No Relatório do Ministério do Império de 1838, à página 32, encontra-se a primeira referência a uma estrada de ferro em São João del-Rei, naquele momento cabeça da Comarca do Rio das Mortes e a zona mais fértil do Império com proximidade ao Rio de Janeiro. A proposta dessa ferrovia era a de conectar a então importante praça comercial mineira à Corte.
Essa ligação é o
que podemos chamar de primeiro requerimento interprovincial brasileiro
influenciado pelo avanço das estradas de ferro globalmente e pelo Decreto-Lei
nº 101, de 1835. Se o Decreto-Lei era fruto de uma proposta legislativa
encampada pelo estado Imperial para uma grande ferrovia ou uma rede
interconectada que ligaria o Rio de Janeiro ao Rio Grande - ao sul - e à Bahia - ao norte -, o requerimento de Cadolino se faria o primeiro de um
particular enquadrado naquele contexto.
Relatório do Ministério do Império de 1838, p.
32.
Até recentemente,
a fama do “italiano” estava ligada a eventos do Primeiro Reinado, mais
especificamente ao grupo de corte da imperatriz Maria Leopoldina de Áustria.
Sabe-se que Cadolino, proveniente do norte da Península Itálica – região sob
influência do Império Austro-Húngaro –, veio para a América como indicado de Maria
Luísa de Áustria, irmã de Leopoldina e segunda consorte/viúva de Napoleão
Bonaparte.
No Rio de
Janeiro, seguiu uma carreira militar de rápida ascensão, aparecendo como tenente
do Imperial Corpo de Engenheiros em 1826 e, em 1828, já em promoção de capitão
a major. Além de cumprir as funções da corporação como engenheiro, tendo sido
responsável, entre outras obras, pelos Aquedutos da Carioca (posteriormente
chamados de Aquedutos da Lapa), foi um usurário (popular “agiota”) na praça
carioca, se aproveitando da carência de bancos e moeda circulante. Inclusive,
essa última característica é a que ficou mais forte para a posteridade.
Segundo o biógrafo
de Leopoldina, Paulo Rezzutti, o major pode ser um dos verdadeiros autores de
uma carta creditada à imperatriz, até recentemente tratada como autêntica
por historiadores. Ele é forte candidato a tê-la traduzida ao português, sendo
um dos quatro estrangeiros a registrar o documento em 1834, ao procurar Joaquim
José de Castro, tabelião do Público Judicial e Notas na Corte do Rio de
Janeiro. “Os outros três eram Johann Martin Flach, L. Buvelot e Carlos Hindrichs”.[1]
Portanto, percebe-se que, mesmo após a morte de Leopoldina, de
quem Cadolino foi secretário a partir de sua vinda para o Rio de Janeiro, e de
Pedro I do Brasil – IV de Portugal –, Cesar Cadolino permaneceu integrado à
sociedade carioca e, possivelmente, com relações comerciais e/ou financeiras
com a praça da Comarca do Rio das Mortes, da qual São João del-Rei era a
cabeça. Essa perspectiva dá sentido ao requerimento para construção de uma
ferrovia entre São Cristóvão, no Município Neutro do Rio de Janeiro, e a cidade
mineira de economia mais dinâmica na década de 1830.
Apesar de não prosperar em tal projeto, já que a concessão para
uma estrada de ferro entre o Rio de Janeiro, Minas Gerais e o Vale do Paraíba
do Sul acabou sendo outorgada ao médico homeopata escocês, Thomas Cochrane, não se pode negar a lógica comercial do intento. E,
nem mesmo Cochrane foi o responsável pela ferrovia, ao fim das contas, já
que esta não seria construída até que o estado imperial tomasse as rédeas para contratar
a construção do que se tornaria a Estrada de Ferro D. Pedro II. No entanto, é
interessante perceber que, em 1871, em sua contínua construção dentro da
província de Minas Gerais, os engenheiros da EFDPII projetaram dois ramais da
grande ferrovia do Império que se encontrariam em São João del-Rei, um passando
pelo Paraibuna a partir de Entre Rios (atual Três Rios) e outro passando pela
região do Rio Grande, partindo da estação Vargem Alegre (entre Barra do Piraí e
Volta Redonda, RJ).
Estudo de Joaquim
M. R. Lisboa, John William [João Guilherme] de Aguiar, Francisco Pereira Passos,
Antônio Augusto Fernandes Pinheiro e Francisco José Gomes Calaça para a EFDPII sentido
São João del-Rei/Lagoa Dourada em Minas Gerais. FONTE: AN. Resumo dos trabalhos
relativos à linha do centro sobre as explorações feitas pelos engenheiros
Whitaker, Passos, Pinheiro, Calaça e J. M. R. Lisboa. 1871.
A conexão que
Cesar Cadolino imaginou em 1838 não foi realizada por ele, mas não foi
realizada tampouco pela própria Estrada de Ferro D. Pedro II na década de 1870.
O projeto de Lisboa, Aguiar, Passos, Pinheiro e Calaça de 1871 foi todo refeito
durante aquela década, sendo removida a ideia do ramal entre Vargem Alegre e São
João e permanecendo o outro até o Sítio (atual município de Antônio Carlos),
porém, desviando para as Taipas (Carandaí) e Queluz (Conselheiro Lafaiete), ao
invés de seguir o Rio das Mortes até São João.
O contexto dessa
mudança se deveu à lei provincial mineira nº 1982, de 11 de novembro de 1873,
que estabelecia contrato os concessionários José de Rezende Teixeira Guimarães
e Luiz Augusto de Oliveira, para uma estrada de ferro de bitola estreita entre
um ponto da Estrada de Ferro D. Pedro II, nas vertentes do Rio das Mortes, até
um ponto navegável do Rio Grande. Portanto, o que antes seria parte da EFDPII foi
assumido pela Estrada de Ferro Oeste de Minas.
Marco zero da E.
F. Oeste de Minas em Sítio, 1880, no referido “ponto” da E. F. D. Pedro II. Fonte:
BN. EFDPII. Collecção de 44 Vistas Photographicas da Estrada de Ferro D.
Pedro 2º, 1881, p. 27.
[1]
REZZUTTI, Paulo. D.
Leopoldina, a História Não Contada: a mulher que arquitetou a independência do Brasil.
Rio de Janeiro: LeYa, 2017, cap. 13.
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