As lideranças das entidades signatárias desta Carta, vinculadas à preservação e revitalização ferroviária, e os (as) participantes do Seminário “Qualidade com Foco no Cliente”, realizado no período de 3 a 5 de dezembro de 2010, em Passa Quatro – MG, deliberaram encaminhar este documento às autoridades dos Poderes Legislativo e Executivo, com destaque para aquelas vinculadas aos setores de turismo, de cultura, de transportes e outras áreas dos governos federal, estaduais e municipais, incluindo as autoridades que assumirão seus mandatos ou cargos a partir de 2011,
Considerando:
a) a importância que o Governo Federal vem dedicando atualmente ao setor de transporte ferroviário;
b) a importância histórica da malha ferroviária nacional, que permitiu a ocupação, deslocamento e desenvolvimento de cidades e populações, encontrando-se na atualidade, porém, em boa parte relegada a somente promover o transporte de cargas;
c) que existem atualmente mais de duas dezenas de Trens Turísticos e Culturais – TTCs, operando no Brasil, gerando emprego e renda para milhares de pessoas, transportando mais de 2,5 milhões de passageiros por ano, em antigas linhas, em sua maioria literalmente abandonadas pelas atuais concessionárias de cargas;
d) que as atividades desses TTCs podem ser ampliadas, gerando mais empregos e renda, desde que haja estímulo e apoio por parte dos Governos Federal e Estaduais;
e) que existe uma enorme e diversificada quantidade de ativos ferroviários, com destaque para estações ferroviárias desativadas ou apenas parcialmente em uso, carros de passageiros e vagões abandonados e em processo de destruição, vandalismo ou furto, os quais podem se transformar em espaços culturais e equipamentos urbanos para promover a cidadania, a inclusão social, a cultura e a preservação do patrimônio histórico ferroviário,
Propõem:
1. Que sejam agilizados por parte do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, da SPU – Secretaria do Patrimônio da União, do DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte e da Inventariança da Extinta RFFSA, os processos e procedimentos de cessão da posse ou propriedade dos bens de valor histórico e cultural da extinta RFFSA para as Prefeituras Municipais e entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, para a preservação da memória ferroviária e para projetos que contribuam para o desenvolvimento da cultura e do turismo, na forma estabelecida pelo Decreto no 6.769, de 10 de fevereiro de 2009, do Exmo. Sr. Presidente da República, publicado no Diário Oficial da União – Seção 1, de 11 de fevereiro de 2009;
2. Que os Governos Federal e Estaduais estimulem, apoiem e fiscalizem as Prefeituras Municipais e entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, para que, ao receberem a posse ou propriedade dos citados bens, assumam formalmente e cumpram o compromisso de restaurar, proteger e preservar os citados bens, utilizando-os exclusivamente para fins e atividades relacionados com os objetivos mencionados no Decreto no 6.769, de 10 / 02 / 2009;
3. Que continuem a ser acompanhados pelo Ministério Público Federal e pelos Ministérios Públicos Estaduais os processos de urgente proteção e destinação dos citados bens, responsabilizando, por ação ou omissão, as autoridades que retardem os procedimentos de entrega dos bens, colocando em risco sua integridade e seu uso a serviço da comunidade;
4. Que sejam instalados, nas instâncias federais e estaduais, os processos de tombamento dos bens constitutivos do patrimônio histórico e cultural ferroviário construído (estações, rotundas, oficinas, caixas d ́água, locomotivas, carros de passageiros, vagões etc.), pelo seu valor temático, independentemente do seu estilo ou importância arquitetônica, no caso de edificações;
5. Que o IPHAN, a SPU, a Inventariança da Extinta RFFSA e o Arquivo Nacional implementem urgentes providências para a triagem, o inventariamento, a restauração, a higienização e a adequada guarda do acervo documental da Extinta RFFSA, em situação de grave risco de progressiva deterioração e até mesmo de perda total e irreparável;
6. Que o IPHAN, a SPU, a Inventariança da Extinta RFFSA e a Biblioteca Nacional desenvolvam imediatas ações para a catalogação, a restauração, a higienização, a adequada guarda e a disponibilização para o público, do acervo das bibliotecas da Extinta RFFSA, com especial prioridade para a Biblioteca da antiga Administração Geral da RFFSA, no Rio de Janeiro, o maior acervo especializado em transporte ferroviário da América Latina;
7. Que a ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres promova a reformulação dos contratos de concessão do transporte ferroviário de cargas celebrados com as atuais operadoras, explicitando com mais clareza os parâmetros para definir suas obrigações de disponibilização de faixas em suas grades de programação para os trens de passageiros;
8. Que o Ministério do Turismo estimule e apoie os municípios para que se articulem em redes ou circuitos regionais turísticos e culturais, para projetos que tenham como âncora a preservação e a revitalização ferroviária, com destaque para os Trens Turísticos e Culturais – TTCs;
9. Que a histórica Estação Barão de Mauá / Leopoldina, no Rio de Janeiro, já tombada pelo INEPAC – Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural do Rio de Janeiro, seja objeto de atenção pelos Governos Federal e Estadual, objetivando a :
9.1 – restauro e requalificação de suas instalações, ora em fase de avançada degradação; 9.2 – não permissão de ocupação de suas instalações por instituições alheias ao universo ferroviário; 9.3 – implementação, em seu complexo, do Museu Ferroviário Nacional, incorporando imediatamente o Museu do Trem do Rio de Janeiro, atualmente fechado e abandonado, no bairro do Engenho de Dentro;
10. Que o projeto de reativação da Estrada de Ferro Mauá, primeira ferrovia brasileira, elaborado pelo IPHAN – Superintendência Regional do Rio de Janeiro – SR.6, seja incluído pelo Governo Federal no PAC – Programa de Aceleração do Crescimento;
11. Que, de semelhante modo, o projeto de reativação da ligação ferroviária entre o Rio de Janeiro e Petrópolis, o chamado “Expresso Imperial”, seja também incluído pelo Governo Federal no PAC, e que o Governo do Estado do Rio de Janeiro libere os recursos de dotação orçamentária específica para sua implantação, aprovada pela ALERJ – Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro;
12. Que o Ministério dos Transportes, o Ministério do Turismo, o Ministério da Cultura, o SEBRAE, a ANTT, o DNIT, a SPU, o IPHAN, as Secretarias Estaduais de Cultura e do Turismo e as Prefeituras Municipais apoiem e facilitem a implantação e a operação de projetos de novos trens turísticos e culturais, por sua expressiva contribuição para a preservação da memória ferroviária, para a revitalização do transporte de pessoas sobre trilhos, para o desenvolvimento do turismo e para a geração de emprego e renda, envolvendo as entidades de preservação e revitalização ferroviária, incluindo as Operadoras de TTCs, na formulação de planos, programas e projetos;
13. Que os estudos, pesquisas e experiências com a utilização de tecnologia de levitação magnética, em desenvolvimento na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro / COPPE - Coordenação de Programas de Pesquisa e Pós-Graduação em Engenharia, recebam das autoridades governamentais o apoio necessário e que sejam analisados como possível alternativa em novos projetos ferroviários, como é o caso do TAV – Trem de Alta Velocidade Rio / São Paulo / Campinas e de projetos de utilização de VLTs – Veículos Leves sobre Trilhos como soluções para sistemas de transporte urbano de pessoas;
14. Que o Governo Federal retome o estudo / projeto “Trens Regionais de Passageiros”, encomendado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES à UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro / COPPE – Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia, que foi paralisado pouco após a sua divulgação, em virtude principalmente dos seguintes fatos:
14.1 - ausência de linhas de financiamento específicas e diferenciadas para as Operadoras de TTCs realizarem investimentos em via permanente e na reforma de material rodante, sobretudo no que tange à aquisição de trilhos e dormentes e reforma de locomotivas, carros de passageiros e vagões, itens esses atualmente não contemplados com o apoio do BNDES;
14.2 - inexistência no país de fabricantes de material rodante (VLTs Veículos Leves sobre Trilhos), com exceção da empresa Bom Sinal, que produziu o VLT do Cariri, no Ceará, que opera há 1 (um) ano com grande sucesso;
14.3 - falta de flexibilidade das atuais operadoras de cargas que dificultam ou não permitem que os TTCs trafeguem em suas linhas, muitas delas com baixa intensidade de tráfego;
15. Que o Governo Federal facilite a cessão, a restauração, a requalificação e o aproveitamento de Ativos Ferroviários não operacionais em equipamentos públicos, por meio de projetos como Estações da Cidadania, Centros de Oportunidades Profissionais, Centros Ferroviários de Cultura e assemelhados.
16. Que o IPHAN, o DNIT, SPU, Inventariança da Rede, agilizem o retorno para as suas origens dos ativos ferroviários (material rodante, móveis, objetos, utensílios, mapas, documentos, livros etc.) ora armazenados ou localizados em lugares distintos de sua origem, quando houver solicitação expressa de prefeituras, associações de classe, entidades preservacionistas, e outros interessados.
17. Que os Governos, federal e estaduais, estimulem e apoiem a participação dos TTCs em todos os fóruns, comissões, grupos de trabalhos, comitês, que tratem de questões importantes ligadas ao setor ferroviário.
18. Que a ANTT dedique especial atenção à fiscalização da operação de todos os TTCs ora em operação no Brasil, objetivando a melhoria na qualidade, confiabilidade e segurança nos serviços prestados.
19. Que o resgate, a preservação, a valorização e a difusão do patrimônio histórico e cultural ferroviário e a revitalização do transporte sobre trilhos no Brasil sejam considerados como estratégias e ações prioritárias pelos Poderes Executivo e Legislativo, em seus três níveis – federal, estadual e municipal.
Passa Quatro – MG, 5 de dezembro de 2010
1. ABOTTC – Associação Brasileira das Operadoras de Trens Turísticos e Culturais
2. ABPF – Associação Brasileira de Preservação Ferroviária
3. AFPF – Associação Fluminense de Preservação Ferroviária
4. AEEFL – Associação dos Engenheiros da Estrada de Ferro Leopoldina
5. AENFER – Associação de Engenheiros Ferroviários
6. AFERJ – Associação de Ferreomodelismo do Rio de Janeiro
7. AMUTREM – Associação dos Amigos do Museu do Trem do Rio de Janeiro
8. Centro Universitário Metodista Bennett
9. CFVV – Circuito Ferroviário Vale Verde
10. FNTF – Federação Nacional dos Trabalhadores Ferroviários
11. GT-TREM / COMTUR – Conselho Municipal de Turismo de Petrópolis
12. Instituto Rio Carioca Instituto Uniarte
13. MPF – Movimento de Preservação Ferroviária
14. PCBM – Ponto de Cultura Barão de Mauá
15. PMPQ - Prefeitura Municipal de Passa Quatro – MG
5 comentários:
Isso é muito importante,mas acho que muita gente ainda não assimilou o propósito de tais textos (posso ser uma delas),mas o que eu percebo é que o Brasil jogou fora boa parte de sua história com a erradicação de vários trechos ferroviários,como exemplo tomarei a bitolinha,nos dias atuais fica difícil imaginar uma pessoa viajando de São João del-Rei a Barroso de trem gastando cerca de 3 horas de viagem num trecho relativamente curto,os tempos são outros.Mas agora imagine a mesma pessoa indo novamente de São João del-Rei a Barroso de trem mesmo gastando muito mais tempo de viagem do que o ônibus,certemente ela escolheria o trem não pela praticidade mas sim pelo saudosismo,apreciando pela janela do carro de passageiros os campos,as casinhas,as fazendas,as igrejinhas no meio do mato,os turistas poderiam parar nessas pequenas estações para comprar os produtos locais tais como doces,artesanatos,etc...
Na linha do sertão o trem poderia levar os turistas até a Fazenda do Pombal.
No ramal das Águas Santas na época do calor com certeza os trens para o balneário sairiam cheios.
O que se percebe é a erradicação parece ter sido precipitada,hoje com certeza alguns dos trechos não mais existentes fariam sucesso entre os turistas e passageiros em geral.É o que penso...
A erradicação da "bitolinha" foi objeto de muita controvérsia na época. O Ministério dos Transportes à época comandado pelo Sr. Eliseu Resende, apesar do programa PRESERVE sob o seu domínio, não se esforçou muito pela preservação desta ferrovia.
Por falta de interesse geral? NÃO!
Em 1983 o Sr. Patrick Dollinger, fundador e diretor-presidente da ABPF, entrou com o requerimento de tombamento de toda a malha em bitola de 0,76m junto à SPHAN (atual IPHAN). Ainda era tempo de manter todo o trajeto entre Antônio Carlos e Aureliano Mourão intacto e ainda salvar a maior parte do material rodante ali encontrado. Isso é parte do Processo 1.096-T-83 do DTC-SPHAN, que o GaxetaLeaks trouxe a público: http://trilhosdooeste.blogspot.com/2010/12/patrick-dollinger-abpf-o-iphan-e-e-f.html. Somado ao trecho de 200km da bitolinha, seria ainda tombada a rotunda de Ribeirão Vermelho. Entretanto, o que foi tombado, com processo encaminhado à DTC-SPHAN já em 1985, foi apenas o que vc conhece hoje, a pedido do PRESERFE, no âmbito da própria RFFSA, infinitamente, espetacularmente, assustadoramente muito menos do que a proposta de Patrick Dollinger. Quem quiser conferir a documentação, está no Rio de Janeiro, no Arquivo do Palácio Gustavo Capanema.
Pois é Welber,tempos atrás eu estava conversando com o Sr. Benito Grassi e ele me disse que durante a erradicação da linha do sertão ele próprio ainda solicitou as autoridades que se mantivesse além da linha de Tiradentes o trecho até a Fazenda do Pombal mas não quiseram nem saber,acabaram com tudo.O brasileiro não se preocupa muito com sua história,o próprio Sr. Patrick Dollinger era francês,os registros em vídeo que temos daquela época foram feitos por ingleses e norte americanos,várias fotos raras da bitolinha se não são de ferroviários são de alemães,ingleses e norte americanos,eles vinham de longe apenas para ver a tal Maria-fumaça que na época iria completar 100 anos de serviços prestados.Quem poderia evitar a destruição na época não evitou,foi assim com o Pavilhão de Matosinhos,com a Igreja do Sr. Bom Jesus de Matosinhos (antiga),com a ferrovia.Infelizmente é isso.
Olá Welber moro em Barroso bem próximo ao lado do antigo leito da EFOM e próximo também do Km 48, em 1981 eu vi passar possivelmente a última composição de passageiros da EFOM, os passageiros usavam roupas típicas da década de 20 ou 30, e foi documentado pela TV globo hoje MG TV, parece que Globo Minas na época.
Após 1983/84 eu assisti perplexo com que rapidez à ferrovia foi saqueada.
Infelizmente ninguém do lado de cá, nem políticos e nem IPHAM, se manifestou para manter á ferrovia pelo menos no seu trecho mais histórico, que o trecho de Antônio Carlos até são João o qual foi inaugurado pelo então Imperador D. Pedro II, basta ver o filme para contemplar as paisagens inclusive da antiga usina elétrica de Ilhéus (rio das mortes). Trecho entre Campolide e Barroso, que fornecia eletricidade p/ Barbacena, por outro lado também o Sr. David não filmou a primeira estação da EFOM de Barroso, mas, valeu muito este documentário.
Abraços.
Vicente
Vicente,
Bom dia!
Recomendo-lhe a leitura deste post:
http://trilhosdooeste.blogspot.com/2011/05/o-complexo-ferroviario-de-sao-joao-del.html
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