A concessão provincial que originou a E. F. Oeste de Minas permitia aos concessionários construir uma estrada de ferro em bitola estreita.
No momento em que as obras foram iniciadas, em julho de 1879, o número de ferrovias com essa característica já era significativo. A primeira estrada de ferro no território brasileiro a adotar bitola no espectro que consideramos “estreita” pode ter sido a E. F. Recife a Caxangá, cuja construção se iniciou em 1867, coincidindo com a tendência global ao estreitamento. Mas, os coevos afirmam que foi a E. F. União valenciana, inaugurada em 1869. Essa disputa parece ser de pouca valia, considerando que praticamente coincidem entre construção da via e inauguração da operação. As fontes consultadas não permitem concluir qual foi a primeira, o que é irrelevante para o momento.
A única exceção brasileira de ferrovia em
bitola do espectro que consideramos “larga” após 1867 foi a “E. F. Paulista” da
Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Desconsiderando o alargamento de
alguns trechos e malhas – como a E. F. São Paulo-Rio de Janeiro após a
encampação pela EFCB e da E. F. Araraquara em 1952 - essa regra apenas seria
quebrada pela E. F. Carajás já na década de 1980.[1]
Devido à predominância da
bitola de 1.000 mm (1 metro ou “métrica”) até então, sobretudo das ferrovias
mineiras ou com incursão em Minas com essa característica, tais como a E. F.
Leopoldina e a E. F. Santa Isabel do Rio Preto, o governo provincial entendia
que a E. F. O. M. deveria ter sido construída nessa medida.
Quadro 1. Lista das ferrovias
em bitola estreita no Brasil (1867-1879).
Estrada |
Início das obras |
Bitola |
E. F. Recife a Caxangá |
1867 |
1.100 mm (3’ 7 1/3”) |
E. F. União Valenciana |
1869 |
1.100 mm (3’ 7 1/3”) |
E. F. Recife e Olinda |
1870 |
1.400 mm (4’ 7 1/8”) |
E. F. Porto Alegre-Nova Hamburgo |
1871 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Sorocabana |
1872 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Leopoldina |
1872 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Baturité |
1872 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Paraná |
1872 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Campos a São Sebastião |
1872 |
960 mm (3’ 1 3/4”) |
E. F. Ituana |
1873 |
960 mm (3’ 1 3/4”) |
Companhia Mogiana de E. F. |
1873 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Central da Bahia |
1874 |
1.067 mm (3’ 6”) |
E. F. Niterói a Macaé |
1874 |
1.100 mm (3’ 7 1/3”) |
E. F. Macaé a Campos |
1875 |
960 mm (3’ 1 3/4”) |
E. F. Nazaré |
1875 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. São Paulo-Rio de Janeiro |
1875 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Campos a Carangola |
1876 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
Prolongamento EFRSF |
1876 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Barão de Araruama |
1876 |
960 mm (3’ 1 3/4”) |
E. F. Nazaré |
1877 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Porto Alegre-Uruguaiana |
1877 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Paulo Afonso |
1878 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. de Sobral |
1878 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Santo Amaro |
1878 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Santa Isabel do Rio Preto |
1878 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Bragantina |
1878 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Madeira-Mamoré (1ª tentativa) |
1878 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Recife ao Limoeiro |
1879 |
1.000 mm (3’ 3 3/8”) |
E. F. Oeste de Minas |
1879 |
760 mm (2’ 6”) |
Fontes: BAPTISTA,
José Luiz. “O surto ferroviário e seu desenvolvimento”. Separata de: Anais
do Terceiro congresso de História Nacional (VI Volume), publicação do Instituto
Histórico. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942; Relatórios de várias
companhias entre 1869 e 1881; Relatórios do Ministério do Império (1852-1858);
Relatórios do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras públicas (1860-1879).
Por influência de Joaquim
M. R. Lisboa, engenheiro responsável pela construção da estrada, a via
permanente original da E. F. Oeste de Minas, optou pela bitola de 762 mm (2’6”).
Agora, veremos o que o dito engenheiro nos apresenta, em seu relatório de 1881,
sobre a via permanente:
O material fixo da estrada de Oeste
foi todo comprado à fábrica de Thyle Chàteau, na Bélgica, aos Srs. Caramin & C.; sucessores de Blondiaux
& C.
Os trilhos são de ferro de 1ª
qualidade e 10% de encomenda total veio de aço, sendo esses assentados na
descida da cachoeira.
Os trilhos pesam 17 kg por metro
corrente, sendo a maior parte de 7 m de comprimento, com uma porção de 6,50 m e
6 m de comprimento. São do sistema vignole. As chapas de junção são de peso de
2 kg 275 gramas cada uma. [...] As dimensões dos dormentes são de 1m40 de
comprimento, 12 centímetros de altura e 18 de largura. Convém que os dormentes
tenham 1m60. [...] Compraram-se para a construção 145,000 dormentes, sendo
alguns para depósito do tráfego.[2]
Joaquim Lisboa não
especifica o espaçamento, mas informa que são 100.000 m de ferrovia para
145.000 dormentes. Desconsiderando que parte dos 145 mil dormentes se destinam para
depósito (reserva) e que parte dos dormentes se destinam aos desvios e pátios,
chegaríamos a uma média de 1,45 dormentes por metro de via. Ao arredondarmos,
agora considerando a reserva de parte dos dormentes, o cenário seria de 1
dormente a cada 65/70 cm de via, para ser otimistas (figura 1).
Para as primeiras trocas,
as dimensões dos dormentes foram ampliadas para 1,60 m de comprimento com faces
de 18 x 13 cm (largura x altura), conforme a instrução de Lisboa.[3]
Não está claro qual o
tipo de pedra para o lastreamento original da linha. O uso do cascalho (chamado
pelos ferroviários de “seixo rolado”) do Rio das Mortes teria início em 1912,
segundo o Ministério de Viação e Obras Públicas, mesma ocasião em que foi
iniciada a troca dos trilhos de 17 kg/m (TR-17) de ferro (10% apenas era de
aço) pelos de 25 kg/m (TR-25), definitivamente de aço[4]. Essa renovação da via de
1912 foi considerada suficiente até a erradicação de quase toda a ferrovia em
bitola de 762 mm em 1983 (figura 2).
O uso de trilhos de
perfil acima de TR-25 nesta via traz dois problemas:
1. É um perplexo exagero.
Em bom português: desnecessário. O tráfego atual é o menor desde 1881 e o
material rodante não foi renovado no sentido de peso bruto/peso por eixo.
Resumindo: é uma ferrovia que em 1982 operava nos mesmos moldes de 1920 (ano de
aquisição das locomotivas mais “modernas” a rodar nesta linha;
2. Além de ser uma
descaracterização que atinge os termos do tombamento 1.185-T-85 e uma medida
exagerada para a condição operacional, reflete a destruição ou venda ilegal das
pilhas de trilhos de perfil TR-25 guardados como reserva técnica pela
RFFSA-SR-2/PRESERFE na porção traseira do pátio leste do complexo ferroviário de
São João del-Rei (figura 3).
Figura
1.
Via permanente no primeiro trecho (Sítio a São João del-Rei). Construído entre 1879
e 1881. Desenho de Welber Santos.
Figura 2. Via
permanente a partir da renovação iniciada em 1912. Desenho de Welber Santos.
Figura
3.
Trilhos em reserva técnica na porção traseira do pátio leste em São João
del-Rei. Foto de PRESERFE. Fonte: IPHAN. Processo de Tombamento DTC-SPHAN 1.185-T-85, f. 20.
Além da especificação dos
trilhos e dormentes, mais a quantidade de dormentes utilizada, é interessante
observar um item que nunca foi modificado, herança das técnicas de assentamento
de via permanente dos engenheiros virginianos da E. F. D. Pedro II: os pregos
de linha do tipo “asa de barata” e “cabeça-de-cachorro” (figuras 4 e 5).
Esses pregos,
desenvolvidos pela Tredegar Iron Works, de Richmond, especialmente para
a construção de ferrovias no Grande Caribe, sobretudo Cuba,[5] tornaram-se o padrão para
a maior parte das ferrovias das Américas e de inspiração ou influência
americana. Inicialmente projetados para o melhor assentamento de trilhos em climas
tropicais, esses pregos mostraram-se eficientes para uso em qualquer região. É
o que demonstra a persistência de seu uso ainda hoje como padrão nas linhas com
dormentes de madeira em todas as ferrovias dos Estados Unidos, Canadá e México,
o que inclui as oito class one (figura 6).
Figura
4.
Prego do tipo “asa de barata”. Fonte: DNIT. Procedimentos de Inspeção de
Materiais – PIMs: PIM 09 – prego de linha para fixação ferroviária. Brasília:
Contrato DIF/DNIT 127, 2008, pp. 8-9.
Figura 5. Prego do tipo “cabeça-de-cachorro”. Fonte: DNIT. Procedimentos de Inspeção de Materiais – PIMs: PIM 09 – prego de linha para fixação ferroviária. Brasília: Contrato DIF/DNIT 127, 2008, pp. 10-11.
No caso do patrimônio e a
arqueologia industrial e ferroviária, cabe perfeitamente o velho clichê
“conhecer para preservar”. As especificações de um sítio arqueológico
ferroviário demanda maiores cuidados técnicos para sua plena preservação e
respeito à historicidade.
Figura 6. Trecho da ferrovia classe um BNSF Railway em San Bernardino, Califórnia, 10 de dezembro de 2016. Notar o uso extensivo de pregos “cabeça de barata”. Foto de Craig Walker. Disponível em: <https://railpictures.net/photo/821075/>. Acesso em: 03/01/2023.
[1]
Consideraremos aqui a opção pela bitola larga desde o primeiro momento das
ferrovias. A Ferrovia do Aço, por exemplo, se exclui, devido a ser uma
continuidade do sistema ferroviário da antiga EFCB e inaugurada como parte da
RFFSA SR-3.
[2] LISBOA, Joaquim M. R. Apontamentos sobre a Estrada de Ferro
d’Oeste de Minas, Agosto de 1881. Rio de Janeiro: Typ. Soares &
Niemeyer, 1881, pp. 7-9.
[3] EFOM. Relatório da Directoria
da Estrada de Ferro de Oeste (Minas) Lido na Reunião da Assembléa Geral de
Accionistas: 29 de março de 1882. Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger &
Filhos, 1882, p. 33.
[4] CRL. Relatório do Ministério de
Viação e Obras Públicas de 1912. Disponível em: <https://bit.ly/3SbHzr9>. Acessado em:
22/09/2022.
[5] ROOD, Daniel B. “Wrought-iron politics: racial knowledge in the making of a Greater Caribbean railroad industry”. The Reinvention of Atlantic Slavery: technology, labor, race, and capitalism in Greater Caribbean. Nova Iorque: Oxford University Press, 2017, pp. 94-120.
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