A organização de museus realizada pelo PRESERVE na década de 1980 foi resultado da percepção de que havia um legado cultural proveniente das transformações nos meios de transporte. Sendo aquele um programa de estado, no âmbito do Ministério dos Transportes, percebe-se que, em algum momento, houve a preocupação por parte das instituições de poder em participar ativamente da defesa e preservação desse legado.
O programa, realizado, como é de praxe, com muitas dificuldades e de forma pouco profissional, contou com a boa vontade de um número reduzido de técnicos, entre engenheiros e arquitetos, principalmente, além dos funcionários locais onde foram implantados centros e museus.
A área que nos interessa diretamente, aqui, é referente ao transporte ferroviário. Sendo assim, nos concentraremos neste modal para analisar o processo pelo qual passaram nossos acervos.
No tocante à memória do transporte ferroviário, o PRESERVE dividiu o trabalho em dois grandes grupos, a. centros de preservação e b. núcleos históricos, todos no âmbito da Rede Ferroviária Federal S.A.[1].
Centros de Preservação da Memória Ferroviária
1. São João del-Rei, MG;
2. Recife, PE;
3. Fortaleza, CE;
4. Curitiba, PR;
5. Rio de Janeiro, RJ;
6. São Leopoldo, RS;
7. Paranapiacaba, SP
Núcleos Históricos
1. Belo Horizonte, MG;
2. Campos, RJ;
3. Juiz de Fora, MG;
4. Miguel Pereira, RJ;
5. Bauru, SP.
Não preciso dizer que é pouco. Creio que seja pouco porque o percentual de utilização da ferrovia na relação geral dos transportes terrestres é coisa decadente na segunda metade do século XX, chegando ao final deste com baixíssima participação no transporte de mercadorias, sendo em torno de 90% destinado ao movimento de commodities, principalmente para a agro exportação e a mineração. Não é novidade, para os minimamente informados, que as ferrovias perderam espaço de forma sistemática para as rodovias, com o cúmulo do processo representado pela extinção dos trens de passageiros em meados da década de 1990, período de execução do Plano Nacional de Desestatização (PND).
O abandono infligido ao sistema ferroviário como um todo é refletido não só na brutalidade dos dados sobre acidentes nas estradas pelo Brasil e o gargalo logístico que trava o escoamento da produção nacional, ele aparece também na forma como lidamos com o patrimônio ferroviário, enquanto bem cultural[2]. As consequências da atuação rapineira do estado de exceção, que podem ser encontradas nos projetos ocorridos dentro da RFFSA pós-1964, são incalculáveis, mas não difícil de perceber que se deram num esquema digno de um jogo de dominó. Da mesma forma, acho difícil desassociá-las do modelo empregado na privatização do serviço ferroviário ocorrido através do PND, sendo objeto de desestatização os sistemas da RFFSA e da FEPASA, esta última encampada pela primeira para a execução dos leilões. Sem contar as ferrovias da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), estradas de ferro Vitória a Minas (MG-ES) e Carajás (MA-PA), sistema que, apesar de federal, nunca fez parte da RFFSA, mas que teve sua privatização no âmbito da CVRD, processo dos mais obscuros no período 1996-99.
No tocante à primeira fase desse processo, lanço mão do trabalho de Dilma Andrade de Paula, em sua pesquisa realizada no programa de pós-graduação em história da UFF, segundo ela mesma, em um dos capítulos,
“ao tratar da tecno-burocracia engendrada durante o Regime Militar, analiso, em particular a atuação de Mário Andreazza, o primeiro a ocupar o cargo de Ministro da pasta dos transportes, criada em 1967. A atuação de Andreazza respondia, em primeiro lugar, à consolidação do padrão rodoviário automobilístico. Para isso, havia um estreito relacionamento com os setores privados da construção e do empresariado nacional. E, no campo da legitimação dos programas implantados, havia a constante divulgação das realizações de obras "públicas" nos diversos meios de comunicação. A análise detém-se, em particular, nos documentos oficiais, discursos e matérias publicadas nos periódicos especializados do setor.”[3]
Os dados levantados pela autora são bastante elucidativos sobre os rumos tomados pelo estado em relação aos transportes após o golpe civil-militar. Fica perceptível, na criação de novas instituições e no rumo tomado pela RFFSA, um projeto de redução do peso ferroviário no total da infraestrutura de transportes, pelo fato de que “... a ferrovia deixou de ser um projeto hegemônico no decorrer do desenvolvimento capitalista brasileiro, cedendo o lugar à rodovia, que, por sua vez, passa a ser o locus privilegiado de disputas dos setores dominantes em relação aos transportes de passageiros e de mercadorias”[4].
São João del-Rei, 1983, ferrovia desativada. Foto de Mário Arruda. Acervo de Janaina Arruda.
A patrimonialização, ou a museificação, da ferrovia na década de 1980 parece ter um sentido ambíguo, ou ambivalente. Ao contrário do discurso encontrado na documentação oficial sobre a criação dos centros, de que seriam instituições de reconhecimento da importância desses meios de transporte historicamente, me parece mais um esforço institucional do estado autoritário para se fazer parecer reconhecedor do legado por ele mesmo sucateado e, por outro lado, uma pequena vitória da sociedade civil inconformada com a dilapidação dos bens e as erradicações dos ramais ferroviários desde a década de 1960.
A duração do programa é curta. O PRESERVE dura de 1980, início do governo militar de João Figueiredo, a 1989, final do governo de José Sarney, primeiro após o fim do regime dos generais. Seu alcance é precário, como precária é a institucionalização dos meios educacionais e políticas culturais no período. Em parceria com o IPHAN, alguns centros de memória foram tutelados através do instituto do tombamento, como é o caso do Complexo Ferroviário de São João del-Rei, transformado pelo PRESERVE em “Centro de Preservação da História Ferroviária de Minas Gerais” nos meados da década de 1980.
A RFFSA fica responsável pelos centros de memória criados pelo PRESERVE, mal ou bem dá sequência ao projeto, minimamente, mantendo o acesso ao acervo dos centros e núcleos e o funcionamento dos trens de fim de semana, no caso de São João del-Rei/Tiradentes. Mas a década de 1990 e o PND, partido de uma política neoliberal em que há o desmanche da participação do estado na manutenção direta tanto dos meios de transporte em si, ênfase ao ferroviário, quanto aos bens culturais ligados ao MT.
A lógica de mercado transferida à administração dos bens culturais mostra-se das coisas mais danosas à manutenção, consolidação e sobrevivência dos centros. O resultado da privatização, sem consideração à importância dos meios de preservação da memória, e da extinção da RFFSA é o abandono dos centros e núcleos, sucateamento do acervo e rompimento do contato com a sociedade civil no tocante à manutenção dos bens e seu próprio reconhecimento como dado cultural, passando a ser visto e tratado simplesmente como kitsch.
O tombamento
Ao dia 3 de agosto de 1989 era encerrado o Processo DTC-SPHAN 1.185-T-85, com a inscrição no Livro do Tombo de Belas Artes, Vol.II, sob o número 596, à folha 18, e no Livro do Tombo Histórico, Vol.II, sob o número 528, às folhas 10 e 11, que tratava do tombamento federal do Complexo Ferroviário de São João del-Rei, os 12km de via férrea entre esta cidade e a de Tiradentes, mais a estação ferroviária da segunda[5], sítio localizado na microrregião Vertentes do Rio das Mortes, estado de Minas Gerais.
Ao ter acesso à documentação do referido processo, descobre-se que ele não era o único endereçado ao mesmo sítio[6]. Segundo consta à f.148, em 1983, a ABPF[7], entrara junto à SPHAN[8] com um pedido de tombamento bem mais abrangente, o qual contemplava os 200km de via férrea entre as estações de Antônio Carlos, MG[9] e de Aureliano Mourão[10], em que o Complexo Ferroviário de São João del-Rei era a sede administrativa e operacional (depósito e escritório) de toda essa linha, mais a rotunda de Ribeirão Vermelho, já em situação de ruína. O processo de tombamento DTC-SPHAN 1.096-T-83 tinha como objeto todos os bens móveis, imóveis e integrados e o mote para sua provocação era a desativação, naquele momento, de toda a referida estrada de ferro, trecho original da E. F. Oeste de Minas[11], construído entre 1879 e 1885.
Sem investimentos maiores, que ultrapassassem a manutenção básica do funcionamento, o trecho de 200km da antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas, em 1980, era considerado como uma espécie de ‘ferrovia museu’ em funcionamento comercial. Por sua peculiar característica de funcionamento em moldes reconhecidos como “arcaicos”, pela utilização de locomotivas a vapor e vagões de madeira, característicos do final do século XIX e início do XX[12], era constantemente objeto de observação de fotógrafos e cinegrafistas estrangeiros[13]. John Kirchner, jornalista de revista de grande circulação nos EUA, é o responsável por uma pequena matéria na revista Trains sobre, exatamente, este aspecto, publicada em 1981, pouco antes da desativação.
São João del-Rei, estação ferroviária, 1976. Foto de Jim Livesey.
São João del-Rei. Trem “turístico” especial fretado por estrangeiros, linha do “sertão”, 1976. Foto de Benito Mussolini Grassi.
O processo de decadência[14], por um lado, por via dos projetos de erradicação das vias férreas[15] ocorridos entre as décadas de 1960 e 80, transforma-se, por efeito do combate da sociedade civil[16], em projeto de restauro dos bens culturais oriundos do desenvolvimento tecnológico das indústrias e dos transportes.
Entendemos que os esforços da ABPF e do PRESERVE, em dois momentos muito próximos – a primeira ao tentar barrar a erradicação da ferrovia (1983) e o segundo reconstituindo o espaço preservado após a erradicação - carecem de estudos de cunho interdisciplinar devido à riqueza dos desdobramentos possíveis no tocante à grande área dos estudos patrimoniais, principalmente no tangente à disciplina denominada “arqueologia industrial”[17], dentro do campo do patrimônio industrial. Fica evidente que esses esforços, seja pela intenção explícita ou implícita, são parte de uma noção, velada ou não, de preservação do patrimônio industrial e que está conectada a um esforço por reconhecer, mesmo que sem grandes estudos, esse legado industrial como bem cultural em sentido lato.
Em 1981, o PRESERVE criou o Museu Ferroviário de São João del-Rei[18] e, no decorrer da década de 1980, ampliou o número de centros de memória relacionados aos transportes. Juntamente com a criação dos dezenove centros de memória, núcleos e museus, o PRESERVE atuou no sentido de enviar, às instituições públicas de preservação do patrimônio, pedidos de tombamento de bens móveis, imóveis e integrados, selecionados entre os considerados de maior expressividade.[19]
São João del-Rei. Rotunda demolida em 1972. Foto de Benito Mussolini Grassi.
São João del-Rei. Rotunda em reconstrução, 1984. Foto de PRESERVE.
O que levaria à fundação dessas instituições? Que contexto é esse em que há clara necessidade de haver esforços para preservação de bens culturais dos meios de transporte? Como isso tem acontecido em outros lugares do globo e que influências pode haver dos programas estrangeiros?
Até mesmo o ICOMOS/UNESCO inseriu o tema como uma de suas pautas, em que se pode observar que há uma lista com sítios ferroviários como patrimônios mundiais[20]. Porém, não há entre os sítios do ICOMOS nenhum representante da América Latina, apesar do potencial que se possa encontrar em pelo menos dois de nossos complexos ferroviários preservados, pela sua significação cultural extrapolar os limites nacionais, pela sua importância histórica nas relações entre desenvolvimento brasileiro e uso de tecnologia e mão-de-obra internacional. Somado a isso, para além do reconhecimento oficial dos sítios e dos trabalhos, há um número considerável de sítios e ações de preservação de estações, oficinas, pontes, viadutos[21], complexos ferroviários, etc. e, ainda, do restauro e operação de maquinário considerado “histórico”, o que pode ser visto no Brasil através das atividades da ABPF e entidades semelhantes[22].
Um dos princípios da preservação, e a consequente institucionalização dos meios preservacionistas e entidades de memória, é o caráter do reconhecimento das coisas como documentos, pelo princípio monumental[23]. Para além de seu papel primordial, como meio de transporte, a estrutura ferroviária e o mundo do trabalho que a cerca, é objeto de observação e análise por parte dos instrumentos de construção do saber, tanto pelo aspecto processual próprio da história quanto pela metodologia do campo maior do restauro[24], enquanto lugares de memória e ou bens reconhecidos como patrimônio, da forma como o entendemos dentro dos princípios enunciados na Carta de Nizhny Tagil[25].
Apesar do aparecimento de preocupações com a “preservação do legado da indústria” ser objeto evidente já no século XIX, é a década de 1950 o marco para o reconhecimento do legado da industrialização, da qual faz parte o sistema de transporte, como digno de fazer parte dos bens de valor histórico de maneira sistematizada[26]. Talvez, por isso, vemos a ferrovia como um dos temas de maior relevância para o campo do patrimônio industrial, já que muitas vezes, além da própria atividade das oficinas de manutenção, ainda se configuram como um ambiente de produção das próprias máquinas[27], lugar de práticas e saberes especializados e agregação e congregação de pessoas e seus saberes[28]. Neste sentido, uma boa síntese é encontrada nas palavras de Leonardo Mello e Silva:
“Uma vez que se detém sobre máquinas, equipamentos, instalações e imóveis onde se processou a produção industrial, o patrimônio industrial é também a recolha e o tratamento de um patrimônio técnico de uma sociedade e de uma comunidade, e esse processo está sempre em transformação. Nesse sentido, o patrimônio industrial permite a elucidação da transmissão de um saber técnico. Ele permite estabelecer, hoje, um elo entre as formas de produzir - o que envolve homens/mulheres e máquinas - e a cultura. (...) Portanto, se pensarmos em uma história da tecnologia que incorpore não apenas a máquina ou o equipamento em si, mas a sua distância ou proximidade diante do elemento humano da operação, o patrimônio industrial tem muito a contribuir. O ‘mapeamento’, nesse caso, teria de se ampliar.”[29]
Parte desse desenvolvimento humano, da técnica e dos ofícios, a arquitetura ganhou novos materiais e formas com o desenvolvimento industrial acelerado no século XIX, o que teve impactos diretos na ampliação das velocidades dos meios de transportes, a reconfiguração da noção de tempo e uma nova forma de construir grandes edifícios, como é o caso das estações ferroviárias, especialmente as dos grandes e médios centros urbanos, estações de grande porte, geralmente com grandes gares. Nesse sentido teria havido até mesmo um impacto no que se refere à arquitetura moderna, por influência dos novos materiais empregados nas edificações, tais como o ferro e o aço, o que permitiu definitivamente a construção dos chamados arranha-céus (skyscrapers), que vieram a dominar a construção civil no tocante a prédios públicos e executivos.
“Another major force in the creation of the idea of modern architecture was the Industrial Revolution. This created new patrons, generated new problems, supplied new methods of construction (e.g. in iron), and suggested new forms. (…) At a deeper level still industrialization transformed the very patterns of life in country and city and led to the proliferation of new buildings tasks – railway stations, suburban houses, skyscrapers – for which there was no obvious convention or precedent. (…) The infrastructures of railways and steamship lines modified relations of space and time, changed the whole concept of place, and permitted new division of labour. (…) The railway which permitted such concentrations of goods and people was both fact and symbol: it caused change but also represented it.”[30](grifos meus)
Da mesma maneira, pode-se, através de uma pesquisa calcada em estudo de caso – lembrando que ela tem como objeto as transformações de um dado espaço em seus conceitos e funções através da história – perceber as noções de processo, de transformação e/ou manutenção dos variados tempos e noções de tempo, em que a arquitetura mostra-se como legítima fonte de análise, base documental de discussão sobre uma forma de “pensar com a história”. Neste sentido, cabe pensar, por exemplo, em nosso oitocentos, em que as cidades ditas coloniais, como é o caso de São João del-Rei, vive entre a herança portuguesa e o discurso de sua elite econômica e política[31] – que se confundem – sobre a necessidade de dotar a região com o “progresso” das novas técnicas de um novo mundo industrial, mas sem perder a conexão com um passado colonial[32].
“A mio avviso il fatto che nell’Ottocento l’architettura urbana non riuscisse a sviluppare um proprio stile autonomo, riflette il deciso orientamento al passato della borghesia cittadina. Se costruire stazioni ferroviarie, ponti e fabbriche in un nuovo stile funzionale era possibile, perché le abitazioni e gli edifici di rappresentanza erano concepiti esclusivamente in stili architettonici antecedenti al Settecento? A Londra anche le stazioni ferroviarie esibivano stili del passato: la Euston Station riproponeva nella sua facciata l’antica Grecia, St. Pancras il medioevo, Paddington il rinascimento. Questo storicismo esprimeva l’incapacità dei cittadini sia di accettare il presente che di concepire il futuro in termini diversi da una semplice rivisitazione del passato. I costruttori della città nuova, poco propensi ad affrontare direttamente la realtà della propria operazione, non trovarono alcuna forma estetica per esprimerla. (...) Sia John Ruskin che William Morris si confrontarono con questo problema. Entrambi in cerca di una soluzione più adeguata ai dilemmi della modernità industriale, passarono da un estetismo storicista al socialismo, dalle classi alle masse. In questo modo si riconciliarono un po’ con l’industrialismo moderno e la città.”[33]
Toda essa influência da Revolução Industrial, o desenvolvimento técnico e impactos culturais, como a mudança de hábito no uso de novos utensílios, de novos meios de transporte, de acesso à informação, de possibilidades de deslocamentos mais rápidos, entre outros, são objetos da proteção e da teorização a respeito do sentido que pode ter o patrimônio industrial. Para além da especificidade da recente Carta de Nizhny Tagil, a utilização da Carta de Veneza[34] como parâmetro-mor para a defesa e conservação dos bens culturais é vista constantemente nos documentos oficiais, como é o caso do livro de Maria Elisa Carazzoni, no qual a autora relata o trabalho realizado pelo PRESERVE entre 1980 e 1989, em que a Carta de Veneza encontra-se entre os anexos como documento fundamental nos preceitos e operação do programa[35].
Entre as possibilidades e a forma de atuação das entidades, há outro universo aberto à análise, referente à distância entre os esforços teóricos e as execuções[36]. Carta de Veneza, Carta de Washington[37], Carta de Burra, Carta de Nizhny Tagil, entre outros documentos internacionais no âmbito do ICOMOS, são de grande interesse para o desenvolvimento deste trabalho no sentido de suporte de conhecimento sobre o sentido tomado institucionalmente a respeito da proteção do ambiente monumental. Seguindo no mesmo sentido, ao pensar no significado passado e no significado presente dos bens através do reconhecimento do processo aos quais eles pertencem, o que inclui a mesma lógica de “articulação de variados domínios do saber”.
Ao se falar em patrimônio ferroviário, há, automaticamente, que se falar no desenvolvimento da ferrovia e sua expansão, principalmente durante a segunda metade do século XIX e primeiras décadas do XX[38], além da crescente indústria ferroviária pela Europa e pela América e sua influência e conexão com a expansão dos trilhos pelos países chamados “subdesenvolvidos”, por uma relação comercial de compra de tecnologia e absorção de mão de obra especializada[39]. Tal fenômeno, calcado em razões várias, tais como insuficiência e ônus dos transportes pré-ferroviários ou o discurso de “progresso e melhoramentos”, e iniciado ainda no período da regência de Diogo Feijó[40], transformou-se em planos de viação que levaram à abertura de várias concessões nos âmbitos nacional e provincial/estadual, o que não indicou haver planos para a industrialização de bens de capital que atendesse à demanda ferroviária – não pelo menos durante o século XIX –, sendo a maior parte dos equipamentos, além dos engenheiros e profissionais de “maior valor agregado”, vindos da Europa e dos Estados Unidos[41]. Talvez a grande exceção, mas já no século XX, seja a Companhia Trajano de Medeiros, que forneceu quantidade razoável de carros e vagões para ferrovias nacionais, entre elas, a própria Estrada de Ferro Oeste de Minas[42]. Entretanto, conforme verificamos através do acervo do museu ferroviário de São João del-Rei, a origem da maior parte dos equipamentos e veículos de linha é proveniente de fabricantes europeus e norte-americanos[43].
A Estrada de Ferro Oeste de Minas, que passou por várias fases administrativas entre sua fundação como empresa de capital privado, autarquia federal, arrendada ao governo mineiro, devoluta à União e, finalmente, parte da RFFSA, mostra-se como microcosmo da ferrovia no Brasil, desde o surto oitocentista até a decadência e ruína da segunda metade do século XX. De símbolo de progresso, dos documentos oficiais e periódicos do historicista século XIX, a ruína, transformada em um símbolo nacional ao final do século XX.
Mas fica mesmo a pergunta: é bem cultural ou apenas mais uma mercadoria?
São João del-Rei, 2011. Foto de Bruno Campos.
São João del-Rei, 2011. Foto de Bruno Campos.
São João del-Rei, 2011. Foto de Bruno Campos.
São João del-Rei, 2011. Foto de Bruno Campos.
Museu ferroviário, sem manutenção há mais de dez anos. São João del-Rei, 2011. Foto de Bruno Campos.
A (administração) privada
Há um, velado pero no mucho, esforço por retirar esse legado do âmbito de seu valor cultural, aquele definido ainda na década de 1980 quando a Carta de Veneza passou a ser uma referência oficial à sua preservação.
Percebe-se um deslocamento de valores na atuação sobre bens culturais. Repensando, percebe-se que os princípios que norteiam a preservação do patrimônio cultural no âmbito do IPHAN, instituição federal brasileira que segue – partindo do pressuposto de que os estados signatários das cartas internacionais da UNESCO as seguem – os princípios internacionais definidos pelo ICOMOS.
A manutenção da presença irregular da Vale (antiga CVRD) como responsável pela administração do centro, mesmo com todas as evidências de sua atuação nociva à preservação do bem, me parece característico deste caso a força política da mega empresa, que impede, ao que os fatos (ou a ausência deles) indicam, a própria atuação das instituições fiscalizadoras. Neste caso, o IPHAN como responsável pela preservação dos bens culturais e o MPF pelo seu poder de atuação jurídica quanto ao bom encaminhamento do zelo pelos bens públicos federais.
A privatização no caso do Complexo Ferroviário de São João del-Rei acontece em dois níveis: a. pela administração de um bem público por uma empresa privada; b. pela mudança no acesso do público ao espaço do complexo, em que as restrições se ampliaram sobremaneira. Projetado há trinta anos para ser todo o seu perímetro, espaço, partições, módulos, edificações, prédios, pátios, parte de visitação e acesso ao acervo, tendo sido desta maneira praticado até 1996, é, no mínimo, digno de nota que as pessoas não possuam mais esse acesso a um bem que foi configurado para tal.
O processo de privatização da malha ferroviária desconsiderou, em toda a sua magnitude, o destino dos bens culturais administrados/mantidos pela RFFSA, não estando os mesmos contemplados da maneira adequada (na verdade, de maneira nenhuma) nos contratos de arrendamento e concessão. É o caso do Sistema Funicular de Paranapiacaba, que não está entre as responsabilidades da MRS Logística S.A., e do Complexo Ferroviário de São João del-Rei, que não estava sob as responsabilidades da FCA S.A.
A permanência da FCA S.A. até o presente momento (hoje são 13/10/2013) em São João del-Rei se dá por força de um termo de uso precário, assinado em 2004, sendo sua permanência administrativa na cidade apoiada em absolutamente nada de 1996 a 2004, de forma um tanto mais agressiva e danosa entre 2001 e 2004, período em que ocorreram as maiores descaracterizações, dilapidações e ações de cunho estritamente pragmático, desconsiderando os valores histórico e cultural do sítio e seu acervo. Fato não surpreendente se lembrarmos o ocorrido com o pátio ferroviário do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, que teve parte monumental de seu espaço cedido para a construção de um estádio de futebol, hoje de propriedade do clube Bota Fogo, resultado de uma transação de nome que não sei pronunciar.
O inquérito aberto pela procuradoria da república para averiguar as irregularidades e tomar as providências cabíveis “na forma da lei” não resultou em qualquer dado efetivo de punição aos responsáveis, apesar de toda sorte de evidências físicas e documentais.
Estranhamente, neste ano (2013) houve uma tentativa de municipalização do legado ferroviário do município, em que o ato se daria sem a subtração da FCA S.A./VLI, através de uma parceria (tão irregular quanto à presença de dezessete anos da empresa) chamada de “administração compartilhada” que, devido à morosidade costumeira de nossas instituições, parece impedida tanto pela ilegalidade da coisa quanto pelo fato de que a Inventariança da RFFSA, responsável principal pelos bens da extinta estatal juntamente com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), ainda não definiu o destino desse legado que, segundo a Lei 11.483 de 31 de maio de 2007, deveria ser o IPHAN.
Aguardamos, sem muitas expectativas e nem esperanças, novos desdobramentos (ou não).
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[1] CARAZZONI, Maria Elisa. Programa de Preservação do Patrimônio Histórico do Ministério dos Transportes. Rio de Janeiro: PRESERVE-MT, 1989.
[2] Bens culturais: “Procura-se (...) enfatizar que a preservação de bens culturais, como começou a ser entendida principalmente a partir de finais do século XVIII, fundamenta-se em razões culturais num sentido lato – pelos aspectos estéticos, históricos, educacionais, memoriais e simbólicos – científicas – pelo conhecimento que essas obras trazem em vários campos do saber, tanto para as humanidades quanto para as ciências naturais – e éticas – que direitos temos de apagar os traços de gerações passadas e privar as gerações futuras da possibilidade de conhecimento de que esses bens são portadores –, voltando-se às variadas formas de expressão do fazer humano. Diferencia-se, pois, de ações de cunho prático que prevaleceram para qualquer obra legada por outras épocas até que a preservação se consolidasse como ato de cultura, quando se passou a dar uma atenção distinta a determinados tipos de bem nos quais se reconhecia um significado cultural.” KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2009, p.30.
[3] PAULA, Dilma Andrade de. Fim de Linha: A extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina, 1955-1974. Niterói, RJ, UFF, 2000, p.121.
[4] Idem, 124.
[5] Ofício nº 430/89 de 4/12/1989, de Ítalo Campofiorito, presidente da SPHAN (atual IPHAN) em comunicado à RFFSA. Processo de Tombamento DTC-SPHAN 1.185-T-85, ff.218-19.
[6] “Sítio significa lugar, área, terreno, paisagem, edifício e outras obras, grupo de edifícios ou de outras obras, e pode incluir componentes, conteúdos, espaços e vistas.” ICOMOS. Carta de Burra. Artigo 1º. 1999. URL: http://5cidade.files.wordpress.com/2008/03/carta-de-burra.pdf. Visitado em 25/07/2013.
[7] Associação Brasileira de Preservação Ferroviária, fundada em 1977.
[8] Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
[9] Entroncamento com a antiga E. F. Dom Pedro II, E. F. Central do Brasil a partir de 1889.
[10] Arraial do município de Bom Sucesso, MG.
[11] A Estrada de Ferro Oeste de Minas foi uma companhia de estrada de ferro fundada em São João del-Rei, MG, em 1877. Criada a partir de uma concessão provincial de 1872, outorgada a José de Resende Teixeira Guimarães e Luiz Augusto de Oliveira pelo presidente da província de Minas Gerais, Joaquim Floriano de Godoy, através da Lei nº 1914. Tendo por principais acionistas a Elie mercantil da região, tinha como principal razão de ser o transporte de mercadorias para atender ao mercado interno, conectando o oeste de Minas à Estrada de Ferro Dom Pedro II (Central do Brasil a partir de 1889), consequentemente, à corte do Rio de Janeiro. Após o processo de falência, em 1898, foi aberta hasta pública em 1903 para venda da companhia, o que não se efetivou devido à ausência de interessados, ficando a companhia sob administração federal. Em 1931, a União cedeu a E. F. Oeste de Minas (que já administrava a E. F. Paracatu), juntamente com a Rede Sul Mineira, também federal, em arrendamento para o governo do Estado de Minas Gerais, para a criação da Rede Mineira de Viação. Em 1953, em acordo com o governo de Getúlio Vargas, o governo estadual de Juscelino Kubitschek rompe o contrato de arrendamento e devolve a RMV à União. Juntamente com mais dezessete outras estradas de ferro federais, a RMV é incorporada à, então criada, Rede Ferroviária Federal S.A., autarquia federal que unificaria administrativamente todas as ferrovias da União, exceto a Estrada de Ferro Vitória Minas, integrante da Companhia Vale do Rio Doce. Em reorganização interna, a RMV é fundida às estradas de ferro Goiás e Bahia Minas, em 1965, formando a Viação Férrea Centro-Oeste, 5ª Divisão da RFFSA. Em 1975, a RFFSA, em reorganização geral de suas ferrovias, as divide em superintendências regionais, em que a VFCO passa a integrar a Superintendência Regional 2, ou, simplesmente, SR-2. Apesar dessas rupturas administrativas, a ferrovia original, ou seja, os trechos de construção mais antiga, pouco foram afetados tecnicamente, devido à bitola da via, de 0,76m (2 pés e 6 polegadas), frutos dos contratos de concessão provinciais das décadas de 1870 e 1880. Os trechos ferroviários da E. F. Oeste de Minas construídos a partir do contrato de concessão denominado “Estrada de Ferro Barra Mansa a Catalão”, de 1890, impedia a continuação do uso da bitola anterior, sendo parte das cláusulas a obrigatoriedade da construção em bitola de 1,00m, o que acabou gerando a existência, na prática, de duas ferrovias distintas, com vias e materiais rodantes separados. Com isso, a malha em bitola de 0,76m, que chegou a ter 700km de extensão entre o vale do Rio das Mortes e o do Rio São Francisco, diferentemente da construída em bitola de 1,00m, não foi contemplada com as “modernizações” do inventário de material rodante, se distinguindo do restante da rede pela peculiaridade de se manter uma ferrovia movida a vapor até a erradicação final em 1983, da qual sobrou apenas 12km de linha entre São João del-Rei e Tiradentes, onde funciona a “Maria Fumaça” apenas como atração cultural desde 1983, como parte do “Centro de Preservação da Memória Ferroviária de Minas Gerais”. Cf. SANTOS, Welber. A Estrada de Ferro Oeste de Minas: São João del-Rei (1877-1898). Mariana, MG: ICHS/UFOP, 2009; MAIA, Andréa Casa Nova. Encontros e Despedidas: história de ferrovias e ferroviários de Minas. Belo Horizonte: Argumentum, 2009; MOREIRA, Danielle Couto. Arquitetura ferroviária e industrial: os casos das cidades de São João del-Rei e Juiz de Fora (1875 - 1930). São Carlos : Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 2007.
[12] Relatório da RFFSA, 1978; RFFSA. Relação de bens móveis do Complexo Ferroviário de São João del-Rei. Carta nº067/ERBEL/2003, destinada ao IPHAN.
[13] Ron Ziel, Jim Livesey, Charles Small, Michael Eagleson, James Waite, Herbert Graf, John Kirchner, entre outros, são alguns dos responsáveis pelos registros dos últimos anos de atividade da E. F. Oeste de Minas, muito devido à atração pela peculiaridade da manutenção de uma tecnologia já em desuso.
[14] “Os termos latinos que melhor exprimem a idéia de decadência são muito concretos: labes e ruina, ‘queda’ e ‘ruína’. A palavra ‘decadência"’ aparece na Idade Média sob a forma latina decadentia, em condições ainda pouco esclarecidas. Como Starn (1975) e Burke (1876) demonstraram, o campo semântico da idéia de decadência, entre o século XV e o século XVIII, foi ocupado por toda uma série de termos mais ou menos semelhantes, em obras escritas num latim entremeado de elementos antigos, medievais e humanistas: declinatio e inclinatio, sinônimos de submissão e desmoronamento; decadentia, lapsus e vacillatio, que invocam a instabilidade ou queda; eversio ou conversio, com o sentido de viragem, assumindo uma tonalidade pejorativa com perversio ou subversio, e, ainda, no sentido de corrupção moral, a corruptio. No latim clássico, inclinatio (de onde nascerá declin, ‘declínio’) é o termo que parece prevalecer: em Cícero e em Salústio, encontramos a expressão inclinata res publica, ‘o declinio do Estado’.” LE GOFF, Jacques. “Decadência”. In: História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1990, p.375.
[15] Cf. PAULA, Dilma Andrade de. Fim de Linha: A extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina, 1955-1974. Tese de doutorado em História. Niterói: UFF, 2000.
[16] O referido Processo DTC-SPHAN 1.196-T-83.
[17] Síntese do interesse da expressão feita por Beatriz Mugayar Kühl: “A arqueologia industrial interessa a várias áreas do conhecimento, em especial às humanidades, estando ligada à antropologia, à sociologia e à história – social, do trabalho, econômica, das ciências, da técnica, da engenharia, da arte, da arquitetura, das cidades etc. Pode ser entendida como o esforço multidisciplinar – de inventários, de registro, de pesquisas histórico-documentais e iconográfica, de entrevistas, de levantamento métrico e análises de artefatos e de edifícios e conjuntos e de sua transformação no decorrer do tempo, de seus materiais, de suas estruturas, de suas atuais patologias, de sua inserção na cidade ou território, de sua forma de ligação com os variados setores da sociedade, de suas formas de recepção e percepção, e sendo reconhecidos como bem cultural, de projeto de restauração – para se estudar as manifestações físicas, sociais e culturais de formas de industrialização do passado, com o intuito de registrá-las, revelá-las, preservá-las e valorizá-las. Estudos dessa natureza alcançam maior profundidade se forem realizados esforços consistentes e constantes pelos variados domínios do saber de maneira articulada.” KÜHL, Beatriz Mugayar. “Algumas questões relativas ao patrimônio industrial e à sua preservação”. Patrimônio: revista eletrônica do IPHAN. URL: http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/materia.php?id=165. Visitado em 13/12/2012.
[18] Cf. RFFSA. Museu Ferroviário de São João del Rey – 1º Centenário da Estrada de Ferro Oeste de Minas, 1981. Rio de Janeiro, 1981; CARAZZONI, Maria Elisa. Programa de Preservação do Patrimônio Histórico do Ministério dos Transportes. Brasília: PRESERVE, 1989.
[19] Op. Cit. CARAZZONI, 1981, pp.74-77.
[20] Cf. COULLS, Anthony. Et.all. Railways As World Heritage Sites. Paris: ICOMOS, 1999.
[21] Um exemplo que pode ser indicado aqui é o caso da West Side Improvement, popularmente chamada de High Line, uma grande estrutura ferroviária suspensa, construída a partir de 1929 e inaugurada em 1934 pela New York Central Railroad. Na década de 1950 ocorreu um aumento significativo do transporte rodoviário interestadual, o que levou a um decréscimo de mesma proporção na demanda pelo transporte ferroviário. Em Manhattam, o primeiro impacto na West Side Improvement foi a demolição da porção sul do elevado. O último trem a passar pela High Line foi um pequeno cargueiro carregado de frozen turkeys em 1980. O abandono da estrutura, depois de anos sem mais passar trens, levou ao projeto de demolição devido à especulação imobiliária, sendo aquele trecho encontrado em área de alto valor de terra por m². Entretanto, uma associação criada com o intuito de preservação daquele monumento obteve sucesso e, logo, a CSX Transportation cedeu a via suspensa à entidade. Cf. http://www.thehighline.org , acessado em: 06/08/2013.
[22] RIBEIRO, Suzana Barreto. Na Linha da Preservação: o leito férreo Campinas – Jaguariúna. Campinas, SP: Direção Cultura Campinas, 2007.
[23] Cf. LE GOFF, Jacques. “Documento Monumento”. In: História e Memória. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2003, pp.525-541; “Outra diferença fundamental observada por A. Riegl, no começo do século XX: monumento é uma criação deliberada (gewollte) cuja destinação foi pensada a priori, de forma imediata, enquanto o monumento histórico não é, desde o princípio, desejado (ungewollte) e criado como tal; ele é constituído a posteriori pelos olhares convergentes do historiador e do amante da arte, que o selecionam na massa dos edifícios existentes, dentre os quais os monumentos representam apenas uma pequena parte. Todo objeto do passado pode ser convertido em testemunho histórico sem que para isso tenha tido, na origem, uma destinação memorial. De modo inverso, cumpre lembrar que todo artefato humano pode ser deliberadamente investido de uma função memorial. Quanto ao prazer proporcionado pela arte, tampouco é apanágio exclusivo do monumento.” CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade/Ed. Unesp, 2001, pp.25-6.
[24] Conhecer os bens pelos seus aspectos construtivos, históricos (técnica construtiva, estilo arquitetônico, modificações e adaptações realizadas através dos tempos), sociológicos (instituições envolvidas), antropológicos (comunidades e profissionais envolvidos), econômicos.
[25] TICCIH. Carta de Nizhny Tagil. URL: http://www.ticcih.org/pdf/NTagilPortuguese.pdf. Acessado em: 15/07/2013. Esta é a carta sobre o patrimônio industrial aprovada em assembléia geral do TICCIH (The International Committee for the Conservation of Industrial Heritage), que é o consultor especial do ICOMOS (International Council on Monuments and Sites) para esta categoria de patrimônio, realizada em Nizhny Tagil, Rússia, em 17/07/2003.
[26] Para maiores detalhes dessa questão, cf. KÜHL, Beatriz Mugayar. “Conceitos ligados à arqueologia industrial, arquitetura industrial e restauração”. In: Op.cit. KÜHL, 2008, p.37-115.
[27] Cf. FRANCISCO, Rita de Cássia. As oficinas da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro: Arquitetura de um complexo produtivo. Dissertação (Mestrado). São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, 2007.
[28] O filósofo alemão Martin Heidegger discute o sentido de habitar, no que nos leva a pensar no sentido de estar no mundo em suas variadas formas: “Em oposição ao cultivo, construir diz edificar. Ambos os modos de construir – construir como cultivar, em latim, colere, cultura, e construir como edificar construções, aedificare – estão contidos no sentido próprio de bauen, isto é, no habitar. No sentido de habitar, ou seja, no sentido de ser e estar sobre a terra, construir permanece, para a experiência cotidiana do homem, aquilo que desde sempre é, como a linguagem diz de forma tão bela, ‘habitual’.” HEIDEGGER, Martin. “Construir, habitar, pensar” In: Ensaios e Conferências. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2008, p.127.
[29] MELLO E SILVA, Leonardo. “Patrimônio Industrial: passado e presente”. Patrimônio - Revista Eletrônica do IPHAN. URL: http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/materia.php?id=164. Acessado em: 15/07/2013.
[30] CURTIS, William J. R. Modern Architecture Since 1900. London; New York: Phaidon Press, 2011, passim.
[31] Os concessionários e a principal base de acionistas eram representantes da elite mercantil da região da Comarca do Rio das Mortes, sediada por São João del-Rei, cidade de maior expressão econômica da província de Minas Gerais no século XIX. Cf. GRAÇA FILHO. Afonso. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais: São João del-Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002.
[32] Op.cit. SANTOS, 2009.
[33] SCHORSKE, Carl E. Pensando con la Storia: saggi sulla modernità. Roma: Bonnano Edirore, 2009, p.70.
[34] ICOMOS. Carta de Veneza. URL: http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=236. Acessado em: 15/07/2013.
[35] Op.cit. CARAZZONI, 1989, pp.103-104.
[36] Sobre a atuação dos órgãos de proteção ao patrimônio, cf. CUNHA, Cláudia dos Reis e. Restauração: Diálogos entre teoria e prática no Brasil nas experiências do IPHAN. 2010. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. À página 16, a autora tece uma observação bastante pertinente: "O conjunto [dos] estudos revela que a problemática da proteção do acervo cultural brasileiro está na ordem do dia em muitos campos disciplinares e se consolidou efetivamente como questão. Todavia, a despeito da efetiva preocupação com a preservação do patrimônio brasileiro, quer seja entre um público amplo, quer se refira aos meios especializados, pouca atenção tem sido dispensada aos métodos de intervenção aplicados sobre esses bens escolhidos como memória a ser preservada. Percebe-se um grande descompasso entre as recorrentes discussões a respeito da necessidade de se preservar a memória em suas diferentes formas e manifestações frente à quase inexistência de debates sobre os meios operacionais para a preservação, não se está pensando exclusivamente nas questões técnicas, na escolha de materiais e de procedimentos, mas, sobretudo, nos princípios teóricos que embasam (ou deveriam embasar) a escolha deste ou daquele procedimento, desta ou daquela técnica aplicada sobre um determinado bem cultural" (grifos meus).
[37] No caso específico desta pesquisa, interessante relatar que São João del-Rei é uma das várias cidades contempladas com tombamentos de conjuntos urbanos pelo SPHAN (Processo 0068-T- 38), por serem reconhecidas como “cidades históricas”, ligadas ao ciclo do Ouro e da formação urbana da Capitania de Minas Gerais. É interessante apontar como a ferrovia, fenômeno do final do século XIX, gera notável impacto em todo o ambiente urbano herdado das primeiras décadas do século XVIII.
[38] Cf. BAPTISTA, José Luiz. “O surto ferroviário e seu desenvolvimento” In: Separata dos “Anais” do Terceiro congresso de História Nacional (VI Volume), publicação do Instituto Histórico. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942, pp.430-586
[39] Cf. Op.cit. BAPTISTA, 1942; SUMMERHILL, William. Order Against Progress: government, foreign investiment, and railroads in Brazil, 1854-1913. Stanford, CA: Stanford University Press, 2003; LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo: EDUSP, 2012.
[40] SANTOS, Welber. A Estrada de Ferro Oeste de Minas: São João Del-Rei (1877-1898). 2009. Instituto de Ciências Humanas e Sociais/UFOP. Mariana, MG, p.63.
[41] Cf. Op.cit. BAPTISTA, 1942; EL-KAREH, Almir Chaiban. Filha Branca de Mãe Preta: A Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II, 1855-1865. Petrópolis, RJ: Vozes, 1982; SANTOS, Welber. A Estrada de Ferro Oeste de Minas: São João del-Rei (1877-1898). 2009. Dissertação de Mestrado. Instituto de Ciências Humanas e Sociais/UFOP, Mariana, MG; Op.cit. LAMOUNIER, 2012.
[42] “Precisando ampliar suas instalações, adquiriu, no Engenho de Dentro, um grande terreno com a superfície de 440.000m², no qual havia um precioso galpão metálico com 300m de comprimento por 25m de largura, onde funcionava a Companhia de Curtumes de São Lázaro, adquirido na Exposição Universal de Paris e que serviu como parte do “Palácio das Indústrias”, um dos muitos complexos montados na área da grande exposição parisiense do século XIX. No mesmo terreno existiam várias construções de menor valor, mas o local oferecia preciosas vantagens para a implantação de uma grande fábrica de material rodante. De fato, de um lado passava as linhas da EFCB [Estrada de Ferro Central do Brasil], de outro a Linha Auxiliar e a E. F. Rio D’Ouro, e finalmente as linhas de tramways da Companhia Light & Power. (...) Foi neste local, em 1907, que Trajano projetou o estabelecimento da indústria com mapa garantido para qualquer desenvolvimento futuro. No antigo galpão metálico da Companhia São Lázaro foram instaladas todas as oficinas de trabalhos em fundição de ferro e bronze, máquinas, ferraria e caldeiraria, fabricação de porcas e parafusos e o almoxarifado. Em um outro galpão também metálico, construído especialmente para execução dos trabalhos em madeira, foram instaladas as oficinas de serraria e carpintaria. Mais 12 galpões de madeira foram construídos em separado para a montagem e pintura dos vagões. A força motriz era fornecida por uma usina a vapor própria, onde eram aproveitados os restos de madeira da fábrica, e por uma estação transformadora da Companhia Light & Power.” RODRIGUEZ, Hélio Suevo. A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: o resgate da sua memória. Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2004, p.27.
[43] A Inglaterra é, pela sua condição de espaço originário de tal tecnologia, o primeiro fornecedor de material rodante e mesmo de técnicas e princípios arquitetônicos e de construção de via permanente (Cf. BATISTA, 1942, passim, especialmente o capítulo destinado à E. F. Dom Pedro II/Central do Brasil). É possível perceber no material ferroviário preservado pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária, e encontrado nos museus ferroviários organizados pelo PRESERFE/RFFSA, objetos provenientes de fabricantes como Bayer Peacock, Sharp Stwart, George Stephenson, P & W Maclellan Ltd., Smith & Conventry, entre outros. A Alemanha forneceu também equipamentos ferroviários para o Brasil, entre locomotivas, carros, vagões e máquinas de oficinas. Entre os fabricantes podemos citar Henschell & Sohn, Berliner Maschinenbau Aktien Geseltschaft L. Schwarzkopf , Wilhelm Einsenfurn, Jung Lokomotiven, Linke-Hofmann, Orenstein & Koppel, Unternehmen Rheinmetall-Borsig AG, entre outras. A principal participação da França, no que até este momento conseguimos encontrar, foi uma encomenda de noventa locomotivas realizada pelo Departamento Nacional de Estradas de Ferro em 1951 para serem distribuídas entre as estradas de ferro federais, para tanto foi criado um consórcio francês entre vários fabricantes denominado Groupment d’Exportation des Locomotives em Sud-Amerique (HOLLINGSWORTH; COOK, 1987, p.186; CARAMURU, 2003, pp.106-107; GERODETTI; CORNEJO, 2005, p.70). Mais informações em: http://thierry.stora.free.fr/techdat3.htm, visitado em 20/2/2011.
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