terça-feira, 27 de dezembro de 2022

A rotunda de São João del-Rei da E. F. Oeste de Minas

Neste blog existe uma publicação sob o título A Rotunda, de 19 de outubro de 2011. Passados pouco mais de dez anos, novas observações e interpretações sobre seu valor e contexto permitiram atualizar aquele conteúdo.

Em 2022, fui autor do inventário do bem no âmbito municipal. Como autor do documento oficial e pesquisador dos temas da história e preservação ferroviárias, particularmente observador dos fenômenos em torno da E. F. Oeste de Minas, cabe informar que o conhecimento sobre os assuntos aqui tratados está em constante movimento e construção. Logo, esta publicação não substitui aquela, mas a complementa e atualiza em alguns itens.

O conteúdo a seguir reproduz parte do referido inventário.

A rotunda de São João del-Rei

Descrição do bem

A rotunda de São João del-Rei configura-se como um dos vários módulos dentro de um complexo com um grande pátio em que existem a estação ferroviária e suas várias dependências, armazéns e auditórios, oficina de operatrizes, ferraria, caldeiraria, carpintaria, depósito de locomotivas, girador, caixa d’água, guarda-chaves, almoxarifado, banheiros independentes etc. Esse tipo de complexo é comum em pontos estratégicos de ferrovias de grande extensão. No caso da malha em bitola de 762 mm da EFOM, juntamente com o de São João del-Rei, houveram os de Lavras/Ribeirão Vermelho[1], Lavras e Divinópolis.

Em um terreno de 32.000 m² (que era medido em 37.900 m² antes da abertura da rua Cons. Belizário Leite de Andrade e loteamento do remanescente sul, cortado pelo dito logradouro), esta edificação radial localiza-se na porção mais central do grande pátio, destacando-se na paisagem.

Depois de quase um século como módulo das oficinas da Estrada de Ferro Oeste de Minas [1877-1931] e suas sucessoras (Rede Mineira de Viação [1931-1965], Viação Férrea Centro-Oeste [1965-1976], Superintendência Regional Belo Horizonte [1978-1996] da Rede Ferroviária Federal S.A. [1957-2007]), em 1986, após ser reconstruída, juntamente com a reconfiguração das linhas e a reurbanização do pátio, a rotunda passou a ser designada como módulo 2 do “Centro de Preservação da História Ferroviária de Minas Gerais”, projeto do Programa de Preservação do Patrimônio Histórico do Ministério dos Transportes (PRESERVE-MT). Essa reconfiguração deveu-se à extinção do tráfego da malha em bitola de 2 pés e ½ (762 mm ou 76,2 cm), que foi operacional até 1982, e consequente movimento por sua preservação.

A instalação de parte da exposição permanente do museu ferroviário do complexo ferroviário de São João del-Rei foi, claramente, inspirada em pelo menos duas outras instituições similares: 1. A disposição de itens variados de material rodante como na rotunda do Baltimore & Ohio Railroad Museum, em Baltimore, Maryland, EUA; 2. No britânico National Railway Museum, que possui sedes em York e Shildon, no Reino Unido, de onde, claramente, foi aproveitada a ideia de executar um corte longitudinal em toda a extensão de exemplar de locomotiva a vapor como modo ilustrativo do funcionamento desse tipo de veículo motor (figuras 1 e 2).

Figura 1. Rotunda do Baltimore & Ohio Railroad Museum em Baltimore, Maryland, EUA, e locomotiva 4-6-2 Pacific 35029 classe Merchant Navy da British Railways (Southern Railway Region) exposta no National Railway Museum, em York, Reino Unido. 2021 e 2011, respectivamente. Fotos de Jeff Terry e David J. Smith. Fonte: Railpictures.Net. Disponíveis em: <https://railpictures.net/photo/779347> e <https://railpictures.net/photo/373049>. Acessados em: 03/11/2022.

Figura 2. Locomotiva a vapor de bitola métrica 220. Aberta como demonstrativo do funcionamento de uma locomotiva a vapor, seguindo a ideia encontrada no National Railway Museum de York, Inglaterra. 2022. Foto de Welber Santos.

Na mesma medida, o espaço ferroviário de São João del-Rei passou a ser um dos mais visitados no Brasil, inclusive com grande público internacional, como foi o caso do Chefe de Chancelaria da Embaixada Britânica no Brasil, que enviou uma carta à RFFSA com os dizeres:

Gostaria de agradecer pela oportunidade que me deu de visitar todas as partes do Museu Ferroviário de São João Del Rey, no dia 9 de abril.

Essa não foi minha primeira visita ao Museu, mas foi a mais interessante, especificamente porque pude visitar a oficina para ver a coleção histórica, tão bem preservada, de tornos e outras máquinas, e também porque tive sua permissão para viajar na mesma locomotiva... Após ter visitado muitos outros museus semelhantes, eu gostaria de afirmar que acho que o seu conjunto, inclusive a linha São João Del Rey-Tiradentes, constitui o mais impressionante museu desse tipo que vi em qualquer país. Tudo tem sido preservado com uma lealdade excepcional ao passado e com objetivo educacional. Foi para mim um privilégio poder conhecer o museu em detalhes e falar com a equipe de funcionários evidentemente tão dedicada ao seu trabalho.[2]

Assim como no período de operação comercial, a rotunda como módulo do museu encontra-se praticamente centralizada em relação à estação e o portão de saída e entrada dos trens. O acesso público, hoje bastante restrito devido à ilegalidade da posse pela Ferrovia Centro-Atlântica S.A. (FCA)/Valor Logística Integrada (VLI), dá-se através da estação, de onde o visitante caminha pelo pátio por 400 m.

Com grande destaque entre todas as edificações do mesmo complexo e, também, da cidade, devido ao seu aspecto circular (na verdade um polígono de 24 faces), a rotunda é chamada, popularmente, de “coliseu”. Sob qualquer ângulo, seu impacto é imediato. Esse impacto espacial e visual torna tal edificação uma grande referência para a movimentação de locais e viajantes; bem como de utilização como nome fantasia de estabelecimentos comerciais do entorno.

Segundo o arquiteto Sérgio dos Santos Morais, do PRESERVE-MT/PRESERFE[3],

A proposta de preservação visou não só a recuperação sob o ponto de vista arquitetônico, como também procurou manter a função original do pátio ferroviário, ainda que, com algumas interferências, no sentido de tornar mais confortável e atraente uma visita às suas dependências.[4]

Portanto, juntamente com todo o espaço preservado e reconfigurado entre 1984 e 1986, a rotunda compunha um conjunto de módulos para a visitação pública e apreensão geral da história e da operação ferroviária de caráter “arcaico”. Assim, o museu inaugurado em 1981, que possuía apenas um módulo, referente ao antigo armazém da estação – espaço em que a principal peça é a locomotiva nº 1 da EFOM –, passou a contar com todo o espaço ferroviário intramuros da íntegra do complexo.

Leigos costumam confundir rotunda (edificação/imóvel) com girador (ponte giratória/móvel). Pode-se considerar como um equívoco normal pelo fato de que toda rotunda precisa de um girador para funcionar – é este dispositivo que conecta as baias e permite o movimento dos veículos. Grosso modo, toda rotunda possui um girador, ao cabo que nem todo girador estará em uma rotunda. No Complexo Ferroviário de São João del-Rei, por exemplo, atualmente, existem dois giradores: um no centro da própria rotunda e outro de uso mais constante na operação ferroviária, em outro ponto do sítio. Este segundo foi instalado na primeira metade da década de 1980 para substituir o antigo triângulo de reversão, para a abertura da atual Rua Cons. Belizário Leite de Andrade (fig. 3).

Figura 3. Planta referente à separação de uma fração (destaque em amarelo) do complexo ferroviário de São João del-Rei para venda em forma de loteamento urbano. 1983. Fonte: Setor de Engenharia da Prefeitura Municipal de São João del-Rei.

Sobre a forma das rotundas, essas podem ter algumas variações de graus. Pensa-se inicialmente na rotunda de 360º, que é a rotunda de giro completo, mas elas podem ter o formato de meia-lua, ou possuir apenas poucas baias. Podem ser cobertas ou não, já que o que as caracteriza são os trilhos em composição de raios em torno do fosso do girador. No caso das que são cobertas, o tipo de cobertura utilizada também varia, o que pode ser característica do período de edificação ou dos costumes de cada região, ou mesmo pela função técnica das baias, como o tipo de reparo (caldeiraria, pintura, ferraria, manutenções leves, simples depósito etc.).

No Brasil é mais comum encontrarmos coberturas de telhas francesas com caimentos de duas águas, muitas vezes com lanternins, que é o exato caso da edificação em análise. Em algumas rotundas mais recentes, ou reformadas, é fácil encontrar cobertura tipo shed.

A estrutura varia entre colunas e armação do telhado em madeira; colunas de ferro e armação do telhado em madeira (caso da rotunda de São João del-Rei); colunas e armação do telhado em ferro fundido, ou variações com materiais de uso mais recente, como aço e concreto armado.

A concepção radial normalmente encerra uma edificação não em forma propriamente de círculo, mas geralmente poligonal, com arestas dividindo a parede de cada uma das baias.

Figura 4. North Midland Works Roundhouse, Derby, Reino Unido. Construída entre 1839-40, sua estrutura é toda em ferro fundido. Fotografia do interior e planta baixa. Rotunda ferroviária mais antiga conhecida. Fotografia e desenho de Royal Commission on the Historical Monuments of England. Fonte: FALCONER, Keith; JONES, Barrie. “Railway engineering works: the legacy”. In: BURMAN, Peter; Stratton, Michael. Conserving The Railway Heritage. London: E&FN Spon, 1997, pp. 96-7.

Geralmente utilizadas como parte das oficinas, as rotundas costumam ser complementadas por adicionais que as tornam mais complexas, com ligações diretas com ferraria, tornearia, caldeiraria, entre outros módulos, como é o caso da rotunda da North Midland Works, em Derby, Inglaterra (fig. 4).[5] Percebe-se, com tal exemplo, que, se a maior parte das rotundas possui cobertura apenas nas extremidades, algumas são completamente cobertas, mesmo no centro onde se encontra o girador.

Em rotundas destinadas a veículos de pequeno porte, o movimento do girador costuma operar-se pelo esforço humano, como é o caso desta. Quando se trata de estruturas maiores, para veículos de grande porte ou de movimento mais intenso, o girador passa a ser de responsabilidade de motores, normalmente elétricos.

A edificação objeto deste inventário é um polígono de 24 faces, com diâmetro de 55,25 m entre as faces (face interna das paredes) e 57,13 m entre as arestas verticais (colunas externas da fachada). O girador possui o comprimento básico para as pequenas locomotivas, com seus 12,77 m (sob a ideia original de 42 pés de comprimento).

Desenho 1. Planta baixa. Notar as linhas de acesso leste e oeste, mais as vinte e duas baias de alocação de material rodante. Todas as baias sul possuem bitola mista (quatro trilhos). 2022. Autor: Welber Santos.
Desenho 2. Corte do fosso do girador e elevação do girador. 2022. Autor: Welber Santos.

Podemos considerar a rotunda em análise uma edificação de arquitetura mista. Sua concepção construtiva insere-se na perspectiva da arquitetura local ou vernacular. Os elementos da alvenaria e a armação de estrutura da cobertura correspondem ao que pode-se encontrar na tipologia arquitetônica comum do período no Brasil. A fundação em pedra; paredes em tijolos cerâmicos maciços; cobertas de argamassa lisa à base de cal; estrutura de cobertura em ripas de madeira. Parte das esquadrias, especificamente as janelas, foi originalmente realizada em madeira, com parte superior vedada com vidros e inferior com venezianas, com bandeira em arco pleno, toda fixa, sem abertura. Na reconstrução, optou-se por janelas ainda em madeira, porém, com abertura em duas folhas, sem veneziana, vedadas em quatro vidros em partes iguais em cada folha e não a réplicas das originais – como Sérgio Morais afirma em seu livro-relatório. O restante da construção é o que consideramos como parte do que é característico fundamental da arquitetura do ferro, caso das colunas em ferro fundido, as grades das esquadrias em ferro, e os elementos propriamente ferroviários, como os trilhos Vignole de aço e a ponte giratória em perfis de aço, que formam o girador e a concepção do girador, propriamente.

A linha principal, portanto, a que atravessa os portões oeste e leste, demarca a divisória entre as porções Norte e Sul. Assim, a porção Norte é a que encontra-se avizinhada à Rua Antônio Rocha e a porção Sul consiste na que avizinha-se da Rua Conselheiro Belizário Leite de Andrade. Assim compreendido, verificamos que as baias da porção Sul são todas em bitola de 762 mm (76,2 cm), com apenas dois trilhos paralelos cada uma, e as da porção Norte constituem-se de bitola mista, de 762 mm e 1.000 mm (1,00 m), com quatro trilhos cada uma.

A cobertura é sustentada por 48 (quarenta e oito) colunas de ferro fundido, das quais 22 (vinte e duas) provêm da estação de Belo Horizonte da Estrada de Ferro Central do Brasil (fig. 5), fabricadas por Cia. Mech. e Import. de S. Paulo, e 26 (vinte e seis) são réplicas destas feitas por FULIG Fundição de Ligas Ltda., de Divinópolis, MG[6] – as originais removidas em 1973 eram possivelmente importadas da Alemanha ou da Escócia. Já o fabricante pode ser a Gutehoffnungshütte, de Oberhausen (Vale do Rhur) ou a Grusonwerk, de Buckau-Magdeburg, se considerarmos as estruturas montáveis do período informadas pelo engenheiro Hermillo Candido da Costa Alves em artigo da Revista de Estradas de Ferro[7], ou P. W. MacLellan, se considerarmos as pontes e a estrutura da rotunda de Ribeirão Vermelho, instaladas no decorrer da década de 1890.

Figura 5. Uma das colunas (ou similar) da reconstrução da rotunda de São João del-Rei em seu uso original, como sustentação da cobertura da plataforma da estação da EFCB em Belo Horizonte. 1973. Fonte: Acervo RFFSA/PRESERFE, via COELHO, Eduardo J. J.; SETTI, João Bosco. A Era Diesel da Estrada de Ferro Central do Brasil. Rio de Janeiro: AENFER, 1993, p. 122.

Os trilhos encontrados pela maior parte do complexo ferroviário, e que são, também, os utilizados na rotunda, são do tipo Vignole de 25 kg/m (TR-25), provenientes de fundições belgas como Cockerill (Société Anonyme John Cockerill Seraing) e Angleur (Société Anonyme des Aciéries d‘Angleur). Este é um dado importante para percebermos que as instituições de proteção aos bens de valor histórico-cultural, no entanto, leigas na disciplina referente ao patrimônio e à arqueologia industrial e/ou ferroviário/a, ignoram detalhes referentes à história da construção e operação das estradas de ferro no Brasil. Essa deficiência é refletida na omissão de cuidados específicos ao conjunto maior dos equipamentos a serem preservados e que devem compor os projetos de manutenção e restauro dessa especialidade.

Desenho 3. Perfil e aspecto da Via Permanente da via em bitola de 762 mm e de trilho TR-25. 2022. Autor: Welber Santos.

A atenção a ser dedicada a esse tipo de bem, atualmente, no âmbito do patrimônio histórico-cultural, é objeto da Carta de Nizhny Tagil (2003). Esse documento possui o mesmo peso institucional das cartas de Veneza, Washington e outras no âmbito do ICOMOS que, por sua vez, é diretamente relacionado à UNESCO, da qual o Brasil é um país membro. A Carta de Nizhny Tagil define o patrimônio industrial da seguinte forma:

O património industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitectónico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram actividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação.

A arqueologia industrial é um método interdisciplinar que estuda todos os vestígios, materiais e imateriais, os documentos, os artefactos, a estratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagens naturais e urbanas, criadas para ou por processos industriais. A arqueologia industrial utiliza os métodos de investigação mais adequados para aumentar a compreensão do passado e do presente industrial.

O período histórico de maior relevo para este estudo estende-se desde os inícios da Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, até aos nossos dias, sem negligenciar as suas raízes pré e proto-industriais. Para além disso, apoia-se no estudo das técnicas de produção, englobadas pela história da tecnologia [grifos meus].

No caso da edificação rotunda ferroviária, é importante atentarmo-nos a certos aspectos a serem preservados e na vigência não apenas da Cartade Nizhny Tagil, bem como da Carta de Veneza (1964) no que concerne à manutenção e a um eventual restauro. Outra carta que não pode ser ignorada é a Carta de Burra (1999)[8].

A concepção e os elementos da edificação, como a alvenaria das paredes, a argamassa e a pintura, as esquadrias, as bases estruturais, colunas e vigas, bem como os dormentes, os tipos de trilhos (dimensões e perfil) e fixadores (pregos e tirefãos [tirefonds]) devem seguir os critérios estabelecidos por esses documentos para a adequada preservação e consideração do processo histórico. Assim, esses serão descritos e ilustrados neste documento sob o ponto de vista histórico-processual.

Sobre os bens móveis – neste caso, material rodante – segundo a Carta nº 067 de 2003 remetida pelo Escritório de Representação Administrativa de Belo Horizonte da Rede Ferroviária Federal (RFFSA-ERBEL) ao Escritório Técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de São João del-Rei (ETSJDR-IPHAN), as peças de material rodante destinadas à exposição permanente no interior da rotunda foram[9]:

A. Remanescentes da bitola de 762 mm da EFOM/RMV/VFCO/RFFSA SR-2 (i.e., remanescentes da malha à qual pertencia o imóvel):

- Carro administração A-6[10], fabricado nos Estados Unidos da América (EUA), em Willmington, DE, por Harlan & Hollingsworth & Co., c.1895.

- Vagão fechado VB-28, de fabricação nacional, possivelmente nas oficinas da própria estrada.

- Vagão gôndola PB-11, provável transferência da E. F. Leopoldina.

- Vagão gaiola KB-2, fabricado no Rio de Janeiro pela Companhia Trajano de Medeiros.

- Vagão gôndola drop-bottom MD-14, fabricado em Cruzeiro, SP, pela Fábrica Nacional de Vagões (FNV).

- Vagão fechado TD-3, fabricado em São Paulo pela Cobrasma S.A., único modelo construído diretamente para a malha em bitola de 762 mm a possuir truques do tipo Ride Control.

- Vagão gôndola MC-61, de fabricação nacional.

- Carro bagagem, correios e chefe do trem F-7, reconstruído em Lavras, nas oficinas da Estrada de Ferro Oeste de Minas, 1937.

- Locomotiva a vapor 22 [na verdade 19] (EFOM 22/RMV 19/VFCO 19/VFCO 22/RFFSA SR-2 22), fabricada nos Estados Unidos, Filadélfia, PA, por Burnham, Williams & Co., Baldwin Locomotive Works classe 8-18C 95[11], serial 32878, rodagem 4-4-0 (American Standard).[12]

- Locomotiva a vapor 37 (EFOM 39/EFOM 107/RMV 37/VFCO 37/RFFSA SR-2 37), fabricada, idem, por The Baldwin Locomotive Works, BLW classe 10-18D 9, out. 1911, serial 37082, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler).

- Locomotiva a vapor 38 (EFOM 40/EFOM 108/RMV 38/VFCO 38/RFFSA SR-2 38), fabricada idem, idem, BLW classe 10-18D 10, serial 37083, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler).

- Locomotiva a vapor 40 (EFOM 42/EFOM 112/RMV 40/VFCO 40/RFFSA SR-2 40), fabricada idem, idem, BLW classe 10-18D 12, serial 38010, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler).

- Locomotiva a vapor 43 (EFOM 45/EFOM 113/RMV 43/VFCO 43/RFFSA SR-2 43), fabricada idem, idem, BLW classe 10-18D 15, serial 38051, rodagem 4-6-0.

- Locomotiva a vapor 55, chamada pelos preservacionistas de “Frankenstein” por ser a fusão de três locomotivas: (EFOM 26/EFOM 205/RMV 55/VFCO 55), fabricada nos EUA em Filadélfia, PA, por Burnham, Williams & Co., Baldwin Locomotive Works classe 10-10/22E 4, set. 1892, serial 13831, rodagem 2-8-0, nome “Albadia”, mais (EFOM 34/EFOM 218/RMV 70), fabricada nos EUA em Filadélfia, PA, por Burnham, Williams & Co., Baldwin Locomotive Works classe 10-12/24E 7, out. 1894, serial 14135, rodagem 2-8-0, nome “Marcos Castro”, mais (EFOM 13/EFOM 213/RMV 63/VFCO 63), fabricada nos EUA em Filadélfia, PA, por Burnham, Parry, Williams & Co., Baldwin Locomotive Works classe 10-20E 4, dez. 1889, serial 10497, rodagem 2-8-0, nome “Piumhy”. Final RFFSA SR-2 55, rodagem 2-8-0 (Consolidation).

- Locomotiva a vapor 62 (EFOM 30/EFOM 212/RMV 62), fabricada nos EUA, em Filadélfia, PA, por Burnham, Williams & Co., Baldwin Locomotive Works classe 10-10/22E 9, nov. 1893, serial 13831, rodagem 2-8-0 (Consolidation), nome “Afonso Penna”.

- Locomotiva a vapor 69 (EFOM 33/EFOM 217/RMV 69), fabricada idem, idem, Baldwin Locomotive Works classe 10-20E 10, serial 14134, rodagem 2-8-0 (Consolidation), nome “Doutor Castro”.

B. Remanescentes da bitola de 1.000 mm da EFOM/RVSM/RMV/VFCO/RFFSA SR-2 (i.e., remanescentes da mesma ferrovia a qual pertencia o imóvel, porém, da malha em bitola métrica):

- Carro fúnebre Z-10 (RMV) fabricação nacional, nas oficinas da RVSM em Cruzeiro/SP em 1925.

- Locomotiva elétrica dupla cabine de 3000 volts (RVPSC 2003/VFCO 918), fabricada na Inglaterra/Reino Unido, em Manchester, pela Metropolitan Vickers/Beyer, Peacock & Co., 1952, serial 775, rodagem bo-bo (B+B ou 0-4-4-0).

- Locomotiva a vapor 220 (EFOM 38/EFOM 119/RMV 220/VFCO 220), fabricada nos EUA em Filadélfia, PA, por The Baldwin Locomotive Works, BLW classe 10-24D 98, jul. 1912, serial 38015, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler). [exposta em corte longitudinal para efeito ilustrativo do funcionamento de uma locomotiva a vapor].

- Locomotiva a vapor 239 (EFOM 134, RMV 239/VFCO 239), fabricada idem, idem, BLW classe 10-26D 343, nov. 1920, serial 54061[13], rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler).

- Locomotiva a vapor 307 (RVSM 266, RMV 307), fabricada na Alemanha, em Berlim, por Berliner Maschinenbau-Actien-Gesellschaft vormals L. Schwartzkopff, serial 8797, rodagem 4-6-2 (Pacific). [Cedida pela RFFSA à ABPF, desde 1980]

C. Remanescente da bitola de 1.000 mm da EFCB/RFFSA SR-2 (i.e., remanescente da malha da EFCB anexada à antiga VFCO para formar a nova malha estendida da SR-2):

- Carro administração O-104, provável fabricação nas oficinas da E. F. Central do Brasil.

Da abertura da rotunda como módulo do museu (1984) até o imbróglio da extinção da Rede Ferroviária Federal S.A., as únicas alterações entre os bens em exposição na rotunda foram a retirada da locomotiva a vapor 22, em 1992, e instalação da locomotiva a vapor 68 em seu lugar, e a retirada da locomotiva a vapor 68 para voltar à ativa, em 1998, situação em que permanece.

Atualmente, a rotunda foi desmobilizada como módulo do museu e parte dos bens em seu interior sofre dilapidação pela operação carente de critérios de valor histórico-museológico da empresa Ferrovia Centro-Atlântica/Valor Logística Integrada. Outros bens foram removidos para exposição na gare da estação (carro administração A-6; gaiola KB-2 e vagão fechado de madeira VB-28) e uso nos trens da Via Permanente, caso da gôndola de borda baixa PB-11.

Outrossim, decorrente de ação do Ministério Público Federal em conjunto com o IPHAN, três itens que, até 2011, encontravam-se em processo de sucateamento no pátio leste, foram reformados e alojados em baias disponibilizadas pelas remoções acima referidas: gôndola de madeira MC-85; gaiola KC-7 (pintada equivocadamente como KA-7) e vagão fechado de aço TD-15.

O carro restaurante G-1 – inventado para as gravações da novela “Sinhá Moça”, da Rede Globo de Televisão – que era alojado na estação, encontra-se no interior da rotunda, juntamente com dois carros de primeira classe que deveriam ser parte dos carros operacionais da “maria fumaça” dos fins de semana: um falso B-13, com assentos em falta, e o B-3 – este sem um dos truques, apoiado sobre macacos.

A locomotiva elétrica dupla cabine, de 3000 volts, continua ocupando a linha principal da rotunda, no setor leste. Originalmente ocupava a primeira baia à direita, portanto a baia 12 de 22, de acordo com nossa planta baixa (cf. item 10: Documentação Fotográfica), contando que a baia 1 é a primeira na porção oeste, à direita do portão principal (de acordo com o visitante no interior da rotunda), e a contagem segue no sentido horário.

Assim, está claro que todos os itens para exposição permanente na rotunda são de material rodante. O PRESERVE-MT teve como critério separar cinco locomotivas mais uma série de carros de primeira classe, segunda classe e mistos para a operação dos trens chamados de “turístico-culturais” dos fins de semana e feriados e, do restante encontrado no complexo ferroviário, foram colocadas na rotunda oito locomotivas sobreviventes (22, 37, 38, 40, 43, 55, 62 e 69), mais um item de cada categoria de material rodante sobrevivente e possível, da bitola de 762 mm (carros e vagões A-6, F-7, KB-2, MC-61, MD-14, PB-11, TD-3, VB-28). Dessa maneira, percebe-se que faltou separar outros itens raros e/ou representativos nos espaços das exposições formados não apenas pela rotunda (módulo 2), mas, também, pelo módulo 1, onde se encontram a locomotiva a vapor 1 e o carro A-3 (que representa um tipo semelhante, porém mais moderno, ao utilizado no trem inaugural de agosto de 1881).

Figura 6. Fotografia de fábrica da locomotiva a vapor 37 que se encontra na rotunda, cuja matrícula na Estrada de Ferro Oeste de Minas era 39. The Baldwin Locomotive WorksBLW classe 10-18D 9, out. 1911, serial 37082, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler). 1911. Fonte: RAILROAD MUSEUM OF PENNSYLVANIA. Library and Archives. Disponível em: <https://rrmuseumpa.andornot.com/permalink/archives13211>. Acessado em: 12/12/2011.

Considerando todos os itens presentes no interior do complexo ferroviário em outros locais, percebe-se uma carência de pesquisa adequada, especializada, e, consequentemente, de curadoria para que o museu atenda, de fato, as necessidades para representar a história da[s] ferrovia[s] a que pertenceram. Agravante para este cenário foi o modo como se deu a privatização/concessão para o serviço ferroviário nacional referente às ferrovias da Rede ferroviária Federal S.A., foco nos sítios e bens já classificados como históricos e/ou como patrimônio histórico e os espaços já classificados como museus, centros de cultura e/ou sítios arqueológicos.

A administração da Ferrovia Centro-Atlântica/Valor Logística Integrada não apenas é inadequada para administração museológica, histórica e arqueológica do sítio Complexo Ferroviário de São João del-Rei e todos os seus espaços e atividades. Após os pouco mais de 20 (vinte) anos de sua injustificável ocupação desse espaço e suas atividades, é público e notório o prejuízo para o espaço enquanto sítio histórico-arqueológico, com um nível de privatização danoso e inconsequente. O espaço da rotunda reflete definitivamente, e categoricamente, o acima afirmado. Um módulo de museu em franca decadência e mal administrado, com graves reflexos de incompetência e ingerência sobre o conceito e o sentido museológico do qual a rotunda parece ser apenas – para usar termo clichê – a ponta de um iceberg. Um museu sem acessibilidade adequada e constante – conforme o programado pelo PRESERVE e praticado pela RFFSA – e em nítido desmanche de suas funções como espaço cultural.

Além dos itens da bitola de 762 mm, há, no interior da rotunda como itens de exposição, seis veículos de bitola métrica, portanto, que não se encaixam no contexto da malha em bitola de 762 mm. Das quatro locomotivas em bitola métrica, três são de tração a vapor e uma é de tração elétrica. Duas das locomotivas a vapor são originárias da Estrada de Ferro Oeste de Minas (220 e 239 – respectivamente, originalmente EFOM 38 e EFOM 134); a terceira é originária da Rede de Viação Sul-Mineira (307 – originalmente R[V]SM 266). A locomotiva elétrica (918) foi adquirida pela Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (originalmente RVPSC 2003). Incorporada à frota da VFCO, esse modelo é idêntico ao lote encomendado pela Rede Mineira de Viação em 1952 – último ano antes do acordo de rescisão do contrato de arrendamento entre União e estado de Minas Gerais. Tal aquisição fez parte dos planos de expansão da eletrificação da malha de bitola métrica da EFOM, com rede de 3.000 volts, sob contrato com a Metropolitan Vickers em parceria com a Beyer, Peacock & Co. Dos carros de bitola métrica, um era destinado aos serviços funerários (Z-10) da RVSM/RMV e outro era de administração/inspeção da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), para rodar na chamada “linha do centro”, entre Conselheiro Lafaiete e Monte Azul. Todos esses foram transferidos para São João del-Rei sob dois princípios: evitar o sucateamento/demolição dos exemplares e somar à ideia de tornar o museu ferroviário de São João del-Rei como “Centro de Preservação da Memória Ferroviária de Minas Gerais”. A locomotiva 307 é cedida pela União à Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) desde 1980.

Em relação a esses bens, devido à bitola das ferrovias das quais são provenientes, nenhum pôde ser removido do perímetro da rotunda, já que a parte com quatro trilhos no exterior da edificação não ultrapassa alguns metros.

O destaque na coleção encontrada na rotunda – e restante do complexo – é o número de locomotivas provenientes da fábrica de Filadélfia, denominada como Baldwin Locomotive Works, fundada por Mathias W. Baldwin em 1831, que, durante mais de um século, foi administrada pelas várias companhias derivadas da oficina de Baldwin, sendo a primeira companhia registrada a Baldwin, Vail & Hufty, em 1839.

A coleção encontrada na rotunda conta parte dessa história, já que os itens vão da locomotiva a vapor 55, que carrega parte da locomotiva 63, de 1889, até a locomotiva a vapor 239, da bitola de 1.000 mm, de 1920 e que carrega a placa da locomotiva 245 (cf. nota de rodapé 13).

Há exemplares BLW de Burnham, Parry, Williams & Co., Burnham, Williams & Co. e The Baldwin Locomotive Works. Devido à sobrevivência de tantas locomotivas desse período – lembrando que a locomotiva a vapor 1, que é a peça principal da exposição permanente do módulo 1 (antigo armazém da estação), foi encomendada em 1879 e entregue em 1880 –, há o mito de que o complexo ferroviário de São João del-Rei encerraria em seu interior a maior coleção de remanescentes Baldwin Locomotive Works em um mesmo sítio no mundo. Independentemente de verificação factual para confirmar ou refutar tal mito, esta coleção é importante sob qualquer ponto de vista.

1º nº OM

2º nº OM

RMV

Ano-mês

Classe

Serial

Rod.

Observações

Bitola de 762mm

1

1

1

1880-abr

8-14 C 15

5055

4-4-0

"São João del Rey" - Módulo 1 SJdR

16

216

66

1889-dez

10-20 E 7

10505

2-8-0

"Inhaúma" - Antônio Carlos, MG

26

205

55

1892-set

10-10/22 E 4

12934

2-8-0

VC "Albadia" - cilindros e rodas - Rotunda

29

208

58

1893-nov

10-10/22 E 7

13829

2-8-0

VC "Paraopeba" - carpintaria

31

212

62

1893-nov

10-10/22 E 9

13831

2-8-0

VC "Afonso Penna" - Rotunda

32

210

60

1893-nov

10-10/22 E 10

13832

2-8-0

VC "Randolpho Paiva" - Estação SJdR

33

217

69

1894-out

10-20 E 10

14134

2-8-0

"Doutor Castro" - Rotunda

22

19

19

1908-jul

8-18 C 95

32878

4-4-0

Atual 22 - Estação de São João del-Rei

39

107

37

1911-out

10-18 D 9

37082

4-6-0

Rotunda

40

108

38

1911-out

10-18 D 10

37083

4-6-0

Rotunda

42

110

40

1912-jul

10-18 D 12

38010

4-6-0

Rotunda

43

111

41

1912-jul

10-18 D 13

38011

4-6-0

Operacional em São João del-Rei

44

112

42

1912-jul

10-18 D 14

38050

4-6-0

Operacional em São João del-Rei

45

113

43

1912-jul

10-18 D 15

38051

4-6-0

Rotunda

46

20

20

1912-jul

8-18 C 100

38007

4-4-0

Belo Horizonte

47

21

21

1912-jul

8-18 C 101

38008

4-4-0

Estação de São João del-Rei

48

22

22

1912-jul

8-18 C 102

38009

4-4-0

Atual 19 - Curitiba

56

221

68

1919-set

10-20 E 21

52256

2-8-0

Operacional em São João del-Rei

Bitola de 1.000mm

4

157

1894-set

8-18 C 77

14098

4-4-0

"Maria Castro" - Varginha, MG

19

100

205

1910-jan

10-24 D 64

34216

4-6-0

ABPF Campinas, SP

20

101

206

1910-jan

10-24 D 65

34217

4-6-0

Conservatória, RJ

28

109

210

1911-jan

10-24 D 75

35818

4-6-0

ABPF Campinas, SP

31

112

213

1911-set

10-24 D 88

36978

4-6-0

Três Corações, MG

33

114

215

1912-abr

10-24 D 93

37710

4-6-0

ABPF Campinas, SP

38

119

220

1912-jul

10-24 D 98

38015

4-6-0

Rotunda de São João del-Rei

46

127

232

1920-abr

10-24 D 129

53159

4-6-0

ABPF SC

51

423

1919-set

10-24 E 200

52419

2-8-0

Cristina, MG

80

315

1912-jun

10-24 1/4 D 6

37829

4-6-2

Ribeirão Vermelho, MG

90

325

1919-set

10-24 1/4 D 20

52411

4-6-2

Bom Despacho, MG

107

520

1912-ago

12-28 1/4 E 9

38162

2-8-2

Cruzeiro, SP

128

233

1920-nov

10-26 D 337

54055

4-6-0

Lavras, MG

130

235

1920-nov

10-26 D 339

54057

4-6-0

ABPF SC

131

236

1920-nov

10-26 D 340

54058

4-6-0

ABPF Campinas (Jaguariúna), SP

134

239

1920-nov

10-26 D 343

54061

4-6-0

Rotunda de São João del-Rei

164

332

1925-dez

12-26 1/4 D 23

58852

4-6-2

ABPF Sul de Minas

170

338

1925-dez

12 3 22 1/4 D 2

58884

4-6-2

ABPF Campinas

Quadro 1 – Locomotivas originárias da EFOM ainda existentes. Fonte: NEOM-ABPF. Locomotivas da Estrada de Ferro Oeste de Minas (1879-1938). Disponível em: <https://bit.ly/3Vmyuhg>. Acessado em: 11/10/2022.

Obs.: “VC”: Vauclain Compound; “‘Maria Castro’”: nome de batismo do veículo; “Cruzeiro, SP”: local em que o veículo se encontra atualmente.

Além de serem, hoje, itens de apreciação da tecnologia a vapor, típica da segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX, portanto do auge de sua utilização, a permanência operacional desses bens ilustra a ausência de investimentos modernizantes na malha a que pertenciam, especialmente a partir da institucionalização da Rede Mineira de Viação pelo estado de Minas Gerais com o arrendamento da federal Estrada de Ferro Oeste de Minas e sua integração com a já arrendada Estradas de Ferro Federais Brasileiras Rede Sul Mineira (RSM), desde 1921 Rede de Viação Sul-Mineira (RVSM), e Estrada de Ferro Paracatu (esta uma concessão estadual mineira encampada pelo estado). O funcionamento da malha da chamada “bitolinha” com 100% de tração a vapor, com o remanescente da frota original da EFOM e uso dos engates pino-e-manilha ainda em 1980 reflete a precariedade enfrentada desde a década de 1930 e os planos de erradicação adiados até o limite do governo Figueiredo e a execução dos planos de extinção de ramais considerados antieconômicos pela ditadura civil-militar iniciada em 1964.

Proteger, com inventário ou tombamento, o sítio e seus bens traz a responsabilidade de conhecer o que o sítio é em essência e institucionalidade e a procedência e valor dos bens que ele guarda. Vale para a rotunda, especificamente, e para o sítio, como conjunto, perceber que são espaços que guardam valores não apenas para a comunidade local e nacional, mas, também, para uma perspectiva global de avanço das ferrovias desde o século XIX. A rotunda, além de seus valores como arquitetura vernacular e industrial, é espaço de proteção e divulgação de bens procedentes da indústria brasileira, das próprias ferrovias como fábricas de seus próprios materiais rodantes, da indústria internacional, como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Bélgica e outros. O complexo ferroviário em que esta edificação se insere, ainda traz exemplares de outros tantos países que forneceram bens de capital ao mercado brasileiro desde o século XIX. Portanto, o espaço reflete a globalidade da expansão ferroviária e as relações internacionais tecidas pelo estado brasileiro e pelas companhias/concessionárias de estradas de ferro.

Beatriz Mugayar Kühl, autora das principais publicações sobre a arquitetura do ferro e a arquitetura ferroviária no Brasil, enfatiza os fundamentos e preocupações da disciplina arqueologia industrial, inserida no campo do patrimônio industrial. Nas palavras da autora:

O que nos preocupa aqui é permitir uma faceta específica da questão, também essencial, mas que tem sido frequentemente negligenciada: a discussão dos preceitos teóricos que deveriam reger as intervenções práticas em edifícios vinculados ao processo de industrialização – a saber, a metodologia e princípios teóricos da restauração de bens culturais aplicados para bens arquitetônicos industriais – para que, de fato, possam ser transmitidos da melhor maneira possível para o futuro.[14]

O inventário possui papel fundamental no processo de especialização e cuidado com todos os tipos de bens materiais de valor cultural, que encerram em si valores intangíveis e bens intangíveis, como os ofícios da operação ferroviária hoje em desuso como a caldeiraria, a mecânica de locomotivas a vapor, a condução específica desse tipo de veículo, a função do foguista e outras funções manuais típicas de um período anterior. A arquitetura possui, hoje, um escopo teórico e de registro suficiente em vocabulário específico. Porém, a especialidade e especificidades da disciplina referente aos bens industriais e ferroviários percebem-se insuficientes e, de certa forma, até mesmo desleixados no caso do sítio arqueológico deste inventário, em que, ao contrário da prerrogativa de sua conversão em museu pelo PRESERVE-MT e seu tombamento federal de 1989, teve suas funções público-culturais suprimidas e, até certo ponto, destruídas a partir da ocupação, inicialmente irregular e hoje ilegal, realizada pela FCA S.A/VLI.

Um dos reflexos dessa condição é a própria situação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde que foi promulgada a lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007 que, em seu art. 9º, diz “Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e manutenção” [grifos meus].

A permanência da Ferrovia Centro Atlântica S.A./Valor Logística Integrada como operadora/administradora/ocupante de um sítio arqueológico, patrimônio da União, de forma inicialmente irregular e, atualmente, ilegal – inclusive, se considerarmos os textos da Carta de Veneza e da Carta de Nizhny Tagil e seu peso como lei internacional –, reflete definitivamente o atraso e a irresponsabilidade dos tutores. Tal condição indicaria a nulidade do próprio tombamento federal do complexo ferroviário de São João del-Rei, com sua inscrição no Livro do Tombo Histórico, Volume II, sob o nº 528, às fls. 10/11 e no Livro do Tombo das Belas Artes, Volume II, sob o nº 596, à fl. 18. As alterações, os desvios de bens, a destruição de itens da reserva técnica, as descaracterizações de material rodante e edificações, o abandono do espaço como museu, entre outras agressões ao sítio e seus bens são públicos e notórios e, até mesmo, o ato permissivo de erguer um novo edifício no interior do sítio por um ocupante ilegal.

Este inventário possui, entre várias razões, o objetivo de reforçar, reafirmar e atualizar os princípios do tombamento votado há trinta e três anos.

Histórico

De 1881 a 1887, o único trecho de ferrovia operado pela “Oeste” consistia dos 100 km entre Sítio (Antônio Carlos) e São João del-Rei. Em 1881, o material rodante da EFOM constava de apenas quatro locomotivas e trinta e nove itens de outras categorias (quadro 2). Com a expansão da linha tronco em direção ao oeste de Minas, propriamente dito, devido à encampação pela Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas da concessão denominada “Estrada de Ferro Pitangui”, houve um incremento na frota e consequente aumento do tráfego. Essa expansão gerou a necessidade de ampliar setores das oficinas, o que trouxe a ideia de edificar uma rotunda, como item fundamental do depósito[15] e espaço para reparos leves e médios.

Veículos

Peso locomotivas/Tara rebocados

Capacidade

4 locomotivas tipo 4-4-0 American Std.

14 a 15 toneladas

ND

4 carros de passageiros 1ª classe

ND

16 passageiros

4 carros de passageiros 2ª classe

ND

24 a 30 passageiros

2 carros bagagem, correio e guardas

ND

ND

15 wagons fechados de cargas

3,5 toneladas

10 toneladas

10 wagons abertos

3 toneladas

10 toneladas

2 wagons para transporte de animais

ND

ND

1 guindaste de 8 rodas

ND

ND

1 carro de luxo, dito “imperial”

ND

ND

Quadro 2. Material rodante da Estrada de Ferro Oeste de Minas em 1881. Fonte: BN-SOR: LISBOA, Joaquim M. R. Apontamentos sobre a Estrada de Ferro d’Oeste de Minas, Agosto de 1881. Rio de Janeiro: Typ. Soares & Niemeyer, 1881, pp. 11-2.

Uma das vantagens da opção pela oficina radial é o espaço requerido em relação às outras alternativas, como a oficina longitudinal e a transversal[16]. Àquela altura, as rotundas já se encontravam como elemento comum nos principais depósitos da Estrada de Ferro D. Pedro II – Central do Brasil desde 1889 – como São Diogo, Barra do Piraí e Porto Novo do Cunha (atual Além Paraíba), ferrovia da qual a Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) era tributária. Portanto, a rotunda de São João del-Rei foi construída no âmbito da Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas (CEFOM) para a operação da malha primordial da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM)[17] no intuito de ampliar depósito e oficinas no complexo ferroviário desta cidade.

As fontes disponíveis com informações precisas são raras e de difícil acessibilidade, mas é possível rastrear em alguns documentos periódicos disponibilizados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e bibliografia específica.

Segundo o Órgão Oficial dos Poderes do Estado (de Minas Gerais), em junho de 1892 o prédio ainda não estava pronto. O atraso na entrega do imóvel aos serviços daquele complexo se devia a conflitos entre a companhia de capital privado, sob fiscalização do estado de Minas Gerais, e a Estrada de Ferro Central do Brasil, ferrovia administrada pelo Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas e que ostentava o caráter de ferrovia nacional.

“A Oeste tem, há mais de um ano, cerca de três mil toneladas de materiais a serem despachados, tendo até no princípio pago a saveiros que se achavam atracados à ponte da Gamboa, e durante um mês, 400$000 [quatrocentos mil réis] por dia, esperando que fossem descarregados. [...] Finalmente, e o que é mais grave, a Oeste talvez tenha de interromper o seu tráfego por falta de combustível, e isto porque a Central não transporta. Ainda ontem, o trem noturno, que está em correspondência com o trem da Central, não se pôde fazer, por falta de combustível. [...] Devido ainda à Central, a rotunda, que há muito devia estar pronta, está por terminar.” [grifo meu][18]

A paralização informada pelo engenheiro fiscal do estado de MG em relatório não era a primeira referente a este edifício. Se considerarmos a informação do periódico O Pharol, replicado do são-joanense Pátria Mineira, publicada a 10 de janeiro de 1891, a primeira suspensão dos trabalhos se dera ainda no início da construção, supostamente aberta em finais de 1890.[19]

Morais, graças ao acesso aos relatórios da companhia encontrados no Museu do Trem, no Rio de Janeiro – inacessíveis ao autor do presente texto –, informa que há uma referência a valores em documento de 1896, com balanço de 1895. Tal fonte informaria um custo global de 121:547$520 (cento e vinte e um contos, quinhentos e quarenta e sete mil, quinhentos e vinte réis) para as obras da rotunda.[20] No entanto, sabendo que entre 1892 e 1893 a unidade de São João del-Rei já se encontrava entregue à operação, e que os documentos se referem, geralmente, à de Ribeirão Vermelho[21], esse custo teria como objeto a rotunda construída naquele povoado no município de Lavras.

A unidade de São João possui dimensões mais modestas em relação à sua congênere de Ribeirão Vermelho, fato devido à fundamental diferença: enquanto a rotunda às margens do Rio Grande atendia à linha tronco em bitola de 1.000 mm e ao ramal de Lavras da bitola de 762 mm, a de São João del-Rei atendia exclusivamente ao tronco em bitola de 762 mm e seu material rodante liliputiano.

Não encontramos, ainda, documento que informe datas exatas sobre início e fim da construção desta edificação. No entanto, o texto do jornal O Pharol nos permitiu compreender que o início da obra se dera em algum momento do segundo semestre de 1890. O parecer do engenheiro fiscal encontrado no periódico oficial do estado de Minas permite-nos deduzir que o edifício pode ter sido entregue aos serviços da estrada em algum momento do segundo semestre de 1892, entre junho e setembro – data em que ele informa que um trem proveniente “do Sítio” (Antônio Carlos) carregado com “15.900 bruacas de sal” depositou essa mercadoria na rotunda para liberar o vagão de gado em que foram transportadas.[22] Esta rotunda surge referida novamente no mesmo Órgão Oficial dos Poderes do Estado de MG, datado de 26 de julho de 1893. Desta vez, a informação principal é referente a um rumor a respeito da transferência das oficinas de São João del-Rei para Lavras (atual Ribeirão Vermelho):

Corre por aqui, não sabemos com que fundamento, que as oficinas da Oeste vão ser transferidas para a cidade de Lavras.

É verdade que, em certo ponto, a medida justifica-se, porquanto Lavras fica em posição central. Bifurcando-se ali as linhas do Sitio, Alto S. Francisco e de Barra Mansa ao Catalão, podendo melhor as oficinas atender às diversas necessidades do serviço. Por outro lado, porém, é preciso levar em conta o dispêndio que acarretará tal transferência abandonando-se em S. João del-Rei não só o sólido e espaçoso edifício, onde já estão assentadas as máquinas e onde as oficinas funcionam perfeitamente, como a rotunda, há pouco concluída, contando enorme soma.

Enfim, a diretoria da estrada, no próprio interesse, pesará bem os prós e os contras, resolvendo o que for mais conveniente e de harmonia com grandes interesses a zelar. [grifo meu][23]

Fica evidente, pela informação de setembro de 1892, que a carga mais valiosa a chegar em São João del-Rei ainda era o sal, componente indispensável à dieta bovina, típica de uma região conhecida pela produção de queijo e por ser área de invernada para o gado remetido à Corte do Rio de Janeiro/Município Neutro, àquela altura já convertida em Capital da República/Distrito Federal. A expansão para o oeste, sentido Rio São Francisco, pela linha em bitola de 762 mm – à qual pertencia São João del-Rei –, e sentido Goiás – termo da concessão da linha entre Barra Mansa e Catalão, em bitola de 1.000 mm (ou métrica) são o contexto em que as ampliações de módulos operacionais da EFOM se inserem.

No período em que foi edificado esse módulo (1890-1892/3), a estrada já possuía um parque de tração com trinta e duas locomotivas, inclusas as encomendadas, com destaque às apropriadas para o transporte de mercadorias nos trechos de rampas mais acentuadas, como a chamada “Serra do Cascabulho”, na região de Oliveira, denominadas como do tipo consolidation, de rodagem 2-8-0, adquiridas entre 1889 e 1894 (fig. 7).[24]

Figura 7Fotografia da locomotiva a vapor 65, cuja matrícula na Estrada de Ferro Oeste de Minas era 15 em artigo de revista estrangeira de 1899. Burnham, Parry, Williams & Co.BLW classe 10-20E 6, dez. 1889, serial 10500, rodagem 2-8-0 (Consolidation), “Campo Bello”. Fonte: HILL, John A.; SINCLAIR, Angus. “On a Brazilian railroad”. Locomotive Engineering: A Practical Journal of Railway Motive Power and Rolling Stock, abr. 1899, vol. XII, p. 156.

Por décadas – em torno de oitenta anos –, a rotunda manteve-se em funcionamento para o objetivo original. Sobreviveu a várias mudanças administrativas e operacionais, até que, em algum momento após 1970, foi alvo de demolição.

Há indícios em uma publicação local, o jornal Ponte da Cadeia, de que, a partir de 1970, era cogitada a transferência do complexo ferroviário de São João del-Rei para outro local para que o original cedesse espaço a loteamento e conversão da estação e outros módulos para outras funcionalidades. Portanto, a remoção da ferrovia do centro da cidade de São João del-Rei e urbanização do espaço por ela deixado. Nas palavras do editor Adenor Simões Coelho Filho, na edição de dezembro de 1970, em coluna de título “Estação vai ser vendida”,

Há indícios de que a estação de passageiros da Viação Férrea Centro Oeste já foi avaliada por peritos e será oportunamente vendida, passando as instalações da estrada de ferro para outro local.

Nesse caso a área ocupada atualmente cederia o espaço para loteamentos, urbanização, serviços públicos e outras finalidades.

É um terreno que tem cerca de um quilômetro de comprimento, entre a rua Antônio Rocha e a rua Quintino Bocaiuva, com diversos edifícios, galpões, instalações, onde funcionam os escritórios e oficinas da antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas, atualmente a VFCO [Viação Férrea Centro-Oeste].

Ninguém se preocupará com a entrega da maior parte dos terrenos a compradores que pretendam construir residências ou instalar indústrias ou lojas. Mas há um elemento das instalações da VFCO que exige atenção das autoridades e do povo, por se tratar de um edifício característico da cidade e testemunho de uma época das mais significativas para a história de Minas Gerais e da cidade.

É a estação da estrada de Ferro, não só de alvenaria, mas também e principalmente a estrutura metálica da estação, um dos maiores do estado e um dos mais notáveis como construção típica, cujo valor deve ser considerado antes de qualquer operação.[25]

A preocupação com a estação e sua concepção, seu valor histórico, é evidente; no entanto, a visão sobre esse tema não é direcionada aos outros módulos do complexo, como a própria rotunda e sua planta de desenho único não apenas no complexo, como no município todo. Tal perspectiva combina com o caso da demolição parcial sofrida por esta edificação nos anos seguintes, provavelmente 1973, se considerarmos corretas as datações das fotografias.

As colunas originais, se dermos crédito aos relatos dos ferroviários Benito Mussolini Grassi de Lelis e Sebastião Florêncio dos Santos, foram removidas por ordem de engenheiro da RFFSA. Essas colunas, de provável origem escocesa ou alemã, em ferro fundido, eram de constituição simples e de silhueta de forma orgânica, conforme raras imagens mostram (fig. 8). Segundo relatos de ferroviários, encontram-se no sítio de um antigo engenheiro da RFFSA em Monte Sião, MG.

Figura 8. Aspecto interno da rotunda anteriormente à demolição da cobertura e remoção do restante das esquadrias, que já faltavam na maior parte das janelas. Destaque para as colunas originais, de linhas mais simples e silhueta mais curvilínea. c.1972. Foto de Guido Motta

Por pouco mais de uma década, a rotunda traduzia – por sua feição de edificação parcialmente demolida na paisagem da cidade – a desolação da iminente erradicação do trecho, fruto da política iniciada em 1964 sobre troncos e ramais ferroviários considerados deficitários e/ou antieconômicos. Erradicação adiada pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, obra que trouxe uma sobrevida à, agora, pequena ferrovia que atendia a uma das fábricas de cimento Portland a fornecer o produto para a estrutura da usina.

Entre 1975 e 1982, o tráfego da antiga “bitolinha” ganhou grande fôlego nos dois sentidos operacionais, para atender o fornecimento de calcário para a fábrica e o transporte do cimento para baldeação na estação de Aureliano Mourão, município de Bom Sucesso, MG, de onde seguia pela malha de bitola métrica da mesma VFCO[26] até a estação de Sapucaí, de onde era transferido para a linha da FEPASA (um ramal da antiga Companhia Mogiana de Estrada Ferro – fig. 9) em direção ao estado de São Paulo, de onde rumava ao sul do Paraná.

Figura 9. Mapa da RFFSA SR-2. Notar, em vermelho, o percurso do cimento para Itaipu através da VFCO/SR-2, entre Barroso e Sapucaí, passando por Lavras e Três Corações. 1978. Fonte: RFFSA. Sistema Ferroviário do Brasil. Rio de Janeiro: RFFSA, 1978, p. XIV.

Terminada a obra da grande usina, em 1982, essa malha voltou a ser alvo de frente da política de erradicações. O período seguinte à paralização do tráfego trouxe grande preocupação da sociedade civil sobre a destinação do sítio, da via e dos bens móveis e imóveis legados das antigas Estrada de Ferro Oeste de Minas, Rede Mineira de Viação e Viação Férrea Centro Oeste[27].

Logo, em 1984, com a proposta e execução do plano de conversão do sítio em museu, deparava-se com um ambiente riquíssimo, de transformação rarefeita no período que foi de 1877 (incorporação da CEFOM) a 1982 (paralização do tráfego do trecho original). Assim, juntamente com as principais peças, que são as dezesseis locomotivas a vapor originárias da EFOM – fabricadas pela [The] Baldwin Locomotive Works entre 1880 e 1920 (do total de sessenta) –, uma série de outros veículos, máquinas de oficinas, de manutenção de linha e outros itens de manutenção e reposição da via e da administração, das estações, das oficinas, dos armazéns e da via, foram destinados a formar o rico acervo de todo o espaço do complexo ferroviário, dos quais a rotunda é apenas uma importante fração.

Entre outras publicações, a rotunda aparece como destaque na revista “Passado e Presente” (fig. 10), editada pela Superintendência de Patrimônio da Rede Ferroviária Federal S.A. do triênio setembro/outubro/novembro de 1987, momento importante de consolidação das políticas destinadas à valorização dos sítios e bens ferroviários como patrimônio histórico-cultural. Movimento iniciado pela ABPF na década de 1970 e abraçado pelo estado nacional entre a abertura democrática e a consolidação pela Constituição Federal de 1988.

Figura 10. Rotunda em destaque da publicação “Passado e Presente” da Superintendência de Patrimônio da Rede Ferroviária Federal S.A. 1987. Fonte: IPHAN. Processo de Tombamento 1.185-T-85, f. 209.

Entre 1984 e 1996, a RFFSA administrou e operou esse conjunto museológico, que inclui a chamada “maria fumaça de São João del-Rei e Tiradentes” conforme as ideias da ABPF e, posteriormente, os planos do PRESERVE-MT. Portanto, já instituído como bem de valor cultural, o sítio todo era administrado a partir dessa premissa e mostrou-se bem sucedido sob tal perspectiva. O que viria a impactar a constante do funcionamento como museu e sua substância como bem de valor histórico-cultural e arqueológico industrial foi a execução do Plano Nacional de Desestatização, do qual resultou a concessão do sistema ferroviário federal, dividido em sete malhas regionais.

Entre essas, a malha centro-leste que, no âmbito da RFFSA, representava as antigas superintendências regionais 2, 7 e 8 (SR-2, SR-7 e SR-8).

Malha regional

Data leilão

Concessionária

Início operação

Oeste

05/03/1996

Ferrovia Novoeste S.A.

01/07/1996

Centro-Leste

14/06/1996

Ferrovia Centro-Atlântica S.A.

01/09/1996

Sudeste

20/09/1996

MRS Logística S.A.

01/12/1996

Tereza Cristina

26/11/1996

Ferrovia Tereza Cristina S.A.

01/02/1997

Sul

13/12/1996

ALL-América Latina Logística do Brasil S.A

01/03/1997

Nordeste

18/07/1997

Companhia Ferroviária do Nordeste

01/01/1998

Paulista

10/11/1998

Ferrovias Bandeirantes S.A.

01/01/1999

Quadro 3. Concessões do sistema ferroviário nacional advindo da RFFSA e da FEPASA (rede estadual paulista federalizada para o leilão). N. do A.: onde se lê ALL, ler FSA – Ferrovia Sul-Atlântico S.A.

Fonte: BRASIL. “Concessões Ferroviárias”. Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. Disponível em: <https://antt-hml.antt.gov.br/concessoes-ferroviarias>. Acessado em: 02/11/2022.

O termo da concessão outorgada à Ferrovia Centro-Atlântica S.A. – FCA S.A. (atualmente de propriedade da empresa Valor Logística Integrada Multimodal S.A. - VLI), após o arremate em leilão no dia 14 de junho de 1996, ocorreu a partir do Decreto Nacional 4339, de 26 de agosto de 1996, em que se lê:

DECRETO DE 26 DE AGOSTO DE 1996.

Outorga concessão à empresa Ferrovia Centro-Atlântica S.A. para a exploração e desenvolvimento do serviço público de transporte ferroviário de carga na Malha Centro-Leste e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, combinado com o art. 175 da Constituição, e tendo em vista o disposto nas Leis n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e 9.074, de 7 de julho de 1995,

DECRETA:

Art. 1° Fica outorgada à empresa Ferrovia Centro-Atlântica S.A., com sede à Rua Sapucaí, 383, na cidade de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, a concessão da exploração e desenvolvimento do serviço público de transporte ferroviário de carga na Malha Centro-Leste, ferrovia localizada nos Estados de Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Sergipe e Distrito Federal, destacada do sistema ferroviário operado pela Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, nos termos do modelo de desestatização do serviço público de transporte ferroviário da RFFSA, aprovado pela Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização-PND e ratificado pelo Conselho Nacional de Desestatização-CND.

Art. 2° A concessão de que trata o artigo anterior efetivar-se-á mediante celebração de Contrato de Concessão, cuja minuta integra o Edital do BNDES n° PND/A-03/96/RFFSA, a ser firmado entre a União, por intermédio do Ministério dos Transportes, e a empresa Ferrovia Centro-Atlântica S.A. [grifos meus][28]

A concessão da FCA S.A./VLI, portanto, não engloba o sítio histórico-cultural e arqueológico industrial denominado Complexo Ferroviário de São João del-Rei ou “Centro de Preservação da Memória Ferroviária de Minas Gerais”, mais os 12 km de via férrea e estação de Tiradentes, o qual se encontra excluído do sistema ferroviário nacional para o transporte de carga desde a paralização do tráfego de 1982 seguida de “processo de desativação e erradicação de sua via férrea e dispersão e dilapidação de seu acervo”.

Devido ao início do processo de extinção da RFFSA, houve redução do quadro de funcionários para administrar o museu e operar as oficinas de São João del-Rei, juntamente a “acordo entre cavalheiros” realizado por RFFSA e FCA S.A. para o envio de equipagem para operar os trens ditos “turístico-culturais” entre sexta-feira e domingo, mais feriados nacionais a partir do escritório de Lavras da concessionária. Tal condição permaneceu até a assinatura de um “termo de uso a título precário” no ano de 2001, em que a RFFSA permitia a administração do sítio pela FCA S.A., então empresa do grupo Vale S.A., até o prazo de 6 (seis) meses, até que fosse aberto processo de licitação para administração do sítio e operação dos trens turístico-culturais de propriedade da União Federal.

Desde 2007, devido à extinção da Rede Ferroviária Federal S.A., a tutela do sítio e bens ferroviários aqui tratados é de responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, através da lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007, da qual trataremos ainda no item “09. Descrição”. Cabe salientar que a ocupação/administração do sítio pela FCA S.A/VLI no ano de 2022 é ilegal, fruto de prevaricação de IPHAN/DNIT/SPU e MPF (que, desde 2010, possui Procuradoria da República no município de São João del-Rei, MG).

Outros registros fotográficos selecionados

Figura 11. Vista da rotunda prejudicada pelas políticas internas da FCA S.A./VLI, responsáveis pela troca do antigo abastecimento de óleo BPF das locomotivas por um sistema inadequado à categoria de preservação de bem cultural. Reflexo, também, da ausência de profissional adequado para tratar dos termos da defesa do patrimônio industrial no interior do IPHAN, atual tutor da herança da RFFSA. 2022. Foto de Welber Santos.
Figura 12. Vista aérea do complexo ferroviário de São João del-Rei sentido oeste-leste, com destaque à rotunda. Notar o sistema subterrâneo de abastecimento de locomotivas, destruído pela FCA S.A/VLI com anuência do ETSJDR-IPHAN. Reflexo, vale repetir, da ausência de profissional adequado para tratar dos termos da defesa do patrimônio industrial no interior do IPHAN, atual tutor da herança da RFFSA. 2005. Fonte: Acervo Secretaria de Cultura e Turismo do Município de São João del-Rei.
Figura 13. Placa de inauguração do “Centro de Preservação da História Ferroviária de Minas Gerais”, trabalho creditado ao PRESERVE-MT e à RFFSA. 1984. Foto de Welber Santos.
Figura 14. Placa referente à pseudo-restauração realizada pela FCA S.A. em 2005, cujo texto ilustra o descompasso da empresa com o tema da preservação de bens culturais e a história do sítio arqueológico ferroviário/industrial o qual ocupa como fruto de prevaricação no interior da RFFSA desde 2001, continuada pelas direções do IPHAN desde 2007. 2022. Foto de Welber Santos.
Figura 15. Vista lateral do centro do girador. Notar o eixo de rotação da ponte, o perfil de aço que estrutura o mecanismo, os dormentes de madeira, os trilhos TR-25 e um dos tirantes de regulagem da estrutura, mais a a vegetação invasiva no piso de concreto e na estrutura de pedra. Os dormentes atuais não obedecem à necessidade de corte para se encaixarem no perfil de aço do girador, deixando-os em estado de suspensão, causando instabilidade para seu uso. 2022. Foto de Welber Santos.
Figura 16. Pedestal de concreto que sustenta uma das 22 colunas herdadas da antiga cobertura da estação de Belo Horizonte da EFCB, com a inscrição “Cia. Mech. e Import. de S. Paulo”. 2022. Foto de Welber Santos.
Figura 17. Base de uma das colunas replicadas pela Fundição de Ligas Ltda., de Divinópolis sob encomenda da RFFSA SR-2. 2022. Foto de Welber Santos.
Figura 18. Um dos fossos de observação inferior de locomotivas. Notar as escadas nas extremidades e a condição da chapa do cilindro esquerdo da locomotiva a vapor 62, evidente sinal da falta de manutenção do acervo da exposição permanente do museu. 2022. Foto de Welber Santos.
Figura 19. Baias 14, 15 e 16. Carro primeira classe B-3 (que faz parte da frota ativa para os trens entre São João del-Rei e Tiradentes), gôndola MC-85 (não listada entre os bens originalmente em amostra na rotunda) e carro restaurante G-1 (não listado entre os bens originalmente em amostra na rotunda). 2022. Foto de Welber Santos.
Figura 20. Baias 16, 17 e 18. Carro restaurante G-1, carro primeira classe B-14 (rematriculado irregularmente como B-13 pela FCA S.A/VLI) e carro fúnebre de bitola métrica Z-10. Ambos, G-1 e B-14/falso B-13 não são listados entre os bens originalmente em amostra na rotunda. O B-14/falso B-13 é parte da frota ativa nos trens entre São João del-Rei e Tiradentes. O carro B-14/falso B-13 sofreu uma “restauração” em 2004. Originalmente um veículo Harlan & Hollingsworth, hoje traz elementos de outros fabricantes como consequência de falta de critérios de restauração de bens industriais de valor cultural. 2022. Foto de Welber Santos.
Figura 21. Placa da empresa “Minas Móveis e Restauração” sob contrato com a FCA S.A. em 2004 no interior do carro de primeira classe B-14 rematriculado irregularmente como B-13. Cesare Brandi retornaria do túmulo com os critérios de “restauração” da “Minas Móveis e Restauração”. 2022. Foto de Welber Santos.
Figura 22. Carro de primeira classe B-14/falso B-13. Veículo descaracterizado em dita “restauração” pela empresa “Minas Móveis e Restauração” sob contrato com a FCA S.A. em 2004. Foto de Welber Santos.
Figura 23. Carro de primeira classe B-13 verdadeiro. Construído nas oficinas de Lavras da RMV. 1998. Foto de Hugo Azevedo Caramuru.
Figura 24. Sinais de canibalização de peças de material rodante da exposição permanente: desvio de compressor Westinghouse da locomotiva a vapor 40. 2022. Foto de Welber Santos.
Figura 25. Sinais de canibalização de peças de material rodante da exposição permanente: desvio de compressor Westinghouse da locomotiva a vapor 37. 2022. Foto de Welber Santos.

 



[1] Importante compreender que em 1888, data de inauguração da estação ferroviária de Ribeirão Vermelho, este povoado pertencia ao município de Lavras. Mais tarde, além do complexo ferroviário com oficinas no distrito Ribeirão Vermelho, um novo foi erguido na cidade de Lavras (distrito sede).

[2] CARRAZZONI, Maria Elisa. Programa de Preservação do Patrimônio Histórico do Ministério dos Transportes. Rio de Janeiro: PRESERVE-MT, 1989, contracapa.

[3] O PRESERVE-MT foi um programa do Ministério dos Transportes que contemplava todos os modais de transporte. O PRESERFE é um desdobramento do PERSERVE-MT no âmbito da Rede Ferroviária Federal com a função de atuar na preservação da história ferroviária e ainda existe no organograma do atual Ministério da Infraestrutura (2022); no entanto, sem atuação aparente.

[4] MORAIS, Sérgio Santos. Reconstrução da Rotunda de São João del Rei. Rio de Janeiro: PRESERVE, 1987, p. 1.

[5] FALCONER, Keith; JONES, Barrie. "Railway Engineering Works: the legacy" IN: BURMAN, Peter; STRATTON, Michael. Conserving The Railway Heritage. London: E&FN Spon, 1997, pp. 96-7.

[6] MORAIS, Sérgio Santos. Reconstrução da Rotunda de São João del Rei. Rio de Janeiro: PRESERVE, 1987, pp. 45. O arquiteto responsável pela reconstrução, Sérgio Santos Morais, erra ao informar que as réplicas foram fundidas nas oficinas de Divinópolis da RFFSA, já que o trabalho ficou a cargo da Fundição de Ligas Ltda. (Fulig).

[7] ALVES, Hermillo Cândido da Costa. “Novas Inaugurações na E. F. Oeste de Minas”. Revista de Estradas de Ferro, Rio de Janeiro, Ano V, n. 52, abr. 1889, p. 49.

[8] A Carta do Património Industrial deverá incluir as importantes Cartas anteriores, como a Carta de Veneza (1964) e a Carta de Burra (1980), assim como a Recomendação R(90) 20 do Conselho da Europa. Essas cartas pode ser encontradas através do IPHAN nos seguintes endereços: Carta de Veneza: <https://bit.ly/3f0xu1v>; Carta de Burra: <https://bit.ly/3MkXd19> e Recomendação do Conselho da Europa: <https://bit.ly/3xzlp9U>

[9] A Carta RFFSA/ERBEL 067 de 2003 traz apenas as informações básicas, por exemplo “Locomotiva a vapor 220” ou “carro administração A-6”. Os dados complementares são provenientes das seguintes fontes: DEGOLYER LIBRARY. Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works engine specifications, 1869-1938. Disponível em: <https://cutt.ly/1vwSiwD>. Acessado a partir de: 30/07/2013; DEGOLYER LIBRARY. Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 5000 to 9999, March 1880 to May 1889; Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 10000 to 14999, May 1889 to July 1896; Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 30000 to 34999, January 1907 to July 1910; Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 35000 to 39999, July 1910 to July 1913; Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 50000 to 54999, September 1918 to August 1921. Disponível em: <https://cutt.ly/LvwDiCk>. Acessado em: 10/05/2020; NEOM-ABPF. Locomotivas da Estrada de Ferro Oeste de Minas (1879-1938). Disponível em: <https://bit.ly/3Vmyuhg>. Acessado em: 11/10/2022; SOCIEDADE PARA PESQUISA E MEMÓRIA DO TREM. Inventário Geral de Locomotivas. Disponível em: <https://www.trem.org.br/igl/>. Acessado em: 11/10/2022.

[10] As denominações e classificações mantidas pela “bitolinha” são as mesmas encontradas no documento RMV - Instruções para o Serviço de Movimento, de 1939 (com grafia atualizada): § 1º - As locomotivas, automóveis e troles terão as suas próprias designações./§ 2º - Denominam-se carros os veículos destinados ao transporte de passageiros, condutores de trens, correio e bagagem e aos serviços da Administração, de socorro, alojamento do pessoal e restaurante. São classificados: Série A – Administração; Série B – 1ª classe para passageiros; Série C – 2ª classe para passageiros; Série D – Dormitório, Série E – Mixto (1ª e 2ª classes); Série F – Bagagem, correios e chefe do trem, correio e bagagem; Série G – Restaurante; Série H – Bagagem e animais; Série I – Salão; Série J – Transporte de cadáveres; Série R – Socorro e alojamento do pessoal./§ 3º - Denominam-se vagões os veículos fechados destinados ao transporte de mercadorias. São classificados: Série S – Frigoríficos (para leite etc.); Série T – Inflamáveis; Série U – Grãos (trigo etc.); Série V – Mercadorias em geral e de armazém; Série W – Automóveis etc; Série X – Coletores./ § 4º - Denominam-se gaiolas os veículos destinados ao transporte de animais. São classificados: Serie K – Bovinos; Série L – (com dois andares) Suínos./§ 5º - Denominam-se gôndolas os veículos abertos com bordas e destinados ao transporte de mercadorias de pátio, como areia, pedra, carvão, minério, tijolos etc. São classificados: Serie M – Com bordas altas; Série N – Metálicas, com bordas; Série O – Com grades altas nas cabeceiras; Série P – Com bordas baixas./§ 6º - Denominam-se pranchas os veículos abertos, contendo fueiros, destinados ao transporte de mercadorias de pátio, como lenha, madeira, trilhos etc. São classificados na série Q./§ 7º - Os vagões, gaiolas, gôndolas e pranchas além das letras indicativas das séries, têm, imediatamente juntas a estas, outras que indicam a lotação respectiva, a saber: A - 8.000 kg, B - 12.000, C - 18.000, D - 24.000 e E - 30.000 kg. Fonte: REDE MINEIRA DE VIAÇÃO. Instruções para o Serviço de Movimento (ISM). Belo Horizonte: Pap. e Typ. Brasil, 1939, pp. 9-10.

[11] “O código de classe Baldwin era um sistema de classificação iniciado em 1842 e usado até por volta de 1940. Por exemplo, a classe para uma locomotiva ten-wheeler da Nevada-California-Oregon Railway pode ser descrita da seguinte maneira: ‘10-24 D 35’ em que 35 - Indica a 35ª locomotiva da classe; D - 3 pares de rodas motrizes; 24 - Número representando o diâmetro do cilindro; 10 - Indica um total de 10 rodas. O número inicial é o número total de rodas de todos os tipos sob a locomotiva; O segundo número indica o diâmetro do cilindro em polegadas, sendo o diâmetro do cilindro obtido dividindo-se o número de classificação por 2 e somando-se 3 ao quociente. O 24 encontrado no código do exemplo indica um diâmetro de cilindro de (24 ÷ 2) + 3 = 15. Uma fração, 42/68, por exemplo, indica uma locomotiva de expansão compound [composta] com dois tamanhos de cilindros. A designação da letra indica o número de pares de rodas motrizes acopladas. “A” - classe especial de locomotiva de alta velocidade com um par de rodas motrizes. Também locomotivas de cremalheira. “B” - um par de rodas motrizes. “C” - dois pares de rodas motrizes acopladas. “D” - três pares de rodas motrizes acopladas. “E” - quatro pares de rodas motrizes acopladas. “F” - cinco pares de rodas motrizes acopladas. Letras duplas - locomotivas articuladas com mais de um conjunto de rodas motrizes acopladas. O(s) último(s) número(s) no código da classe identifica uma locomotiva específica dentro da classe, portanto, serial interno à classe” [tradução nossa]. DEGOLYER LIBRARY. Baldwin Locomotive Works: Search for Baldwin drawings. Disponível em: <https://guides.smu.edu/c.php?g=1029481&p=7460937>. Acessado em: 20/10/2022.

[12] A placa de fabricação atualmente encontrada nesta locomotiva é falsa e incoerente com o padrão de 1908. A original se apresentava em maior diâmetro e fazia referência à companhia que administrava a Baldwin Locomotive Works à época: Burnham, Williams & Co., Baldwin Locomotive Works 32878, jul., 1908. Antes de fundirem uma placa falsa (com o serial correto) baseada em uma de 1912, período em que a companhia a administrar a fábrica de Baldwin passou a ser denominada, simplesmente, The Baldwin Locomotive Works, a placa autêntica instalada nesta locomotiva (desde 1975) era a da locomotiva EFOM 48, EFOM 22, RMV 22, VFCO 22: 38009, jul., 1912. Tal confusão se deve à venda realizada pela RFFSA-VFCO de uma locomotiva e dois carros para o parque “Vasconcelândia”. A locomotiva escolhida seria a VFCO 19 (de 1908). Porém, os ferroviários trocaram matrícula e placa de fabricante entre esta e a VFCO 22 (de 1912), sob a justificativa de que a locomotiva de 1908 encontrava-se em melhor estado de conservação e utilidade operacional. Atualmente, este bem encontra-se inutilizado por serviço de caldeiraria mal contratado pela Valor Logística Integrada, empresa ocupante do complexo ferroviário de maneira irregular, indevida e inapropriada, tanto do ponto de vista legal quanto de compatibilidade com a categoria do sítio e seus bens de valores histórico e arqueológico.

[13] A placa foi trocada no depósito de Barra Mansa pela equivalente da R[V]SM 172, RMV 245/VFCO 245, fabricada por The Baldwin Locomotive Works, BLW classe 10-26D 359, nov. 1923, serial 57373, rodagem 4-6-0 (Ten-wheeler). Cf. DEGOLYER LIBRARY. Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 55000 to 59999, September 1921 to May 1927, p. 84. Disponível em: <https://cutt.ly/LvwDiCk>. Acessado em: 10/05/2020.

[14] KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: problemas teóricos de restauro. Cotia, SP: Ateliê Editorial; São Paulo: FAPESP, 2009, p. 23.

[15] Depósito, no jargão ferroviário, neste contexto, refere-se ao complexo que assume a função de ponto fundamental da operação, em que se encontra a estrutura necessária para depósito, manutenção, reparo e troca de locomotivas e equipagem, podendo ser estação de pernoite.

[16] MORAIS, Sérgio Santos. Reconstrução da Rotunda de São João del Rei. Rio de Janeiro: PRESERVE, 1987, p. 10.

[17] É importante compreender que a estrada de ferro é a instância operacional e a companhia de estrada de ferro a instância administrativa. No caso das ferrovias de administração pública, a instância administrativa pode ser uma secretaria/ministério de estado; um departamento específico ou uma autarquia. A Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas existiu entre 1877 e 1901, ano de sua liquidação, com processo iniciado em 1898. A partir de 1901, com a encampação pela União, foi criada uma autarquia que durou até 1931, ano em que a estrada foi arrendada pela União ao Estado de Minas Gerais, que criou a Rede Mineira de Viação como instância administrativa de ferrovias. A Estrada de Ferro Oeste de Minas existiu entre 1879 – início das obras – e 1938 – reestruturação da Rede Mineira de Viação, em que as suas duas ferrovias (Estrada de Ferro Oeste de Minas e Estrada de Ferro Sul de Minas) passaram a ser uma única instância operacional, passando a ser unicamente Rede Mineira de Viação (RMV) que, por sua vez, unificava administração e operação sob o mesmo nome. Cf. Decreto-Lei nº 132, de 23 de setembro de 1938: publicado neste blog, originalmente disponível em: <https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/texto/DEL/132/1938/>. Acesso em: 25/12/2022.

[18] MINAS GERAIS. “Secretaria de Obras Públicas: relatório”. Orgão Official dos Poderes do Estado, Ouro Preto, 11 de junho de 1892, Ano I, nº 49, pp. 301-2. Disponível em: <https://bit.ly/3UeDYtG>. Acesso em: 13/09/2022.

[19] O PHAROL, Juiz de Fora, 10 de janeiro de 1891, p. 1. Disponível em: <https://bit.ly/3eYBEXq>. Acesso em: 13/09/2022.

[20] MORAIS, Sérgio Santos. Reconstrução da Rotunda de São João del Rei. Rio de Janeiro: PRESERVE, 1987, pp. 7-9.

[21] Ribeirão Vermelho sofre grande impacto com a Estrada de Ferro Oeste de Minas, principalmente devido à escolha da companhia por fundar ali um complexo ferroviário, com depósito e oficinas. Um jovem povoado ainda em 1888 (ano da inauguração da estação), torna-se distrito de Lavras em 1901 e município em 1948.

[22] MINAS GERAIS. “Secretaria de Obras Públicas: relatório”. Orgão Official dos Poderes do Estado, Ouro Preto, 3 de setembro de 1892, Ano I, nº 131, p. 809. Disponível em: <https://bit.ly/3SbiGv6>. Acesso em: 13/09/2022.

[23] MINAS GERAIS. “Secretaria de Obras Públicas: relatório”. Orgão Official dos Poderes do Estado, Ouro Preto, 3 de setembro de 1893, Ano II, nº 200, p. 8. Disponível em: <https://bit.ly/3DEXjyp>. Acesso em: 21/09/2022.

[24] DEGOLYER LIBRARY. Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works engine specifications, 1869-1938. Disponível em: <https://cutt.ly/1vwSiwD>. Acessado a partir de: 30/07/2013; DEGOLYER LIBRARY. Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 10000 to 14999, May 1889 to July 1896. Disponível em: <https://cutt.ly/LvwDiCk>. Acessado em: 10/05/2020.

[25] PONTE DA CADEIA. Estação vai ser vendida. São João del-Rei, 6 de dezembro de 1970, n. 181, p. 1. Disponível em: <https://bit.ly/3CAGALL>. Visitado em: 05/10/2022.

[26] Na estação de Aureliano Mourão, ocorria a baldeação dos vagões da bitola de 762 mm para a de 1.000 mm. A partir desse ponto, o trem seguia pelo trecho do ramal Divinópolis-Lavras. Em Lavras, na estação de Engenheiro Bhering (antiga Prudente), seguia pelo ramal Lavras-Três Corações que, originalmente, foi construído no âmbito das antigas Rede Sul Mineira (federal – 1910-1921)/Rede de Viação Sul-Mineira (arrendada ao estado de Minas – 1921-1931), para, entre Três Corações e Sapucaí, seguir por trecho da antiga Estrada de Ferro Sapucaí, a qual entroncava com as ferrovias paulistas através da Companhia Mogiana. Fontes: RFFSA. Sistema Ferroviário do Brasil. Rio de Janeiro: RFFSA, 1978, p. XIV; ARQUIVO NACIONAL: BR RJANRIO QD.0.MAP.34 – Dossiê. Disponível em: <https://bit.ly/3SfJD0o>. Acessado em: 21/10/2022.

[27] É importante registrar o histórico das fases pelas quais a ferrovia passou entre 1877 e 1983, ano da erradicação do último trecho ativo da ferrovia original. A Estrada de Ferro Oeste de Minas existiu entre 1879 e 1938. Nesse ínterim, foi administrada pela Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas – uma companhia por ações – que existiu de 1877 a 1901; provisoriamente pelo Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas (1901-1903); pela autarquia federal Estrada de Ferro Oeste de Minas (1903-1931); Pela Rede Mineira de Viação, de 1931 a 1938, sob arrendamento ao governo do estado de Minas Gerais. Com a reestruturação da Rede Mineira de Viação, em 1938, as duas ferrovias em seu interior foram extintas – a outra era a Estrada de Ferro Sul de Minas (referente à antiga Rede [de Viação] Sul-Mineira) – e a instância operacional passou a corresponder à instância administrativa. A Rede Mineira de Viação, como arrendatária das acima referidas ferrovias da União, foi devolvida ao âmbito federal em acordo entre Juscelino Kubistchek, governador de Minas Gerais, e Getúlio Vargas, presidente da República, em 1953. Até 1957, a RMV, como o restante das ferrovias da União, era administrada pelo Ministério de Viação e Obras Públicas, sob o Departamento Nacional de Estradas de Ferro, quando foi criada a empresa estatal de economia mista denominada Rede Ferroviária Federal S.A., que detinha o objetivo de administrar, modernizar, integrar, unificar e ampliar as ferrovias da União. Sob radical mudança de objetivos, a partir de abril de 1964 – que não cabem neste relatório –, em 1965, a RMV, a Estrada de Ferro Goiás e a Estrada de Ferro Bahia a Minas sofreram uma fusão que gerou a unidade operacional Viação Férrea Centro-Oeste (VFCO). A VFCO, por sua vez, em 1976, juntamente com a malha mineira em bitola métrica da Estrada de Ferro Central do Brasil, passou a integrar toda a ferrovia em bitola métrica dirigida pela Superintendência Regional de Belo Horizonte, denominada Superintendência Regional 2 (SR-2) a partir de 1978. A RFFSA SR-2 existiu até o advento da [re]concessão das ferrovias da União a partir de 1996.

[28] BRASIL. Decreto 4339 de 26 de agosto de 1996. Disponível em: <https://bit.ly/3FEnJS2>. Acessado em: 02/11/2022.

6 comentários:

® θ и @ £ ð θ disse...

Prezado (a),
A valorização do patrimônio industrial e ferroviário brasileiro bem sendo discutida pelo TICCIH-Brasil desde 2004, quando se buscou desenvolver um trabalho de preservação, conservação e restauração deste patrimônio.
Particularmente, tenho desenvolvido, em paralelo ao grupo Projeto Memória Ferroviária, da Unesp, um conjunto de trabalhos que vieram reconhecer, em especial, as rotundas, como patrimônio cultural.
Pode-se aceder aos trabalhos mas página: https://www.researchgate.net/project/Roundhouse-Railway-Identification-and-Cataloging

Welber disse...

Sou associado ao TICCIH. Reconheço a importância da entidade por sua função acadêmica e teórica. No entanto, a defesa real do patrimônio ferroviário - especificamente - brasileiro parece não ser parte dos ofícios.
A presente publicação é uma versão reduzida do inventário que elaborei sobre a rotunda de São João del-Rei e tem como razão não apenas registrar seu histórico e valor como bem arqueológico-histórico industrial/ferroviário, mas defendê-lo, inclusive, de projetos destruidores no interior do próprio IPHAN, que, à despeito de ser o tutor dos sítios e bens, não conta em suas cadeiras com estudiosos do tema. E os estudiosos do tema, quase por via de regra, entendem pouco sobre operação ferroviária histórica, como tenho visto nos seminários, congressos, encontros e simpósios do TICCIH.

® θ и @ £ ð θ disse...

Um dos ofícios do TICCIH-Brasil, assim como do ICOMOS-Brasil, é buscar desenvolver documentos (ofícios) e representações que venham a corroborar a importância da preservação de exemplares do patrimônio industrial, dente eles, o ferroviário.
Acredito que, como parte de sua visão, em geral, os órgãos estatais e privados, não conhecem ou mesmo desconhecem as cartas patrimoniais, a produção científica e acadêmica nacional, bem como a função dos órgãos os quais representamos.
Tanto o TICCIH-Brasil como o Comitê Nacional de Patrimônio Industrial tem buscado construir parcerias e mesmo uma rede institucional que permita maior visibilidade. Necessitamos construir algo juntos, em cooperação e integração de forças, para assim assumir compromissos com relação às múltiplas realidades do patrimônio industrial, dentre elas, o ferroviário.

Welber disse...

Sinto uma grande dificuldade por parte dos órgãos, mas, especialmente do IPHAN, já que este é o "dono" dos sítios e bens em questão, desde 2007. Em todo o território nacional, apenas um funcionário do quadro do IPHAN tem mínima noção do tema correlato a essa herança "maldita" da RFFSA.
E não parece haver qualquer esforço na direção de suprir as necessidades de haver um grupo de profissionais que consiga lidar com a problemática de forma íntegra.

® θ и @ £ ð θ disse...

Creio que todos sentimos essa dificuldade, em especial quando lidamos com patrimônio industrial e cultural.
Nesse sentido que comentei sobre criar documentos nacionais, com base obviamente, em documentos internacionais como a Carta de Nizhny Tagil, bem como os Princípios de Dublin e a Carta de Sevilla.
Que somemos esforços e busquemos juntos o seu reconhecimento e a sua valorização.
Aproveito para parabeniza-lo pelo trabalho e esforço em trazer ao conhecimento geral a importância do patrimônio ferroviário.

Welber disse...

Agradeço pelos comentários e me coloco à disposição para o que vier.
Aproveito e parabenizo pela iniciativa do projeto "Roundhouse Railway: Identification and Cataloging".