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sexta-feira, 15 de julho de 2022

Cesar Cadolino e o elo entre a Estrada de Ferro D. Pedro II e a Estrada de Ferro Oeste de Minas

No Relatório do Ministério do Império de 1838, à página 32, encontra-se a primeira referência a uma estrada de ferro em São João del-Rei, naquele momento cabeça da Comarca do Rio das Mortes e a zona mais fértil do Império com proximidade ao Rio de Janeiro. A proposta dessa ferrovia era a de conectar a então importante praça comercial mineira à Corte.

Essa ligação é o que podemos chamar de primeiro requerimento interprovincial brasileiro influenciado pelo avanço das estradas de ferro globalmente e pelo Decreto-Lei nº 101, de 1835. Se o Decreto-Lei era fruto de uma proposta legislativa encampada pelo estado Imperial para uma grande ferrovia ou uma rede interconectada que ligaria o Rio de Janeiro ao Rio Grande - ao sul - e à Bahia - ao norte -, o requerimento de Cadolino se faria o primeiro de um particular enquadrado naquele contexto.

Relatório do Ministério do Império de 1838, p. 32.

Até recentemente, a fama do “italiano” estava ligada a eventos do Primeiro Reinado, mais especificamente ao grupo de corte da imperatriz Maria Leopoldina de Áustria. Sabe-se que Cadolino, proveniente do norte da Península Itálica – região sob influência do Império Austro-Húngaro –, veio para a América como indicado de Maria Luísa de Áustria, irmã de Leopoldina e segunda consorte/viúva de Napoleão Bonaparte.

No Rio de Janeiro, seguiu uma carreira militar de rápida ascensão, aparecendo como tenente do Imperial Corpo de Engenheiros em 1826 e, em 1828, já em promoção de capitão a major. Além de cumprir as funções da corporação como engenheiro, tendo sido responsável, entre outras obras, pelos Aquedutos da Carioca (posteriormente chamados de Aquedutos da Lapa), foi um usurário (popular “agiota”) na praça carioca, se aproveitando da carência de bancos e moeda circulante. Inclusive, essa última característica é a que ficou mais forte para a posteridade.

Segundo o biógrafo de Leopoldina, Paulo Rezzutti, o major pode ser um dos verdadeiros autores de uma carta creditada à imperatriz, até recentemente tratada como autêntica por historiadores. Ele é forte candidato a tê-la traduzida ao português, sendo um dos quatro estrangeiros a registrar o documento em 1834, ao procurar Joaquim José de Castro, tabelião do Público Judicial e Notas na Corte do Rio de Janeiro. “Os outros três eram Johann Martin Flach, L. Buvelot e Carlos Hindrichs”.[1]

Portanto, percebe-se que, mesmo após a morte de Leopoldina, de quem Cadolino foi secretário a partir de sua vinda para o Rio de Janeiro, e de Pedro I do Brasil – IV de Portugal –, Cesar Cadolino permaneceu integrado à sociedade carioca e, possivelmente, com relações comerciais e/ou financeiras com a praça da Comarca do Rio das Mortes, da qual São João del-Rei era a cabeça. Essa perspectiva dá sentido ao requerimento para construção de uma ferrovia entre São Cristóvão, no Município Neutro do Rio de Janeiro, e a cidade mineira de economia mais dinâmica na década de 1830.

Apesar de não prosperar em tal projeto, já que a concessão para uma estrada de ferro entre o Rio de Janeiro, Minas Gerais e o Vale do Paraíba do Sul acabou sendo outorgada ao médico homeopata escocês, Thomas Cochrane, não se pode negar a lógica comercial do intento. E, nem mesmo Cochrane foi o responsável pela ferrovia, ao fim das contas, já que esta não seria construída até que o estado imperial tomasse as rédeas para contratar a construção do que se tornaria a Estrada de Ferro D. Pedro II. No entanto, é interessante perceber que, em 1871, em sua contínua construção dentro da província de Minas Gerais, os engenheiros da EFDPII projetaram dois ramais da grande ferrovia do Império que se encontrariam em São João del-Rei, um passando pelo Paraibuna a partir de Entre Rios (atual Três Rios) e outro passando pela região do Rio Grande, partindo da estação Vargem Alegre (entre Barra do Piraí e Volta Redonda, RJ).



Estudo de Joaquim M. R. Lisboa, John William [João Guilherme] de Aguiar, Francisco Pereira Passos, Antônio Augusto Fernandes Pinheiro e Francisco José Gomes Calaça para a EFDPII sentido São João del-Rei/Lagoa Dourada em Minas Gerais. FONTE: AN. Resumo dos trabalhos relativos à linha do centro sobre as explorações feitas pelos engenheiros Whitaker, Passos, Pinheiro, Calaça e J. M. R. Lisboa. 1871.

A conexão que Cesar Cadolino imaginou em 1838 não foi realizada por ele, mas não foi realizada tampouco pela própria Estrada de Ferro D. Pedro II na década de 1870. O projeto de Lisboa, Aguiar, Passos, Pinheiro e Calaça de 1871 foi todo refeito durante aquela década, sendo removida a ideia do ramal entre Vargem Alegre e São João e permanecendo o outro até o Sítio (atual município de Antônio Carlos), porém, desviando para as Taipas (Carandaí) e Queluz (Conselheiro Lafaiete), ao invés de seguir o Rio das Mortes até São João.

O contexto dessa mudança se deveu à lei provincial mineira nº 1982, de 11 de novembro de 1873, que estabelecia contrato os concessionários José de Rezende Teixeira Guimarães e Luiz Augusto de Oliveira, para uma estrada de ferro de bitola estreita entre um ponto da Estrada de Ferro D. Pedro II, nas vertentes do Rio das Mortes, até um ponto navegável do Rio Grande. Portanto, o que antes seria parte da EFDPII foi assumido pela Estrada de Ferro Oeste de Minas.

Marco zero da E. F. Oeste de Minas em Sítio, 1880, no referido “ponto” da E. F. D. Pedro II. Fonte: BN. EFDPII. Collecção de 44 Vistas Photographicas da Estrada de Ferro D. Pedro 2º, 1881, p. 27.



[1] REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina, a História Não Contada: a mulher que arquitetou a independência do Brasil. Rio de Janeiro: LeYa, 2017, cap. 13.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

American Way of Rails: tecnologia e a construção da Estrada de Ferro D. Pedro II em perspectiva atlântica e no contexto da segunda escravidão (1835-1889)


Ao longo do século XIX, o mundo atlântico, especialmente sua porção oeste, passava por um momento de readaptação da instituição escravista em decorrência de um novo mundo industrial expansivo desde a centúria anterior. A economia de plantation, devido à demanda ampliada por bens de primeira necessidade no universo gerado pelo capitalismo internacional, revigorou-se para produzir algodão para o vestuário, açúcar para a alimentação e café para manter os trabalhadores acordados. Em meio a tal cenário, todas as economias, independentemente de seu fundamento, de subsistência a “industrial” agroexportador ou industrial fabril, adotaram, mais cedo ou mais tarde, o meio de transporte definido pela Grã-Bretanha como o modelo hegemônico a partir da década de 1820. As estradas de ferro se difundiram globalmente e, em cada economia, assumiram um papel que poderia ser de modernização de infraestrutura viária – sob múltiplas implicações internas e externas – ou, também, de modernização industrial ferroviária – sob múltiplas implicações internas e externas. A tese central deste trabalho reside nos fenômenos iniciados na década de 1830, em que o nordeste dos Estados Unidos da América desenvolveu uma cultura ferroviária particular, em contraposição à cultura europeia liderada pela Grã-Bretanha. Nesse contexto, o Império do Brasil, como uma economia de base agroexportadora e de subsistência do mercado interno e para o meio produtivo de plantation, assumiu o papel de importador de engenheiros e bens de capital, sobretudo norte-americanos, para construir sua malha ferroviária.

Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em História; Departamento de História; Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto.

Palavras-chave: 
Cultura material - séc. XIX
História universal
Ferrovias
Tecnologia
Brasil - história - império

Membros da banca: Gonçalves, Andréa Lisly
Chaves, Cláudia Maria das Graças
Graça Filho, Afonso de Alencastro
Guimarães, Carlos Gabriel
Marquese, Rafael de Bivar

Licença: Autorização concedida ao Repositório Institucional da UFOP pelo(a) autor(a) em 22/09/2021 com as seguintes condições: disponível sob Licença Creative Commons 4.0 que permite copiar, distribuir e transmitir o trabalho, desde que sejam citados o autor e o licenciante. Não permite o uso para fins comerciais nem a adaptação.