segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Ponte sobre o Rio Elvas

Atualizado em 20/1/2014

A conservação e a restauração dos monumentos constituem uma disciplina que reclama a colaboração de todas as ciências e técnicas que possam contribuir para o estudo e a salvaguarda do patrimônio monumental.
Artigo 2º da Carta de Veneza
A conservação do monumento exige, antes de tudo, a manutenção permanente
Artigo 4º da Carta de Veneza
A conservação de um monumento implica a preservação de um esquema em sua escala. Enquanto subsistir, o esquema tradicional será conservado, e toda construção nova, toda destruição e toda modificação que poderiam alterar as relações de volumes e de cores serão proibidas.
Artigo 6º da Carta de Veneza
O restauro é um tipo de operação altamente especializado. O seu objetivo é a preservação dos valores estéticos e históricos do monumento, devendo ser baseado no respeito pelos materiais originais e pela documentação autêntica. Qualquer operação desse tipo deve terminar no ponto em que as conjecturas comecem; qualquer trabalho adicional que seja necessário efetuar deverá ser distinto da composição arquitetônica original e apresentar marcas que o reportem claramente ao tempo presente. O restauro deve ser sempre precedido e acompanhado por um estudo arqueológico e histórico do monumento.
 Artigo 9º da Carta de Veneza

Já que teremos muito o que relatar sobre o processo de abandono e desmanche de nosso patrimônio ferroviário, falarei sobre parte da via.
Toda estrada de ferro é composta por alguns ítens denominados "obras d'arte", que são referentes às obras de infra e superestrutura, tais como túneis, pontes, viadutos, pontilhões, bueiros etc. É bastante raro a ausência desse tipo de construção nas vias férreas e, em nosso estudo de caso, temos alguns exemplares de pontilhões ainda utilizados no pequeno trecho de 12km entre as duas antigas vilas "d'El-Rei", característicos de um determinado período na história da construção de ferrovias, realizados por técnicas já em desuso e, por isso, reconhecidos como patrimônio.
Neste caso, nos referimos ao pontilhão sobre o Rio Elvas, na divisa entre os municípios de São João del-Rei e Tiradentes (São José del-Rei), um dos poucos de seu tipo ainda em uso.
Como obra tombada pelo IPHAN, não poderia sofrer a intervenção que sofreu há poucos anos, com a retirada de uma das colunas de sustentação em pedra, original, seguida da (estúpida) retirada do segundo.
Esta obra é composta por pilares de pedra para a sustentação vertical e perfis de aço paralelos presos por tesouras também de aço, importados da Escócia. A obra é parte da estrutura original construída entre 1879 e 1881.

A conservação de um monumento implica a preservação de um esquema em sua escala. Enquanto subsistir, o esquema tradicional será conservado, e toda construção nova, toda destruição e toda modificação que poderiam alterar as relações de volumes e de cores serão proibidas.
O restauro é um tipo de operação altamente especializado. O seu objetivo é a preservação dos valores estéticos e históricos do monumento, devendo ser baseado no respeito pelos materiais originais e pela documentação autêntica. Qualquer operação desse tipo deve terminar no ponto em que as conjecturas comecem; qualquer trabalho adicional que seja necessário efetuar deverá ser distinto da composição arquitetônica original e apresentar marcas que o reportem claramente ao tempo presente. O restauro deve ser sempre precedido e acompanhado por um estudo arqueológico e histórico do monumento.

Como fica claro nas linhas acima, não só é proibida "toda destruição e toda modificação", bem como a intervenção de restauro deveria ter sido realizada por profissionais competentes da área, fato não verificado no caso.
O bem está inserido nos livros do tombo histórico e de belas artes, fruto do Processo DTC-SPHAN 1.185-T-85, realizado entre 1985 e 1989. Ver aqui.
Fica claro que todos os erros foram cometidos por todas as instituições, empresas e pessoas envolvidas na preservação do sítio. Não preciso dizer muito, já que os dois artigos da Carta de Veneza aqui enfatizados são bastante claros e razoáveis sobre os procedimentos relacionados a bens culturais.
O IPHAN cometeu o pecado da omissão, já que é a instituição responsável pela fiscalizalção dos bens por ele tombados, inclusive com poder de polícia. A Ferrovia Centro-Atlântica (atualmente Valor Logística Integrada – VLI) erra, desde 1996, por tratar a pequena ferrovia tombada como sítio histórico - sobre a qual não possúi contrato de concessão e arrendamento - da mesma forma que trata a ferrovia comercial da qual possuí concessão e é arrendatária.

Pontilhão sobre o Rio Elvas, onde se vê as duas colunas de pedra em primeiro plano, 1976. Foto de John West.

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Atenção à coluna da esquerda, sobre o rio, entre o tender da locomotiva e o primeiro carro, 1998. Foto de Hugo Caramuru.

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Em 2001 o pontilhão sofreu a intervenção que, pelos erros grotescos cometidos, levou à retirada do pilar original, aqui ainda no lugar. Foto de Mariângela Chiari.

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E em 2009 fomos lá procurar as belas colunas de pedra. Serviu para confirmar o sentido da decepção. Foto de Hugo Caramuru.

Temos em fato que os pilares não foram removidos por efeito da natureza, antes, foram removidos pela ação humana, em demonstração de absoluta ignorância e excesso de pragmatismo. A ausência de manutenção permanente se evidencia como fato e as consequências são verificáveis sem necessidade de grande conhecimento no ramo. Além do flagrante delito de lesa patrimônio, acompanhamos outros efeitos danosos pela ausência de cálculos adequados sobre as obras d’arte ainda ativas e originais, como as estruturas de cabeceira. Devido ao efeitos da correnteza causada pelo grande volume de águas no rio nos períodos chuvosos, a contorção das vigas de aço acabaram por abalar as bases da cabeceira no lado de Tiradentes, levando ao comprometimento da edificação que, devido a tais efeitos, encontra-se, hoje (21/01/2013), interditada, estando o funcionamento do trem comprometido pela falta de zelo da administração do complexo ferroviário, como pode-se verificar em vários aspectos entre o complexo ferroviário, a via e a estação de Tiradentes.
Enquanto as "gaiolas" permanecerem como base de sustentação da ponte, os problemas de abalo continuarão nas cabeceiras e em toda a obra de arte, devido ao simples fato de que tudo o que foi modificado configura-se em equívocos, erros e arrogância.
Já na idade média as pontes eram construídas sobre os rios considerando o sentido da correnteza, sendo os pilares projetados com a base, inserida no curso da água, em forma de cone para reduzir o arrasto hidrodinâmico (em português: reduzir o atrito da correnteza sobre a edificação). Essa é uma lógica atemporal e não é preciso ir muito longe para verificar os erros grotescos (isso sem considerar que possa haver má fé na obra) da FCA S.A./VLI, basta verificar as três pontes de pedra construídas no século XVIII, duas no centro de São João del-Rei e uma no centro de Tiradentes, ainda intactas em boa parte pelo respeito a este princípio básico. As bases originais da ponte ferroviária, construída no século XIX,  respeitavam, como não é difícil constatar pelas imagens acima, o mesmo princípio.
Juntamente com os danos nas obras d’arte, negligenciadas em sua conservação pela FCA-VLI/Vale, nota-se a má qualidade da via permanente, devido à utilização de dormentes de qualidade muito inferior aos anteriores, que não suportam a carga sequer dos pregos de linha, estando, consequentemente, a via, dependente ainda dos dormentes de melhor qualidade instalados ainda durante a década de 1980.
De acordo com a Carta de Veneza e com o Decreto-Lei n.25 de 30 de novembro de 1937, a forma como a FCA S.A. e a VLI têm tratado o tema e executado as obras, se configuram como crime contra o patrimônio edificado.

Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades.
Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imediato conhecimento ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – acréscimo nosso).
Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço [Instituto] do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento do dano causado.
Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes à União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto.

Portanto, uma vez protegido, neste caso o mecanismo de proteção utilizado foi o Tombamento (tutela do Estado); o imóvel não poderá ser alterado. As características encontradas no ato do inventário são as características que constam no processo de tombamento, e, portanto, foi aquilo que deveria ser protegido. Qualquer modificação que por ventura venha a ser realizada incorrerá em crime segundo a legislação sobre a proteção. O artigo 17 do Decreto-Lei nº25 é bem claro, e prevê somente, mediante autorização do órgão competente, neste caso o IPHAN, serviços de pintura, reparação ou restauração no bem protegido. Portanto, de maneira alguma pode-se realizar reforma, alteração de paredes, fachadas, realocação de esquadrias, etc.
Portanto, fica claro que há duas hipóteses sobre a culpabilidade do caso: a. a FCA/VLI realizou as obras sem a devida autorização e acompanhamento do IPHAN, b. o IPHAN autorizou as destruições, mutilações, configurando-se como cúmplice. 
Se a comunidade se sente lesada sobre o assunto, cabe a ela realizar ação junto ao Ministério Público Federal, junto a Procuradoria da República do Município de São João del-Rei, o que pode ser feito na forma de um relatório com um abaixo assinado em anexo.

2 comentários:

Unknown disse...

Infelizmente enxergo que o IPHAN foi mais que omisso ao impedir a demolição e mesmo restauro dos pilares em questão. Eu não posso falar o que penso sobre os funcionários do escritório do IPHAN local pois eu não tenho provas e seria processado.
É lamentável que tal órgão não tome nenhuma providência aos desmandos dos diretores da FCA/VLI.
Ademais, outras duas pontes históricas em SJdR ameaçadas pela falta de conservação e que não demoram ruir são: do Teatro, deveras corroída; e do Rosário, que suporta um tráfego de veículos incompatível com sua construção.

MarceloT. disse...

Infelizmente mais um crime em que ninguém é punido. Por que o Ministério Público não faz nada ?