwSiwD>.
Acessado a partir de: 30/07/2013; DEGOLYER LIBRARY. Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints:
Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 10000
to 14999,
May 1889 to July 1896. Disponível em: <https://cutt.ly/LvwDiCk>.
Acessado em: 10/05/2020.
[25] PONTE DA CADEIA. Estação vai
ser vendida. São João del-Rei, 6 de dezembro de 1970, n. 181, p. 1.
Disponível em: <https://bit.ly/3CAGALL>. Visitado em: 05/10/2022.
[26] Na estação de Aureliano Mourão,
ocorria a baldeação dos vagões da bitola de 762 mm para a de 1.000 mm. A partir
desse ponto, o trem seguia pelo trecho do ramal Divinópolis-Lavras. Em Lavras,
na estação de Engenheiro Bhering (antiga Prudente), seguia pelo ramal
Lavras-Três Corações que, originalmente, foi construído no âmbito das antigas
Rede Sul Mineira (federal – 1910-1921)/Rede de Viação Sul-Mineira (arrendada ao
estado de Minas – 1921-1931), para, entre Três Corações e Sapucaí, seguir por
trecho da antiga Estrada de Ferro Sapucaí, a qual entroncava com as ferrovias
paulistas através da Companhia Mogiana. Fontes: RFFSA. Sistema Ferroviário do Brasil.
Rio de Janeiro: RFFSA, 1978, p. XIV; ARQUIVO NACIONAL: BR RJANRIO QD.0.MAP.34 –
Dossiê. Disponível em: <https://bit.ly/3SfJD0o>.
Acessado em: 21/10/2022.
[27] É importante registrar o histórico
das fases pelas quais a ferrovia passou entre 1877 e 1983, ano da erradicação
do último trecho ativo da ferrovia original. A Estrada de Ferro Oeste de Minas
existiu entre 1879 e 1938. Nesse ínterim, foi administrada pela Companhia
Estrada de Ferro Oeste de Minas – uma companhia por ações – que existiu de 1877
a 1901; provisoriamente pelo Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas
(1901-1903); pela autarquia federal Estrada de Ferro Oeste de Minas
(1903-1931); Pela Rede Mineira de Viação, de 1931 a 1938, sob arrendamento ao
governo do estado de Minas Gerais. Com a reestruturação da Rede Mineira de
Viação, em 1938, as duas ferrovias em seu interior foram extintas – a outra era
a Estrada de Ferro Sul de Minas (referente à antiga Rede [de Viação]
Sul-Mineira) – e a instância operacional passou a corresponder à instância
administrativa. A Rede Mineira de Viação, como arrendatária das acima referidas
ferrovias da União, foi devolvida ao âmbito federal em acordo entre Juscelino Kubistchek,
governador de Minas Gerais, e Getúlio Vargas, presidente da República, em 1953.
Até 1957, a RMV, como o restante das ferrovias da União, era administrada pelo
Ministério de Viação e Obras Públicas, sob o Departamento Nacional de Estradas
de Ferro, quando foi criada a empresa estatal de economia mista denominada Rede
Ferroviária Federal S.A., que detinha o objetivo de administrar, modernizar,
integrar, unificar e ampliar as ferrovias da União. Sob radical mudança de
objetivos, a partir de abril de 1964 – que não cabem neste relatório –, em
1965, a RMV, a Estrada de Ferro Goiás e a Estrada de Ferro Bahia a Minas
sofreram uma fusão que gerou a unidade operacional Viação Férrea Centro-Oeste
(VFCO). A VFCO, por sua vez, em 1976, juntamente com a malha mineira em bitola
métrica da Estrada de Ferro Central do Brasil, passou a integrar toda a ferrovia
em bitola métrica dirigida pela Superintendência Regional de Belo Horizonte,
denominada Superintendência Regional 2 (SR-2) a partir de 1978. A RFFSA SR-2
existiu até o advento da [re]concessão das ferrovias da União a partir de 1996.
[28] BRASIL. Decreto 4339 de 26 de
agosto de 1996. Disponível em: <https://bit.ly/3FEnJS2>. Acessado em: 02/11/2022.
6 comentários:
Prezado (a),
A valorização do patrimônio industrial e ferroviário brasileiro bem sendo discutida pelo TICCIH-Brasil desde 2004, quando se buscou desenvolver um trabalho de preservação, conservação e restauração deste patrimônio.
Particularmente, tenho desenvolvido, em paralelo ao grupo Projeto Memória Ferroviária, da Unesp, um conjunto de trabalhos que vieram reconhecer, em especial, as rotundas, como patrimônio cultural.
Pode-se aceder aos trabalhos mas página: https://www.researchgate.net/project/Roundhouse-Railway-Identification-and-Cataloging
Sou associado ao TICCIH. Reconheço a importância da entidade por sua função acadêmica e teórica. No entanto, a defesa real do patrimônio ferroviário - especificamente - brasileiro parece não ser parte dos ofícios.
A presente publicação é uma versão reduzida do inventário que elaborei sobre a rotunda de São João del-Rei e tem como razão não apenas registrar seu histórico e valor como bem arqueológico-histórico industrial/ferroviário, mas defendê-lo, inclusive, de projetos destruidores no interior do próprio IPHAN, que, à despeito de ser o tutor dos sítios e bens, não conta em suas cadeiras com estudiosos do tema. E os estudiosos do tema, quase por via de regra, entendem pouco sobre operação ferroviária histórica, como tenho visto nos seminários, congressos, encontros e simpósios do TICCIH.
Um dos ofícios do TICCIH-Brasil, assim como do ICOMOS-Brasil, é buscar desenvolver documentos (ofícios) e representações que venham a corroborar a importância da preservação de exemplares do patrimônio industrial, dente eles, o ferroviário.
Acredito que, como parte de sua visão, em geral, os órgãos estatais e privados, não conhecem ou mesmo desconhecem as cartas patrimoniais, a produção científica e acadêmica nacional, bem como a função dos órgãos os quais representamos.
Tanto o TICCIH-Brasil como o Comitê Nacional de Patrimônio Industrial tem buscado construir parcerias e mesmo uma rede institucional que permita maior visibilidade. Necessitamos construir algo juntos, em cooperação e integração de forças, para assim assumir compromissos com relação às múltiplas realidades do patrimônio industrial, dentre elas, o ferroviário.
Sinto uma grande dificuldade por parte dos órgãos, mas, especialmente do IPHAN, já que este é o "dono" dos sítios e bens em questão, desde 2007. Em todo o território nacional, apenas um funcionário do quadro do IPHAN tem mínima noção do tema correlato a essa herança "maldita" da RFFSA.
E não parece haver qualquer esforço na direção de suprir as necessidades de haver um grupo de profissionais que consiga lidar com a problemática de forma íntegra.
Creio que todos sentimos essa dificuldade, em especial quando lidamos com patrimônio industrial e cultural.
Nesse sentido que comentei sobre criar documentos nacionais, com base obviamente, em documentos internacionais como a Carta de Nizhny Tagil, bem como os Princípios de Dublin e a Carta de Sevilla.
Que somemos esforços e busquemos juntos o seu reconhecimento e a sua valorização.
Aproveito para parabeniza-lo pelo trabalho e esforço em trazer ao conhecimento geral a importância do patrimônio ferroviário.
Agradeço pelos comentários e me coloco à disposição para o que vier.
Aproveito e parabenizo pela iniciativa do projeto "Roundhouse Railway: Identification and Cataloging".
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