quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Termo de Permissão de Uso RFFSA/FCA (São João del-Rei-Tiradentes)

Infelizmente, não tivemos acesso à íntegra do texto do Termo de Permissão de Uso a Título Precário realizado entre RFFSA e FCA S.A. em 18 de março de 2004.

Este documernto é um marco de sérios danos causados ao patrimônio ferroviário nacional na figura do Centro de Preservação da História Ferroviária de Minas Gerais (vulgo "Complexo ferroviário de São João del-Rei"). Fruto de incompetência consultiva e deliberativa do Escritório Técnico do IPHAN sobre arqueologia industrial/ferroviária, naquela hora, somadas á má fé casada com desqualificação conceitual e administrativa/operacional da FCA S.A.

Enfim, documento que sustenta precariamente a cessão do sítio arqueológico industrial/ferroviário - bem público da União - para uma empresa privada incompetente e inadequada para administrar e operar o objeto cedido.

"[...]

apresentação, pelo interessado, de acordo operacional, com a relação dos bens afetos ao serviço;

CONSIDERANDO que a FCA, com fundamento na resolução ANTT 359/03, solicitou autorização à ANTT para operar o complexo ferroviário turístico-cultural de São João Del Rei a Tiradentes;

CONSIDERANDO que a RFFSA é a titular dos bens integrantes do respectivo complexo;

CONSIDEIZANDO os termos do PROTOCOLO DE INTENÇÕES firmado em 10/03/2004 entre a RFFSA e o Estado de Minas Gerais, representada pela sua Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas, documento este que passa a fazer parte integrante e complementar do presente TERMO DE PERMISSÃO DE USO.

Resolvem celebrar o presente Termo de Permissão do Uso a Título Precário, que

se regerá pelas cláusulas e condições que se seguem:

CLÁUSULA PRIMEIRA – OBJETO

1.1         – Constitui o objeto do presente Instrumento a Permissão do Uso a título precário pela RFFSA, em favor da FCA do direito de uso dos bens operacionais (“os Bens”) indicado no anexo I (Relação de Bens Operacionais do Trecho), para a exploração e desenvolvimento do serviço de transporte ferroviário de passageiros no complexo ferroviário-turístico-cultural de São João Del Rei a Tiradentes, que será objeto de outorga de autorização a ser expedida pela ANTT, com base na Resolução ANTT 359/03.

 

1.1.1   O anexo I integra este contrato para todos os fins de direito, representando o seu conteúdo a declaração expressa da existência e da conferência dos bens neles relacionados, do seu estado de conservação, recebimento e assunção de responsabilidade pela sua guarda, segurança, conservação e manutenção pela FCA.

CLÁUSULA SEGUNDA – OBRIGAÇÕES DA FCA

A FCA assume perante a RFFSA as obrigações a seguir relacionadas:

2.1. Caberá a FCA a operação, controle, conservação, e manutenção dos Bens, de modo a garantir sua operacionalidade e o pleno atendimento ao disposto na legislação e regulamentação aplicáveis.

2.2. Permitir a fiscalização da RFFSA, destinada à verificação das condições de uso, conservação e manutenção dos Bens, garantindo-lhe o livre acesso, a qualquer tempo às instalações e equipamentos.

TERMO DE PERMISSÃO DE USO RFFSA/FCA

III-) Encampação pelo poder concedente, ou seja, a retomada do serviço pela ANTT, durante o prazo da autorização, por motivo de interesse público nos termos da legislação em vigor;

IV-) Caducidade da Autorização nos termos previstos na legislação em vigor;

V-) Decretação de falência da FCA;

VI-) Venda dos bens para o Estado de Minas Gerais, no caso deste não concordar com a sua prorrogação.

5.2: Finda a presente permissão, com exceção do item 5.1, retornarão à RFFSA ou à sua sucessora legal todos os bens, garantindo-se à FCA indenização compatível com os investimentos por ele já reafixados no Trecho, bem como por aqueles que realizará durante a vigência deste Contrato, desde que prévia e expressamente autorizados pela RFFSA em liquidação.

CLÁUSULA SEXTA – DISPOSIÇÕES GERAIS

6.1. Esta Permissão só poderá ser alterada, em qualquer de suas cláusulas, mediante a celebração, por escrito, de Termo Aditivo;

6.2. As considerações constantes do preâmbulo deste Instrumento constituem parte integrante e inseparável da mesmo para todos os fins de direito, devendo subsidiar e orientar, na esfera judicial e extrajudicial, a solução de qualquer divergência que eventualmente venha a existir em relação às obrigações aqui contempladas;

6.3. As notificações, comunicações ou informações entre as Partes deverão ser feitas por escrito e dirigidas ao endereço indicado no preâmbulo, a menos que outro tenha sido indicado; por escrito, mediante aviso prévio com antecedência mínima do 10 (dez) dias.

6.4. O não exercício, pelas Partes, de qualquer dos direito ou prerrogativas previstos nesta Permissão, ou mesmo na legislação aplicável, será tido como ato de mera liberalidade, não constituindo alteração ou novação das obrigações ora estabelecidas, cujo cumprimento poderá ser exigido a qualquer tempo. Independentemente de comunicação prévia à Parte.

6.5. Nenhuma das Partes será responsável por descumprimentos de suas obrigações contratuais em consequência de caso fortuito ou força maior, nos termos do artigo 193 do Código Civil, devendo, para tanto, comunicar a ocorrência de tal fato de imediato à outra Parte e informar os eventos danosos do evento.

6.5.1. Constatada a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, ficarão suspensas, enquanto essa perdurar, as obrigações que as Partes ficarem impedidas de cumprir.

CLÁUSULA SÉTIMA – FORO

7.1. As Partes elegem o Foro Central do Rio de Janeiro, como o único competente para dirimir as questões decorrentes deste Contrato, com renúncia expressa a qualquer outro, por mais privilegiado que seja.

8. por estarem assim justas e contratadas, assinam as Partes este Contrato em 04 (quatro) vias de igual teor e forma, para um só efeito, na presença das testemunhas abaixo, para que produza seus jurídicos e regulares efeitos, o qual obriga as Partes e seus cessionários ou sucessores a qualquer título.

Rio de Janeiro, 18 de março de 2004.

Pela RFFSA:

MARCOS ANTÔNIO CORDIOLI

GERALDO FRAZÃO

SÉRGIO BATISTA BITTENCOURT

NELSON QUARESMA BRANDÃO

EDSON RONALDO DO NASCIMENTO

Pela FERROVIA CENTRO-ATLÂNTICA S/A:

MAURO OLIVEIRA DIAS

FRANCISCO NUNO PONTES CORREA NEVES

TESTEMUNHAS:

ILEGÍVEIS

TERMO DE PERMISSÃO DE USO RFFSA/FCA"

Fonte: IPHAN. Processo Digitalizado. Vol. 1, Parte 2 (0403105) SEI 01514.003981/2011-81/pp. 142-144.

O documento é público, refere-se a um patrimônio público tanto em sentido jurídico-administrativo quanto no sentido histórico-cultural.





domingo, 2 de julho de 2023

Princípios comuns ICOMOS – TICCIH para a Conservação de Sítios, Estruturas, Áreas e Paisagens do Patrimônio Industrial

Princípios comuns ICOMOS – TICCIH para a Conservação de Sítios, Estruturas, Áreas e Paisagens do Patrimônio Industrial

«Os Princípios de Dublin»

Adotados pela 17ª Assembleia Geral do ICOMOS em 28 de novembro de 2011

PREÂMBULO

Em todo o mundo, diversos sítios, estruturas, complexos, cidades e assentamentos, áreas, paisagens e rotas testemunham as atividades humanas de extração e produção industrial.  Em muitos lugares, esse patrimônio ainda está em operação e a industrialização ainda é um processo ativo com um sentido de continuidade histórica, enquanto que, em outros lugares, oferece evidências arqueológicas de atividades e tecnologias passadas. Ao patrimônio material associado a tecnologias e processos industriais, engenharia, arquitetura e planejamento urbano, soma-se um patrimônio imaterial incorporado às habilidades técnicas, memórias e na vida social dos trabalhadores e de suas comunidades.

O processo global de industrialização observado durante os dois últimos séculos constitui uma grande etapa da história da humanidade, tornando seu patrimônio especialmente importante para o Mundo Contemporâneo.  Os precursores e os estágios iniciais da industrialização podem ser reconhecidos em muitas partes do mundo, remontando-se à antiguidade por meio de sítios ativos ou arqueológicos, e nossa atenção volta-se a qualquer exemplo de tal processo e seu patrimônio. Entretanto, para os propósitos deste conjunto de princípios, o interesse primordial coincide com os conceitos reconhecidos de Revolução Industrial para o Mundo Contemporâneo, marcado pelo desenvolvimento e utilização de processos e tecnologia com respeito a produção, transporte, geração de energia, intercâmbios comerciais e novos padrões sociais e culturais.

O patrimônio industrial é extremamente vulnerável e está em risco constante, sendo frequentemente perdido não só pela falta de conscientização,  documentação, reconhecimento ou proteção, mas também pelas mudanças de tendências econômicas, percepções negativas, questões ambientais ou por sua grande dimensão e complexidade. Contudo, ao estender o ciclo de vida das estruturas existentes e o gasto de energia investido, a conservação do patrimônio industrial construído pode contribuir para alcançar a meta de um desenvolvimento sustentável em nível local, nacional e internacional, afetando tanto os aspectos sociais quanto os aspectos físicos e ambientais do desenvolvimento, devendo ser reconhecida por isso.

Nas últimas décadas, o avanço das pesquisas, a cooperação internacional e interdisciplinar e as iniciativas da comunidade contribuíram consideravelmente para uma melhor valorização do patrimônio industrial e o aumento da colaboração entre os responsáveis legais,  as partes interessadas e os especialistas em preservação. Também contribuíram para esse progresso o desenvolvimento de um corpus de referências e diretrizes internacionais pelo ICOMOS – o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – e a implementação de recomendações internacionais e instrumentos, como a Convenção do Patrimônio Mundial, adotada pela UNESCO em 1972. Em 2003, a Comissão Internacional para a Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH) adotou a Carta de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial, o primeiro texto de referência internacional para orientar a proteção e conservação nesse campo.

Reconhecendo a natureza particular do patrimônio industrial e as questões e ameaças que o afetam, como resultado de sua relação com contextos legais, culturais, ambientais e econômicos contemporâneos, o ICOMOS  e o TICCIH desejam ampliar sua cooperação ao adotarem e promoverem a disseminação do uso dos seguintes Princípios para auxiliar na documentação, proteção, conservação e valorização do patrimônio industrial como parte do patrimônio das sociedades humanas de todo o mundo.  

  1.     Definição: O patrimônio industrial compreende sítios, estruturas, complexos, áreas e paisagens assim como maquinaria, objetos ou documentos relacionados que fornecem evidências dos processos de produção industrial passados ou em desenvolvimento, da extração de matéria-prima, de sua transformação em bens de consumo das infraestruturas de transporte e de energia relacionadas. O patrimônio industrial reflete a profunda conexão entre o ambiente cultural e natural, uma vez que os processos industriais – sejam antigos ou modernos – dependem de fontes naturais de matéria-prima, energia e redes de transporte para produzir e distribuir produtos para outros mercados.  Esse patrimônio contempla tanto os bens materiais – imóveis e móveis – quanto as dimensões intangíveis, tais como o conhecimento técnico, a organização do trabalho e dos trabalhadores e o complexo legado social e cultural que moldou a vida de comunidades e provocou grandes mudanças organizacionais em sociedades inteiras e no mundo em geral.
  2.     Os sítios de patrimônio industrial são muito diversificados em termos de função, projeto e evolução. Muitos são representativos de processos e tecnologias, assim como de condições regionais ou históricas, enquanto que outros constituem  grandes realizações de alcance global. Outros são complexos industriais com operações distribuídas em diferentes lugares ou são sistemas cujos componentes são interdependente frequentemente de tecnologias e períodos históricos diferentes.  O significado e o valor do patrimônio industrial são intrínsecos aos próprios sítios e estruturas, seu material construtivo, componentes, maquinaria e disposição, expressos na paisagem industrial, em documentos textuais e também nos registros intangíveis contidos nas memórias, nas artes e nos costumes.

I ‐ Documentar e entender estruturas, sítios, áreas e paisagens industriais e seus valores

  1.     Pesquisar e documentar estruturas, sítios e paisagens industriais e  maquinaria, equipamento, registros ou aspectos intangíveis relacionados é essencial para a sua identificação, conservação e  reconhecimento de seu significado e valor patrimonial. As habilidades e os conhecimentos humanos envolvidos em antigos processos industriais são recursos extremamente importantes para a conservação e devem ser considerados no processo de avaliação patrimonial.
  2.     A pesquisa e a documentação de sítios e estruturas do patrimônio industrial devem contemplar suas dimensões históricas, tecnológicas e socioeconômicas para oferecer uma base integrada para sua conservação e sua gestão, sendo necessária uma abordagem interdisciplinar sustentada por  pesquisas interdisciplinares e programas educativos para identificar o significado de sítios e estruturas de patrimônio industrial. Diversas fontes de conhecimento e informação devem ser utilizadas, incluindo coleta de campo e registro, investigação histórica e arqueológica, análise de material e paisagem,  história oral e/ou pesquisa em arquivos públicos, de empresas ou privados. A pesquisa e preservação de registros documentais, arquivos de empresas, plantas de edifícios e exemplares de produtos industriais devem ser incentivadas. A avaliação e análise de documentos devem ser realizadas por um especialista da respectiva área industrial para determinar seu significado patrimonial. A participação das comunidades e de outras partes interessadas também é uma parte essencial dessa atividade.
  3.     É necessário um conhecimento profundo da história industrial e socioeconômica de uma área ou país, assim como de suas relações com outras partes do mundo para compreender o significado de sítios ou estruturas de patrimônio industrial. Contextos industriais particulares, estudos tipológicos ou regionais, com um componente comparativo, dirigidos a setores ou tecnologias industriais chave são muito úteis no reconhecimento dos valores patrimoniais inerentes a estruturas, sítios, áreas ou paisagens individuais, devendo ser acessíveis ao público, aos acadêmicos e gestores para buscas e consultas.

II ‐  Assegurar uma efetiva proteção e conservação de estruturas, sítios, áreas e paisagens de patrimônio industrial  

  1.     Políticas apropriadas e medidas legais e administrativas precisam ser adotadas e adequadamente implementadas para proteger e assegurar a conservação de sítios e estruturas de patrimônio industrial, incluindo sua maquinaria e documentos. Essas medidas devem contemplar a estreita relação entre patrimônio industrial, produção industrial e economia, especialmente no que se refere a regras para empresas e investimentos, transações comerciais ou propriedade intelectual, tais como patentes e normas aplicáveis a operações industriais ativas.
  2.     Inventários integrados e listas de estruturas, sítios, áreas e paisagens, sua disposição e objetos, documentos, desenhos e arquivos associados ou patrimônio intangível devem ser desenvolvidos e utilizados como parte dessas políticas efetivas de conservação e gestão e medidas de proteção. Esses bens devem receber um reconhecimento legal, conservação e gestão adequadas para assegurar que seu significado, integridade e autenticidade sejam mantidos. No caso de patrimônio industrial identificado por meio de descoberta fortuita, deve-se conceder uma proteção temporária até que seja possível realizar a pesquisa e documentação patrimonial de modo adequado.  
  3.     No caso de estruturas ou sítios industriais ativos de significado patrimonial, deve-se reconhecer que seu uso e funcionamento contínuo podem conter parte de seu significado patrimonial e oferecer condições adequadas para sua sustentabilidade física e econômica como instalações de produção ou extração ativas.  Suas características técnicas específicas devem ser respeitadas ao se implementar as regulamentações atuais, tais como códigos de construção, exigências ambientais ou estratégias de redução de risco para lidar com ameaças de origem natural ou humana.
  4.     Medidas de proteção devem ser aplicadas a edifícios e seu conteúdo visto que a totalidade do conjunto e sua integridade funcional são especialmente importantes para o significado das estruturas e dos sítios de patrimônio industrial. Seu valor patrimonial pode ser gravemente ameaçado ou reduzido se a maquinaria ou outros componentes importantes forem removidos ou se elementos subsidiários que formam parte do todo forem destruídos. Meios legais e administrativos devem ser desenvolvidos para possibilitar que as autoridades respondam rapidamente ao fechamento de sítios e complexos de patrimônio industrial em operação de modo a evitar a remoção ou destruição de elementos significativos, tais como maquinaria, objetos industriais e documentos relacionados.

III ‐  Conservar e manter estruturas, sítios, áreas e paisagens de patrimônio industrial

  1.  O uso original ou  sua readequação é o modo mais frequente e geralmente mais sustentável de assegurar a conservação de estruturas e sítios de patrimônio industrial. Os novos usos devem respeitar os materiais significativos, componentes e padrões de circulação e atividade.  É necessário um conhecimento especializado para assegurar que o significado patrimonial seja considerado e respeitado na gestão do uso sustentável de estruturas e sítios de patrimônio industrial. As normas de construção, exigências de segurança, normas ambientais ou industriais e outras regulamentações devem ser adequadamente implementadas nas intervenções físicas, levando em consideração as dimensões patrimoniais.  
  2.  Sempre que possível, as intervenções físicas devem ser reversíveis, respeitar o valor temporal  e marcas ou traços significativos. As alterações devem ser documentadas. A reversão a um estado anterior conhecido é aceitável em circunstâncias excepcionais com fins educativos, devendo ser baseada em documentação e pesquisa exaustiva. A desmontagem e realocação apenas são aceitáveis em casos extraordinários, em que necessidades econômicas ou sociais imprescindíveis e objetivamente comprovadas exigem a destruição do sítio.
  3.  Em caso de iminente obsolescência, desativação e/ou adaptação de estruturas e sítios de patrimônio industrial, os processos devem ser registrados, incluindo, por exemplo, onde os componentes têm de ser demolidos e a maquinaria removida. Tanto sua forma material quanto seu funcionamento e localização, como parte dos processos industriais, devem ser exaustivamente documentados. Os relatos orais e/ou escritos de pessoas ligadas aos processos de trabalho também devem ser coletados.  

IV ‐ Apresentar e difundir as dimensões e os valores de estruturas, sítios, áreas e paisagens industriais para aumentar a conscientização pública e empresarial e apoiar treinamentos e pesquisas

  1.  O patrimônio industrial é uma fonte de aprendizado que precisa ser difundida em suas múltiplas dimensões. Ilustra aspectos importantes da história local, nacional e internacional e as interações através dos tempos e das culturas. Demonstra a capacidade criativa relacionada aos avanços científicos e tecnológicos, assim como aos movimentos sociais e artísticos. A conscientização e a compreensão pública e empresarial sobre o patrimônio industrial são meios importantes para o sucesso de sua conservação.  
  2.  Programas, equipamentos e outros recursos – como visitas a sítios ativos de patrimônio industrial e a apresentação de suas operações, relatos e patrimônio intangível associados a sua história, maquinaria e processos industriais, museus industriais ou de cidades e centros de interpretação,  exposições, publicações, websites, itinerários regionais ou transfronteiriços – devem ser desenvolvidos e mantidos como meios de promover a conscientização e a valorização do patrimônio industrial em toda sua riqueza de significados para as sociedades contemporâneas. O ideal é que estejam localizados nos próprios sítios patrimoniais onde se deu o processo de industrialização e nos quais podem ser melhor difundidos. Sempre que possível, as instituições nacionais e internacionais da área de pesquisa e conservação do patrimônio devem ser autorizadas a usá-los como recursos educacionais para o público em geral e para as comunidades de profissionais.

[Tradução para o português-Brasil: Ivanir Azevedo Delvizio, Eduardo Romero de Oliveira]

sexta-feira, 19 de maio de 2023

As placas BLW encontradas no Módulo I do Museu Ferroviário de São João del-Rei

 

Os inventários de bens móveis dos museus do interior do Brasil costumam ser problemáticos devido à falta de profissionais capacitados e especializados, sobretudo pesquisadores das áreas afins aos temas das instituições. E, no caso de bens ferroviários, mesmo os pesquisadores em ciências humanas de forma generalizada são ainda insuficientes para determinados levantamentos. Um caso que nos ajuda a compreender esse ponto é o conjunto de placas de fabricação remanescentes de locomotivas Baldwin Locomotive Works encontradas no museu ferroviário de São João del-Rei. Apesar de o museu ter sido inaugurado em 1981, parte de seu acervo carece de informações mais refinadas. Esses itens são apenas exemplos, já que o restante do acervo ainda está por conhecer sua própria história.

As placas

33855

A placa 33855 pertenceu a uma locomotiva do tipo Consolidation (2-8-0) da Estrada de Ferro Oeste de Minas, matrícula 11 da malha em bitola métrica: BLW classe 10-24E 169, de outubro de 1909. Esta locomotiva foi renumerada como 209 em 1920, ainda na EFOM, e 419 em 1938, já na Rede Mineira de Viação.

Fotografia da locomotiva EFOM 11, futura EFOM 209 e RMV 419 em local não identificado. É possível que o contexto seja a entrega da locomotiva ao destinatário ou a montagem em Ribeirão Vermelho (as oficinas de Divinópolis ainda não existiam em 1912). O tender da imagem pertencia a uma das 4-4-0 ou 4-6-0 da “bitolinha”, encomendadas e fabricadas na mesma leva. Acervo de Hugo Caramuru.

Fotografia da locomotiva RMV-Oeste 209, ex-EFOM 11 e futura RMV 419. Acervo de Hugo Caramuru.


Fotografia da locomotiva RMV 419, ex-EFOM 11 e ex-EFOM 209. Pátio da estação de Ibiá, c. 1940. Coleção e acervo de Onildo Monteiro.

33856

A placa 33856 pertenceu a outra locomotiva do tipo Consolidation (2-8-0) da Estrada de Ferro Oeste de Minas, matrícula 12 da malha em bitola métrica: BLW classe 10-24E 170, de outubro de 1909. Esta locomotiva foi renumerada como 210 em 1920, ainda na EFOM, e 420 em 1938, já na Rede Mineira de Viação.

Fotografia de fábrica da EFOM 12, futura EFOM 210 e RMV 420. Fonte: Railroad Museum of Pennsylvania, Library and Archives.

Fotografia da locomotiva RMV 420, ex-EFOM 12 e ex-EFOM 210. Foto de Haraldo Graccho Prado.

 38155

A placa 38155 pertenceu a uma locomotiva do tipo Mikado (2-8-2) da Estrada de Ferro Oeste de Minas, matrícula 100 da malha em bitola métrica: BLW classe 12-28 ¼ E 2, de agosto de 1912. Esta locomotiva, incrivelmente, não chegou à Rede Mineira de Viação. Por enquanto, é um mistério o fato de esta placa ter chegado até nós. Nenhum pesquisador do meio conseguiu rastrear os caminhos tomados por esta locomotiva.

 

Fotografia de fábrica da EFOM 100. Fonte: Railroad Museum of Pennsylvania, Library and Archives.

38156

A placa 38156 pertenceu a uma locomotiva do tipo Mikado (2-8-2) da Estrada de Ferro Oeste de Minas, matrícula 101 da malha em bitola métrica: BLW classe 12-28 ¼ E 3, de agosto de 1912. Mesmo caso da EFOM 100.

58881

A placa 58881 pertenceu a uma locomotiva do tipo Pacific (4-6-2) da Estrada de Ferro Oeste de Minas, matrícula 167 da malha em bitola métrica: BLW classe 12-26 ¼ D 26, de dezembro de 1925. Esta locomotiva foi renumerada como 335, em 1938, pela Rede Mineira de Viação.

Locomotiva RMV 335, ex-EFOM 167. Acervo de José Expedito Assunção.

37516

A placa 37516 pertenceu a uma locomotiva do tipo Consolidation (2-8-0) da Companhia Estradas de Ferro Federais Rede Sul Mineira (RSM), matrícula 66: BLW classe 10-24E 177, de fevereiro de 1912. Esta locomotiva foi renumerada como 221 pela Rede de Viação Sul Mineira (RVSM) e como 430, em 1938, pela Rede Mineira de Viação.


Fotografia da locomotiva RMV 430, ex-RSM 66 e ex-RVSM 221. Acervo de Hugo Caramuru.

57377

A placa 57377 pertenceu a uma locomotiva do tipo Ten-wheeler (4-6-0) da Rede de Viação Sul Mineira (RVSM), matrícula 176: BLW classe 10-26D 364, de outubro de 1923. Esta locomotiva foi renumerada como 249, em 1938, pela Rede Mineira de Viação.

Fotografia da locomotiva RMV 249, ex-RVSM 176 na ocasião do aniversário de 35 anos de serviço do maquinista Sr. José Modesto. Depósito de Passa Quatro, MG (informação de Felipe Sanches, da ABPF Sul de Minas). Acervo de Hugo Caramuru.

56924

A placa 56924 pertenceu a uma locomotiva do tipo Consolidation (2-8-0) da Rede de Viação Sul Mineira (RVSM), matrícula 271: BLW classe 10-30E 208, de agosto de 1923. Esta locomotiva foi renumerada como 231, em 1931, pela Estrada de Ferro Sul de Minas (RMV-Sul) e como 436, em 1938, pela Rede Mineira de Viação.

Fotografia da locomotiva RMV-Sul 231, ex-RVSM 271 e futura RMV 436. Triângulo de Passa Quatro (informação de Felipe Sanches, da ABPF Sul de Minas). Acervo de Hugo Caramuru.

Fotografia da locomotiva RMV 436, ex-RVSM 271 e ex-RMV-Sul 231. Triângulo de Passa Quatro, MG (informação de Felipe Sanches, da ABPF Sul de Minas). Acervo de Hugo Caramuru.

 

Resumo


Contribuições de Felipe Sanches e Jonas A. Martins de Carvalho, da ABPF-Sul de Minas e NEOM-ABPF.

Fontes:

CARAMURU, Hugo IN PIMENTA, D. J., ELEUTÉRIO, A. B., CARAMURU, Hugo. As Ferrovias em Minas Gerais. Belo Horizonte: SESC/MG, 2003.

LIMA, Vasco de Castro. A Estrada de Ferro Sul de Minas 1884-1934. São Paulo: Copas, 1934.

SMU. DeGolyer Library. Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works engine specifications, 1869-1938. Disponível em: <https://digitalcollections.smu.edu/digital/collection/rwy/id/32>. Acessado a partir de: 30/07/2013;

SMU. DeGolyer Library. Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 30000 to 34999, January 1907 to July 1910.

SMU. DeGolyer Library. Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 35000 to 39999, July 1910 to July 1913.

Railroads - Photographs, Manuscripts, and Imprints: Baldwin Locomotive Works, Index of Companies, Construction Numbers from 55000 to 59999, September 1921 to May 1927.

Disponíveis em: <https://digitalcollections.smu.edu/digital/collection/rwy/search/searchterm/indexes!Baldwin%20Locomotive%20Works%20records/field/formge!part/mode/exact!exact/conn/and!and/order/upload/ad/asc>. Acessados em: 10/05/2020.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

A simbologia da fotografia de uma locomotiva da E. F. D. Pedro II na Philadelphia Exhibition de 1876

Tecnologia, “segundo escravismo” e americanização ferroviária no Brasil

Em seu livro “A Força da Escravidão”, o historiador Sidney Chalhoub traduziu o conceito “second slavery” - elaborado por Dale Tomich - como “segundo escravismo”. Na minha tese de doutorado, utilizei “segunda escravidão”, conforme acabou sendo definido pela historiografia posteriormente. Independentemente da tradução, o sentido é o mesmo: “second  slavery” refere-se a uma interpretação do fenômeno iniciado no século XVIII e fortemente estabelecido no XIX referente ao novo fôlego tomado pela instituição escravista nas Américas.

O recrusdescimento da escravidão moderna, ou seja, o revigoramento da prática de manter seres humanos como propriedade no mundo pós grandes revoluções teve completa ligação com a expansão do capitalismo industrial.

No contexto do segundo escravismo encontramos a manutenção do tráfico transatlântico depois da Lei de 7 de novembro de 1831, que estabelecia como “livres todos os escravos vindos de fora do Império, e imp[unha] penas aos importadores dos mesmos escravos” e a utilização dessa população nos meios de produção de primários (monoculturas) para o mercado externo, em especial o algodão, o açúcar e o café.

Desde a Lei de 1831, a escravidão brasileira era uma instituição “forte” - como saliente o título do Sidney Chalhoub - mas oficialmente envergonhada. Explico: 

Quando iniciei minha pesquisa para escrever a tese de doutorado, comecei, como é de praxe, do começo; ou seja, investigando a documentação de estado. Meu objeto era a construção de estradas de ferro no território do Império do Brasil e sua relação com a expansão global desse tipo de estrutura de transporte. Como uma invenção reconhecidamente britânica, é de comum conhecimento que a construção de ferrovias fora da Grã-Bretanha teve forte participação de agentes britânicos e o fornecimento de equipamento pela indústria britânica. Do mesmo modo, muitas ferrovias construídas fora da Grã-Bretanha foram construídas e operadas por companhias com sede em Londres.

Foi assim que a Companhia Estrada de Ferro Dom Pedro II iniciou sua trajetória, como uma concessão contratada com o escocês Thomas Cochrane - o mesmo médico que apresentou ao Brasil a homeopatia (cof cof cof...) - em 1840. Também, a Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis foi fundada por Irineu Evangelista de Souza com financiamento do Banco Carruthers, de Castro & Co., sediado em Manchester, e aquidição de equipamento na mesma cidade inglesa.

Ao pesquisar os relatórios ministeriais referentes às obras públicas (Ministério do Império e, a partir de 1860, Ministério da Agricultura), os relatórios da Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II (1856-1865) e da Estrada de Ferro D. Pedro II como departamento do estado imperial (1866-1889), os jornais de 1835 a 1889 e a autobiografia de Cristiano Otoni (presidente da CEFDPII), o investigador quase acredita que a principal estrada de ferro do Brasil era um oasis antiescravista no Império.

De fato, os empreiteiros e engenheiros contratados para construir a primeira seção da EFDPII, os ingleses Edward Price, Charles Edward Austin e Samuel Bayliss, colocaram uma cláusula que impedia o uso de mão de obra escrava no contrato. Exigiam e, tudo indica, empregaram apenas jornaleiros livres.

Cristiano Otoni, conhecido republicano e famoso abolicionista, como presidente da companhia, era inimigo público declarado dos ingleses. A justificativa do mineiro era a de que esses ingleses impuseram cláusulas ultra danosas aos cofres da companhia e que, para a segunda seção e seguintes os contratos deveriam ser feitos com americanos.

Para contratar os americanos, Otoni citava sempre a capacidade técnica apropriada para vencer nossas serras com custos reduzidos, como esses americanos faziam nas Alleghenies (parte dos Montes Apalaches). Ele manteve esse argumento tanto nos relatórios da CEFDPII (1856-1865) quanto em sua autobiografia, escrita após 1889.

O que os documentos oficiais omitiam e os historiadores brasileiros até agora não discutiam, a historiografia internacional veio informar (diria até, denunciar): o que Cristiano Otoni, os ministérios do Império e os jornais do século XIX tentaram apagar para a posteridade é o fato de que a opção pelos engenheiros dos Estados Unidos era a aplicação de mão de obra escrava para construir a Estrada de Ferro D. Pedro II.

No início dos anos 1850, quando nova conjuntura política interna e externa levaria à interrupção definitiva do negócio dos tumbeiros, quiçá a metade da população escrava em idade produtiva existente no país fosse constituída por africanos ilegalmente escravizados e seus descendentes; essa taxa de ilegalidade da escravidão era decerto muito mais alta nas fazendas de café do Vale do Paraíba, para onde afluíram em massa os africanos chegados após a lei de 1831.[1]

A fotografia aqui apresentada consta apenas nos arquivos da Exibição de 1876 de Filadélfia, em comemoração ao centenário da independência dos Estados Unidos da América. Entretanto, silenciosamente ela apresenta a sobreposição do trabalho livre promovido pelos ingleses pelo escravismo (o segundo escravismo) aplicado pela engenharia americana na construção da coisa mais “moderna” encontrada no Império do Brasil a partir de 1860. 

As contradições são muitas e estruturais.

O uso de mão de obra escravizada nas obras de infra e superestrutura ferroviária entre Rio de Janeiro, Minas Ferais e São Paulo no século XIX foi promovida pelo abolicionista Cristiano Otoni. As locomotivas que os engenheiros dos EUA - que tinham base em Richmond, Virgícia, capital secessionista - introduziram na EFDPII a partir de 1862 foram fabricadas pela M. W. Baldwin & Co. (Baldwin Locomotive Works). 

A M. W. Baldwin & Co. estava à beira da falência em 1862 devido ao grande boicote aplicado pelos seus principais clientes até então, os escravistas do Grande Sul. Enquanto os secessionistas boicotavam a M. W. Baldwin, a Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II salvava a mesma companhia da bancarrota, pagando à vista, em dinheiro vivo, segundo o historiador John K. Brown.

Nos anos/décadas seguintes, o Brasil tornou-se o maior cliente externo da Baldwin Locomotive Works, sobretudo a Estrada de Ferro D. Pedro II, que passou a ser um departamento do estado Imperial em 28/09/1865. Um cliente tão especial que o maior fabricante de locomotivas do mundo já na década de 1870 selecionou um item destinado ao Império do Brasil para representá-lo no maior evento comemorativo dos Estados Unidos no século XIX.

Fotografia: Locomotiva “Príncipe do Grão Pará” exposta no Machinery Hall of 1876 , Philadelphia Exhibition. Baldwin Locomotive Works, class 8-30D 27, serial 3857, abril de 1876.



[1] CHALHOUB, Sidney. A Força da Escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, cap. 2.

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Locomotivas americanas não Baldwin/pré-ALCO para ferrovias brasileiras


É de amplo conhecimento o predomínio de mercado das locomotivas fabricadas em Filadélfia pela Baldwin Locomotive Works para ferrovias do Império do Brasil e da Primeira República. Apesar da presença de material rodante de tração das indústrias belga, francesa, alemã e, sobretudo, britânica – a qual predominou pelo menos até 1862, desta data em diante a fábrica de Mathias Baldwin foi o maior fornecedor desse tipo de veículo para nosso território.

Entretanto, apesar de as locomotivas Baldwin inclusive terem legado ao léxico popular o verbete “balduíno”[1], em referência a homem “forte como uma locomotiva”, essas tinham a companhia de outras similares da indústria dos Estados Unidos da América, apesar de relativamente poucas.

Rogers Locomotive & Machine Works

A Rogers Locomotive & Machine Works, ou simplesmente Rogers, foi uma das mais antigas oficinas de construção de locomotivas na América do Norte.

Fundada em 1832 como Rogers, Ketchum & Grosvenor, devido à parceria entre Thomas Rogers, Morris Ketchum e Jasper Grosvenor, a oficina tinha como objeto a construção de máquinas e teares para a indústria têxtil. Rogers logo interessou-se por locomotivas para as nascentes estradas de ferro e, graças à sua extensa experiência com o maquinário para tecelagens, decidiu desmontar uma locomotiva inglesa comprada pela Paterson and Hudson River Railroad para compreender o mecanismo específico desse tipo de máquina. Em 1835, após vários e extensos desenhos, a RKG anunciou planos para fabricar suas próprias locomotivas.

As duas primeiras locomotivas construídas por Rogers foram encomendadas pela Mad River and Lake Erie em 1837; a primeira delas foi a Sandusky, dada como a primeira locomotiva a operar em Ohio. Já a mais famosa Rogers é a locomotiva General, que dá título ao filme homônimo de Buster Keaton, com enredo sobre eventos ferroviários na "Guerra de Secessão", mais conhecida como "Guerra Civil Americana" devido à vitória unionista (yankee).

A Rogers chegou a liderar o mercado de locomotivas dos EUA na década de 1850, superando as outras duas maiores, Baldwin e Norris.[2]

De acordo com os dados disponíveis, a primeira locomotiva construída pela Rogers para uma ferrovia brasileira foi uma Mogul (2-6-0) nomeada como “Antônio Carlos” para a Estrada de Ferro Leopoldina, em 1878, a qual recebeu a companhia de mais duas similares em 1879, a “Mello Barreto” e a “Jequitinhonha”. Outros clientes do Brasil foram as estradas de ferro Barão de Araruama (1878), Madeira Mamoré (1878), Paulo Afonso (1879), Santo Amaro (1878, 1891) e a União Federal (1890).

Estrada de Ferro Leopoldina, locomotiva do tipo Mogul (2-6-0) "Antônio Carlos".

Estrada de Ferro Barão de Araruama, locomotiva do tipo Mogul tanque (2-6-0T) "Santa Maria Magdalena".

Após a morte de Thomas Rogers, seu filho, Jacob S. Rogers, reorganizou a Rogers, Ketchum & Grosvenor como Rogers Locomotive & Machine Works. Com a aposentadoria de Jacob, essa foi renomeada como Rogers Locomotive Company em 1893. Em 1907, a RLC foi incorporada à American Locomotive Company (ALCO).

Danforth Locomotive & Machine Company

A Danforth é mais conhecida na posteridade como Cooke Locomotive Works, razão social assumida em 1882.

Derivada da Rogers, a Danforth, Cooke & Company foi uma fabricante de locomotivas fundada por John Cooke e Charles Danforth em 1852. Cooke havia sido aprendiz e superintendente na Rogers, Ketchum & Grosvenor até deixar esta para fundar sua própria oficina. Devido a Danforth assumir a presidência em 1865, a empresa foi renomeada como Danforth Locomotive & Machine Company. Ao assumirem a direção em 1882, os filhos de John Cooke reorganizaram a companhia como Cooke Locomotive and Machine Works, razão social mantida até a incorporação da AmericanLocomotive Company em 1901, da qual a Cooke foi uma das formadoras iniciais.

Até o momento, sabemos de apenas uma locomotiva construída para o Brasil. A Danforth Locomotive & Machine Company entregou uma pequena Montezuma (2-4-0) para a Estrada de Ferro Pirahyense em 1880.

Rhode Island Locomotive Works

Fundada por Earl Philip Mason Sr. em 1865, a Rhode Island Locomotive Works era sediada em Providence, estado de Rhode Island.

Assim como a Cooke, a RILW foi uma das formadoras iniciais da ALCO.

O único cliente conhecido da Rhode Island no território brasileiro foi a Companhia Estrada de Ferro Sapucahy, que recebeu onze locomotivas entre 1890 e 91. Dessas, seis eram Mogul (2-6-0), três American (4-4-0), uma Consolidation (2-8-0) e uma Boston tanque (2-4-4T).

Estrada de Ferro Sapucaí, locomotiva do tipo Boston tanque 2-4-4T "Christina", nº 1.

Estrada de Ferro Sapucaí, locomotiva do tipo Consolidation (2-8-0) "Itajubá", nº 5.

Estrada de Ferro Sapucaí, locomotiva do tipo American (4-4-0) ", representando as "Sapucahy", "Julio Brandão" e "Souza Ferraz", respectivamente nºs 6, 7 e 11.

Estrada de Ferro Sapucaí, locomotiva do tipo Mogul (2-6-0) "Cesário Alvim", nº 10, na estação de Christina, c. 1895.

Brooks Locomotive Works

Também formadora inicial da American Locomotive Company em 1901, a Brooks Locomotive Works foi fundada em 1869 por Horatio G. Brooks.

Como ex-engenheiro chefe da New York & Erie Railroad (NY&ERR), Horatio alugou os prédios que sediavam as oficinas dessa ferrovia em Dunkirk, depois que a NY&ERR moveu essas oficinas para Buffalo, para fundar sua fábrica.

Entre todos os fabricantes aqui contemplados, a Brooks foi a que mais locomotivas forneceu para uma ferrovia brasileira. Além de um pequeno cliente, a Estrada de Ferro Santa Maria Magdalena, para a qual entregou duas locomotivas tanque do tipo Columbia (2-4-2T), seu grande cliente brasileiro foi a Estrada de Ferro Central do Brasil, maior e mais importante ferrovia do país.

Ao todo, foram sessenta locomotivas Brooks para a EFCB fornecidas entre agosto de 1894 e fevereiro de 1895; dessas, quarenta foram para a malha em bitola irlandesa (larga de 1.600 mm) e vinte para a malha em bitola métrica (estreita de 1.000 mm). Entre as locomotivas para a bitola de 1.600 mm, quinze eram do tipo Mastodon (4-8-0) e vinte-e-cinco do tipo Suburban tanque (2-6-6T); já entre as destinadas à malha em bitola de 1.000 mm, quinze eram Mastodon e cinco do tipo American (4-4-0).

Estrada de Ferro Santa Maria Magdalena, locomotiva tanque do tipo Columbia (2-4-2T), nº 2. Catálogo descritivo Brooks.


Estrada de Ferro Central do Brasil, locomotiva do tipo Mastodon (4-8-0) "24 de Maio", nº 230.

Estrada de Ferro Central do Brasil, locomotiva do tipo American (4-4-0) para bitola estreita. Catálogo descritivo Brooks.

Estrada de Ferro Central do Brasil, locomotiva tanque do tipo Suburban (2-6-6T) para bitola larga. Catálogo descritivo Brooks.

Estrada de Ferro Central do Brasil, locomotiva do tipo Mastodon (4-8-0) para bitola larga. Catálogo descritivo Brooks.

Quadro com todas as locomotivas americanas não-Baldwin/pré-ALCO para ferrovias brasileiras



Fontes:

SMU - DeGolyer Library

Rogers Locomotive and Machine Works, Complete Record, 1837-1905. Disponível em: https://digitalcollections.smu.edu/digital/collection/rwy/id/3801/rec/17. Acesso em: 24/02/2023.

Rhode Island Locomotive Works, Complete Record -- 1866-1902. Nos. 1 to 3376. Disponível em: https://digitalcollections.smu.edu/digital/collection/rwy/id/3793/rec/12. Acesso em: 24/02/2023.

Cooke Locomotive Works, Complete Record from 1871 to 1902 with Partial Record from 1853 to 1871. Disponível em: https://digitalcollections.smu.edu/digital/collection/rwy/id/3794/rec/10

Brooks Locomotive Works, Complete Record 1869-1902, Nos. 1 to 4114. Disponível em: https://digitalcollections.smu.edu/digital/collection/rwy/id/3805/rec/20. Acesso em: 08/05/2023.

BROOKS LOCOMOTIVE WORKS. A Catalogue Descriptive of Simple and Compound Locomotives. Buffalo, NY: Matthews-Northrup Co., 1899.

ROGERS LOCOMOTIVE AND MACHINE WORKS, The. Locomotives and Locomotive Building: origin and growth of the Rogers Locomotive & Machine Works, Peterson, New Jersey, from 1831 to 1886. Nova Iorque: W. M. Gottsberger, 1886.

PS: Nenhuma das locomotivas acima foi preservada.

PS2: Esta publicação e o quadro podem ser atualizados conforme novos dados apareçam.

Atualização:

Nicolas Burman informou-nos da existência de locomotivas construídas pela Rome Locomotive Works (New York Locomotive Works) para o Brasil. Ao abrir a lista disponível na SMU - DeGolyer, verificamos que se tratava de duas locomotivas do tipo Double-Ender para a obscura “Cia. Estrada de Ferro do Brasil”.

Segundo Bruno Tavares, se trataria da “Companhia Geral de Estradas de Ferro”. Ao que Nicolas Burman emendou ao informar que foi uma empresa incorporada pela diretoria da própria Leopoldina para burlar dívidas acumuladas na conhecida onda de aquisição de outras ferrovias do Norte Fluminense e da Zona da Mata Mineira. Assim, decidi consultar um artigo que havia lido há exatos quinze anos, do historiador Peter Blasenheim. Este dá uma resposta mais precisa sobre ao que se referia o “Cia. Estrada de Ferro do Brasil” creditado na lista da RLW:

Num espírito de honestidade, provocado pela esperança que a política de crédito fácil salvaria a ferrovia, os diretores apresentaram um memorando sobre a crise em dezembro de 1890. A Leopoldina tinha dívidas totalizando 97.000 contos (US$ 29.1 milhões) por causa de despesas extraordinárias incorridas desde 1883. A manutenção de tantos quilômetros adicionais de via inútil, continuou o relatório, impossibilitou o serviço regular na rede inteira. No final, a gerência, frustrada e confusa, não conseguia chegar a um acordo sobre uma política única, o que exacerbou ainda mais o problema. Mas a legislativa estadual, que desconfiava de qualquer petição apresentada pela Leopoldina, rejeitou este último apelo por auxílio.

Antes do fim do ano, a companhia se dissolveu sem notificar as autoridades estaduais e nacionais nem os seus credores, e fundou a Companhia Geral de Estradas de Ferro. Este esquema tinha como objetivo evitar antigas dívidas e adquirir novos fundos. Conforme o senador estadual Afonso Pena, a figura política mais respeitada de Minas no início da década de 1890, a Companhia Geral fugiu com milhares de contos em impostos de exportação devidos ao estado e falsificou suas contas para mostrar que suas linhas mineiras (e não as do Rio) estavam perdendo dinheiro. As ferrovias fluminenses, Pena lembrou ao Senado, não tinham juros garantidos. As assertivas de Pena eram verdadeiras e os diretores da Companhia Geral eram todos prisioneiros ou fugitivos até 1892. A antiga gerência foi substituída pelo governo nacional e a Leopoldina reorganizada vendeu obrigações na bolsa de valores de Londres para arrecadar fundos.[3]

De vida curta, a RLW fabricou um total de seiscentos e noventa e cinco locomotivas. As duas destinadas ao Brasil foram, inclusive, as de placas seriais 694 e 695 para a “Leopoldina envergonhada”.

Cia. Estrada de Ferro do Brasil, locomotiva do tipo Double-ender (2-4-2) "Teixeira Leite". Via Nicolas Burman.


Fonte extra:

New York Locomotive Works, Rome, N.Y. Complete Record, 1883-1891Disponível em: https://digitalcollections.smu.edu/digital/collection/rwy/id/3800/rec/2. Acesso em: 08/05/2023.


[1] Não confundir com Balduino IV de Jerusalém, o “Rei Leproso”.

[2] PATERSON FRIENDS OF THE GREAT FALLS. The Rogers Locomotive Works. Disponível em: <http://patersongreatfalls.org/rogers.html>. Acesso em: 08/05/2023.

[3] BLASENHEIM, Peter. “As ferrovias de Minas Gerais no século dezenove”. Locus: revista de história, Juiz de Fora, vol. 2, n. 2, pp. 81-110 (p. 107).