segunda-feira, 3 de abril de 2023

O código de classe das locomotivas fabricadas pela Baldwin Locomotive Works

É de conhecimento até mesmo popular a predominância das locomotivas a vapor fabricadas em Filadélfia, estado da Pensilvânia, nas ferrovias brasileiras. Um dos pequenos exemplos dos reflexos dessa imponência é o adjetivo “balduíno” como referência de homens de aspecto forte, como que a dizer que esse seria “forte como uma locomotiva”.

Ainda em 1889, segundo as pesquisas mais recentes, as locomotivas de procedência americana chegavam a representar 75,95% do mercado de locomotivas entre as ferrovias brasileiras – dos quais quase a totalidade era Baldwin[1] –, seguidas de inglesas (20,25%), francesas (2,53%), belgas (1,09%) e alemãs (0,18%).

Um dado importante é que a Baldwin não apenas era a mais organizada entre todos os fabricantes, como é a que mais legou documentação operacional e administrativa para a posteridade. Um desses itens de organização era a classificação alfanumérica que considerava o tipo, o diâmetro dos cilindros e a quantidade de locomotivas de mesma classe. Utilizada para a encomenda pelas companhias e entidades ferroviárias, a classe somava-se, ao final, como identidade de cada locomotiva, juntamente ao número de série.

Recorte do índice do livro de encomendas vol. 15 referente às ferrovias iniciadas em “E”. Reparar em E. de F. de Oeste de Minas – encomenda das locomotivas BLW classes 10-18D 1 e 2.

Recorte do índice do livro de encomendas vol. 15 referente às ferrovias iniciadas em “R”. Reparar em Ramal Dumont – encomenda das locomotivas BLW classe 8-12 1/3D 3 e classe 6-8 1/3C 20 – e Ramal Férreo de Santa Rita – encomenda das locomotivas BLW classes 8-11D 1 e 2.

Nesses exemplos, verificamos as encomendas das E. F. Oeste de Minas, Ramal Dumont e Ramal Férreo de Santa Rita. A EFOM pede à Baldwin duas 4-6-0 (ten-wheeler), de nomes "Manoel Barbosa" e "Henrique Galvão", com cilindros de 12 polegadas - que sabemos ser as EFOM 9 e 10 (posteriormente renumeradas como EFOM 105 e 106 e RMV 35 e 36); o Ramal Dumont pede uma 0-6-2 (branchliner), nome "Barão de Ataliba Nogueira", com cilindros de 9 polegadas e uma 0-4-2 (olomana), nome "Barão de Ibetinga", com cilindros de 7 polegadas e o Ramal Férreo de Santa Rita pede duas muito pequenas 2-6-0 (mogul) com cilindros de 8,5 polegadas, de nomes "Santa Rita" e "Francisco Ribeiro".

Como chegamos a tais informações?

Assim, o sistema de bibliotecas da Southern Methodist University (SMU) – Universidade Metodista do Sul, sediada em Dallas, Texas – descreve a lógica da classificação da Baldwin Locomotive Works como forma de explicar esses códigos encontrados em parte da documentação da qual sua Biblioteca DeGolyer – principal repositório para a coleção especial de humanidades – proveniente dos arquivos da defunta fabricante de locomotivas:

“O código de classe Baldwin era um sistema de classificação iniciado em 1842 e usado até 1940, aproximadamente. Por exemplo, a classe para uma locomotiva ten-wheeler da Nevada-California-Oregon Railway pode ser descrita da seguinte maneira: ‘10-24 D 35’ em que 35 - Indica a 35ª locomotiva da classe; D - 3 pares de rodas motrizes; 24 - Número que representa o diâmetro do cilindro; 10 - Indica um total de 10 rodas. O número inicial é o número total de rodas de todos os tipos sob a locomotiva; O segundo número indica o diâmetro do cilindro em polegadas, sendo o diâmetro do cilindro obtido dividindo-se o número de classificação por 2 e somando-se 3 ao quociente. O 24 encontrado no código do exemplo indica um diâmetro de cilindro de (24 ÷ 2) + 3 = 15. Uma fração, 42/68, por exemplo, indica uma locomotiva de expansão compound [composta] com dois tamanhos de cilindros. A designação da letra indica o número de pares de rodas motrizes acopladas. “A” - classe especial de locomotiva de alta velocidade com um par de rodas motrizes. Também locomotivas de cremalheira. “B” - um par de rodas motrizes. “C” - dois pares de rodas motrizes acopladas. “D” - três pares de rodas motrizes acopladas. “E” - quatro pares de rodas motrizes acopladas. “F” - cinco pares de rodas motrizes acopladas. Letras duplas - locomotivas articuladas com mais de um conjunto de rodas motrizes acopladas. O(s) último(s) número(s) no código da classe identifica uma locomotiva específica dentro da classe, portanto, serial interno à classe” [tradução minha]. DEGOLYER LIBRARY. Baldwin Locomotive Works: Search for Baldwin drawings. Disponível em: <https://guides.smu.edu/c.php?g=1029481&p=7460937>. Acessado em: 20/10/2022.

Em cada locomotiva de procedência Baldwin é possível verificar a inscrição dessa classe nas placas retangulares aplicadas à caldeira logo acima da boca da fornalha. Essa placa traz, ainda, as informações de teste da caldeira, explicitando a pressão alcançada em teste de água e de vapor, além de informar a pressão máxima aconselhável para a operação da máquina.


Locomotiva de rodagem 2-8-2 – tipo Mikado – nº 100 da E. F. Oeste de Minas (mais tarde nº 516 da Rede Mineira de Viação). Sua classe BLW era 12-24 1/4 E. Fonte: RAILROAD MUSEUM OF PENNSYLVANIA. Library and Archives. Disponível em: <https://rrmuseumpa.andornot.com/permalink/archives13215>. Acessado em: 03/04/2023.

Desenho da placa de classe e teste de pressão da locomotiva de rodagem 2-8-2 – tipo Mikado – nº 100 da E. F. Oeste de Minas (mais tarde nº 516 da Rede Mineira de Viação) encontrado no livro de projeto da série de locomotivas da qual essa faz parte.

Outras formas que o fabricante utilizou parar marcar tal informação em suas locomotivas foram a inscrição na lateral superior das placas seriais (essas mais conhecidas e explícitas), durante a vigência da companhia Burnham, Parry, Williams & Co. (1873-1890), e a inscrição na tampa superior dos domos de vapor – local em que a maioria das locomotivas de bitola estreita recebem o apito e as válvulas de segurança do vapor – nos períodos posteriores.

Caldeira da locomotiva nº 604, da Companhia Paulista de E. F., vista pelo interior da cabine. Notar a placa de teste marcada com a classe BLW 10-24D 24.

A placa de teste/classe BLW que se encontra na caldeira da locomotiva proveniente da Companhia Paulista de E. F., operada pela regional Campinas da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), 10-24D 24, indica que esta caldeira pertencia à locomotiva que originalmente recebeu a matrícula 40 da Companhia Paulista, cujo serial era 14439, de setembro de 1895[2]. A placa serial que se encontra na mesma ABPF/CPEF 604, 14255 de abril de 1895, segundo a documentação da BLW na Biblioteca DeGolyer, pertencia a uma locomotiva de rodagem 0-4-0T para uma empresa de nome E. D. Smith & Co., de nº 2 e nome “Annie”[3].

Para o meio da preservação ferroviária, essa classificação pode auxiliar na identificação de locomotivas BLW que perderam a placa serial; assim, é possível encontrar fichas e especificações técnicas que permitam refinar o restauro desses bens. Em minha pesquisa sobre a americanização ferroviária brasileira, foi um fator de quantificação de itens de alto valor agregado comercializados entre EUA e Brasil no século XIX, especialmente em comparação a equivalentes de outras praças industriais.



[1] Até 1889, as estradas de ferro Barão de Araruama, Leopoldina, Madeira & Mamoré e Paulo Afonso, juntas, adquiriram doze (12) locomotivas da Rogers Locomotive & Machine Works, de Patterson, Nova Jersey; a E. F. Pirahyense (Piraiense), em 1880, adquiriu uma manobreira com a Danforth Locomotive & Machine Works (Cooke Locomotive Works a partir de 1882), também de Patterson.

[2] O IGL da SPMT indica que a CPEF 40 receberia a matrícula 605 em renumeração. SPMT. Inventário Geral de Locomotivas, p. 31.

[3] Cf. BALDWIN LOCOMOTIVE WORKS. Index of Companies, Construction Numbers from May 1889 to July 1896, Nos. 10000 to 14999, p. 150 (195 do PDF). Disponível em: <https://digitalcollections.smu.edu/digital/collection/rwy/id/2438/rec/1>. Acessado em: 03/04/2023.


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