sexta-feira, 18 de abril de 2014

Sobre os trilhos, ou da revolução imagética

"Nenhuma outra inovação da revolução industrial incendiou tanto a imaginação quanto a ferrovia, como testemunha o fato de ter sido o único produto da industrialização do século XIX totalmente absorvido pela imagística da poesia erudita e popular.”[1]

Um terror se abateu sobre a população, quando a ferrovia saiu das minas de carvão e invadiu a cidade e o campo. A aparência, o som e o movimento dos trens soavam como um grande prenúncio do apocalipse, isso se, para alguns, não era o próprio evento do grande fim dos tempos.

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“The Railway Juggernaut of 1845”. 1845, tinta e papel. 18 x 25cm. J. Leech.

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“A dangerous character”, 1847, tinta e papel. 24 x 18cm. J. Leech.

Apesar do rápido desenvolvimento e adaptabilidade a melhorias técnicas, os trens funcionaram por muito tempo sem um sistema de frenagem e, para além de aspectos técnicos, o vetor segurança por um bom tempo não foi um dos pilares da construção desse meio revolucionário de transporte. O que tornará muito comum os atropelamentos e toda ordem de acidentes, fazendo dos comboios e suas locomotivas fumacentas como dragões verdadeiros criminosos aos olhos da crítica popular. O desenhista inglês J. Leech é um dos autores mais conhecidos de charges sobre a “violência” das ferrovias que, na década de 1840 já haviam conquistado um vasto território, sem esquecer que o primeiro experimento público data de 1825 entre Stockton e Darlington.
Porém, nem só de medo se alimentava essa grande façanha tecnológica.

“Rain, Steam and Speed” 1843-4, óleo sobre tela, 91 x 122cm. National Gallery Londres. J. M. W. Turner.

O vapor e a velocidade criaram efeitos que muito se enquadravam na perspectiva da pintura de J. M. W. Turner, ao menos segundo a descrição de Ernst Gombrich, em que ele diz que Turner “teve visões de um mundo fantástico, banhado de luz e resplendente de beleza; mas, em vez de calmo, o seu era um mundo cheio de movimento, em vez de harmonias singelas, exibia aparatoso deslumbramento. Ele reuniu em suas telas todos os efeitos que pudessem torná-las o mais impressionantes e dramáticas…”[2]
A megalomania das estradas de ferro tiveram impacto tão gigantesco que seu efeito imagético fazia pensar que a passagem do trem era a fabricação de tempestades, como no quadro “Rain, Speed and Steam” (Chuva, Velocidade e Vapor) do mesmo Turner, em que a visão da mistura entre a chuva e o vapor, com a adição do movimento galopante do cavalo de aço, tornam a cena algo não muito distante de um cataclisma.
O século XIX fechou suas portas com o maior prenúncio do que viria a ser dois dos elementos mais impactantes para a cultura e o transporte, para o encantamento e o deslocamento de multidões, o cinema e o trem:



[1]HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 18ª Edição, 2004, p. 72.
[2]GOMBRICH, Ernst. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 2012.

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