* Este texto é um pequeno trecho de minha dissertação de mestrado com algumas adaptações.
São João del-Rei e a região alcançada pelos trilhos da Estrada de Ferro Oeste de Minas não se encontravam em área de plantação de café. As afirmações feitas por Saes acerca da relação atividades de monocultura em grande escala/lucratividade do transporte ferroviário podem ser verificadas, ainda que superficialmente, se compararmos receita e despesa da companhia mineira e da Estrada de Ferro Rio Claro, construídas em período aproximado. Em sua dissertação de mestrado, Guilherme Grandi, ao estudar o desempenho da Estrada de Ferro Rio Claro entre 1884 e 1891, expõe os dados de receita, despesa e o coeficiente de tráfego que, segundo o autor, é:
“Um dos principais indicadores utilizados para avaliar a lucratividade das ferrovias (...). Este coeficiente mostra-se inversamente proporcional ao lucro das companhias ao captar qual a participação do total de despesas nas receitas ferroviárias num determinado período[1].”
Obviamente, pelo cunho positivista, os registros de memorialistas apenas dão crédito aos homens de “grossa aventura”, como o engenheiro Paulo Freitas de Sá, que foi chefe da locomoção da Oeste de Minas e ganhou nome de rua logo que veio a falecer. É provável que mão-de-obra escrava tenha sido utilizada nas obras de construção e muito pouca atenção se tenha dado ao contingente proletário da companhia.
Achamos conveniente encontrar o coeficiente de tráfego da E. F. Oeste de Minas e, principalmente, dialogar com os resultados encontrados por Grandi referentes à E. F. Rio Claro, para podermos obter uma base mínima de avaliação do funcionamento da Oeste frente a uma ferrovia paulista do mesmo período (Ver tabelas 9.1 e 9.2). Os coeficientes de tráfego encontrados para a Oeste de Minas, para os anos em que a documentação se encontra disponível, indicam que em nenhum momento as despesas foram inferiores a 50% da receita, tendo sido seu ano mais lucrativo o de 1887, com coeficiente de 56,9. A média do coeficiente de tráfego entre 1881 e 1887 ficou em 76,9. Já no período entre 1892 e 1898 essa média aumentou para 95,1; o que indica que nos últimos sete anos, antes de decretada a falência da companhia, as despesas consumiram 95,1% das receitas.
Percebamos a evolução do coeficiente de tráfego na tabela a seguir:
Receita, despesa e coeficiente de tráfego das companhias Estrada de Ferro Oeste de Minas e Estrada de Ferro Rio Claro no mesmo período.
Tabelas coeficiente de tráfego
E. F. Oeste de Minas
Ano | Receita | Despesa | Saldo | Coeficiente |
1881 | 160:585$940 | 127:219$060 | 33:366$880 | 79,2 |
1882 | 240:733$090 | 161:066$817 | 79:666$273 | 66,9 |
1883 | 220:689$557 | 187:342$172 | 33:347$385 | 84,9 |
1884 | 190:616$011 | 141:903$751 | 48:712$260 | 74,4 |
1885 | 179:940$386 | 187:311$310 | -7:370$924 | 104,1 |
1886 | 238:821$234 | 185:748$484 | 53:072$750 | 77,7 |
1887 | 292:044$581 | 166:221$330 | 125:823$251 | 56,9 |
1890 | 689:501$764 | 491:599$617 | 197:902$147 | 71,3 |
1892 | 1.492:848$050 | 987:649$454 | 505:198$596 | 66,1 |
1893 | 1.871:754$385 | 1.612:589$012 | 259:165$373 | 86,1 |
1894 | 1.982:083$430 | 1.935:120$315 | 46:963$115 | 97,6 |
1895 | 2.075:200$350 | 2.069:822$303 | 5:378$047 | 99,7 |
1896 | 2.299:534$960 | 2.283:747$302 | 15:787$658 | 99,3 |
1897 | 2.569:519$610 | 2.488:479$934 | 81:039$676 | 96,8 |
1898 | 2.245:394$630 | 2.701:080$104 | -455:685$474 | 120,3 |
Fontes: BN-SOR e BMBC- SOR: Relatórios da Diretoria Cia. E. F. Oeste de Minas para os anos de 1885, 1886, 1887 e 1890. Complementado com dados do Relatório do Ministério da Agricultura para 1886 referente ao ano de 1885. p.325 e Fala dirigida por Antônio Gonçalves Chaves, Presidente de Minas Gerais à Assembléia Legislativa Provincial de Minas Gerais, agosto de 1884, p.99.
E. F. Rio Claro
Ano | Receita | Despesa | Saldo | Coeficiente |
1884 | 310:500$810 | 149:033$600 | 161:467$210 | 48,0 |
1885 | 485:476$520 | 226:863$045 | 258:613$475 | 46,7 |
1886 | 625:900$353 | 261:947$720 | 363:952$633 | 41,9 |
1887 | 748:611$810 | 399:683$500 | 348:928$310 | 53,4 |
1888 | 932:969$100 | 383:885$115 | 549:083$985 | 41,1 |
1889 | 1.139:109$730 | 418:808$295 | 720:301$435 | 36,8 |
1890 | 1.362:639$520 | 513:572$050 | 849:067$470 | 37,7 |
1891 | 1.911:875$160 | 950:277$940 | 961:597$220 | 49,7 |
Fonte: GRANDI, Guilherme. Café e expansão ferroviária: A Companhia E. F. Rio Claro (1880-1903). São Paulo: Annablume, FAPESP, 2007, p93.
A companhia mineira não apenas sofreu dificuldades para se erguer, como apresentou dificuldades para se manter. Os números do coeficiente de tráfego de todo o período em que a companhia foi uma empresa privada indicam a baixa lucratividade operacional da Oeste, com a apresentação de déficit em duas ocasiões, 1885 e 1898. Sendo, como já dito, oposto à lucratividade, o coeficiente de tráfego, principalmente dos últimos anos antes de decretada a falência, revela que a Oeste de Minas foi uma companhia que só pôde ser mantida graças à intervenção do Estado durante todo o período. Abaixo temos dois gráficos com a evolução desse coeficiente em dois períodos:
Gráfico 1
Gráfico 2
Dessa maneira, nos vemos forçados a reforçar argumentos que demonstram que, mais do que a importância econômica da companhia mineira, ressalta-se sua importância simbólica frente às necessidades político-discursivas de uma elite que se quer parte do mundo dito civilizado. Como se lia numa das edições do jornal de Severiano Resende: “Em breve a locomotiva, condutora da civilização e do progresso (grifo nosso), revestirá S. João del Rei de soberba louçania e em dobrado ponto tocará ao auge de grandeza a mimosa Nápoles de Minas!”[2]
Não deixava de ter razão o Sr. Resende, graças à subvenção quilométrica do governo provincial e a partir do contrato da concessão de São João del-Rei a Oliveira, às garantias de juros de 7% as ações permitiriam a continuação do pagamento anual dessa cifra superior aos títulos da dívida pública que pagavam 5%. O valor das ações oscilou durante todos os anos entre a inauguração e a falência. O gráfico a seguir indica a variação na cotação dos papéis da companhia entre 1881 e 1894 (os sinais da política do Encilhamento são visíveis entre 1890 e 1893):
Gráfico 3
Fonte: IPHAN-ETII, inventários post-mortem de acionistas da E. F. Oeste de Minas (1881-1894).
O ônus do Estado só viria a crescer ainda mais com as contas apresentadas pela Oeste nos últimos anos do século. Com a queda brutal da renda e a elevação do déficit apresentado em 1898, a companhia acabou sob administração do governo federal e do banco alemão que era um de seus credores. Com dificuldades financeiras e dívidas acumuladas, foi decretada a liquidação forçada da companhia em abril de 1900, vindo a mesma a ser adquirida em hasta pública pelo governo federal em 13 de junho de 1903, depois de estar sob a guarda do banco Brasilianische Bank fürDeutschland e do próprio governo federal.
Estação de Barroso, entre finais do século XIX e início do XX. Coleção de Wellington Tibério.
O caráter “futuroso” da estrada perdurou por muito tempo, o otimismo sobre o devir era exposto pelo “ilustre” Carlos de Laet, o qual revisitamos devido às suas observações coevas sobre a companhia no início da década de 1890, fica explícito em seu Em Minas. Mesmo sofrendo com as contas, falava-se no potencial que a ferrovia possuía em sua constante possibilidade de ser uma das maiores do Brasil.[3] Se servia de consolo, pelo menos em extensão foi uma grande ferrovia. Quando da visita do “último dos viajantes” (como o próprio se intitulava), a construção da linha em bitola de 0,76m já chegava a seu termo, em Paraopeba, às margens do “Mississipi brasileiro”, e já estavam aprovados para a construção os 647km entre Barra Mansa, RJ, e Guaraciaba, MG, da concessão federal que permitia alcançar o total de 1.040km até Catalão, GO. Em 1898, desta concessão havia-se construído apenas dois pequenos trechos: Carrancas – Formiga, no sentido Sul-Norte, e Falcão – Barra Mansa, no sentido Norte-Sul; o que fazia com que o transporte com destino ao Rio de Janeiro permanecesse dependente da utilização do trecho mais antigo entre Lavras e Sítio.
Esses breves dados permitem que deduzamos que a lucratividade das companhias ferroviárias subsidiadas pudesse ser um objetivo secundário nos planos da mesma. A subvenção paga pelo erário provincial de 9 contos por quilômetro construído, no caso da ferrovia mineira, mostrou-se fundamental para a continuidade dos trabalhos para o término dos primeiros 100km (Sítio – São João) e, consequentemente, para a ativação da estrada com seus quatro trens diários (dois em cada sentido) nos primeiros anos (1881-1887), até que o segundo trecho foi aberto ao tráfego.
Entre 1881 e 1898 o coeficiente de tráfego ficou poucas vezes abaixo de 70% (1882, 1887 e 1892), o que demonstra que os dividendos praticamente não existiram, sendo utilizados em sua maior parte à manutenção e construção da ferrovia. O que mantinha o interesse “social” pela companhia não era seu desempenho como empresa eficiente e lucrativa, pois, isso a E. F. Oeste de Minas nunca foi. O grande chamariz para o investimento pessoal nas ações da companhia era a garantia de 7% pagos pelo erário público, independentemente de lucros e desempenhos. O fator imprevisibilidade, no entanto, acabou por fazer pó dos títulos em 1898, com a abertura de falência, o que não teve grande efeito sobre a vida da elite administrativa da companhia, pelo fato de ter ocorrido a encampação da companhia pela União, pelas regras das concessões de estradas de ferro e similares, com a manutenção do quadro de “alta patente”, o mesmo que cresceu politicamente com a propaganda de “arautos do progresso” pelo empreendimento “civilizatório”.
Mapa com a situação das linhas da E. F. Oeste de Minas em 1903. Fonte: VAZ, Mucio Jansen. Estrada de Ferro Oeste de Minas – Trabalho histórico-descriptivo, 1880-1922. São João del-Rei: EFOM, 1922.
[1] GRANDI, Guilherme. Café e expansão ferroviária: A Companhia E. F. Rio Claro (1880-1903). São Paulo: Annablume, FAPESP, 2007, p.93.
[2] Jornal: “O Arauto de Minas”. Ano I, n. 37, 18/11/1877, p. 3.
[3] LAET, Carlos de. Em Minas. São Paulo: Globo, 1993.
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