quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

As empresas privadas (consórcios) e os trens ditos "turísticos" - não dá certo

Resolvi colocar um título auto-explicativo neste post. Geralmente o são, mas este, em especial, é cristalino.
Me inspirei hoje em post publicado no blog do Sr. José Emílio de Castro Buzelin, onde ele publica parte do diálogo (que ele insiste ser um monólogo) que teve com a representante de um "consórcio de trens turísticos" (nome não revelado, mas é fácil desconfiar) quando ela o contactou via telefone.

Reproduzirei aqui a parte do diálogo por ele disponibilizado e deixo-o à vontade para pedir que eu retire:

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Estava eu hoje no conforto de minha sala na empresa, e toca o celular. Na linha, uma mulher:

- Alou, você é o (...)?
- Sim!
- Eu vi seu blog e uma entrevista sua no (...). Tenho uma dúvida e preciso de uma ajuda sua.
- Claro! pode falar.
- Sou de um consórcio que quer implantar trens turísticos regionais. Queria saber se você sabe onde tem "vagão" pra comprar?
- Olha, desconheço. Não há mais nada.
- Não?
- O que não foi vandalizado, já tem proprietário.
- Essa "empresa" que vc participa, a "ABPF", comprou eles onde?

(pausa dramática minha, já prevendo "bundamolismo" na conversa dalí em diante)

- Olha, ela não comprou nada, é cedido pelo governo. É trem de preservação, de museu, não de turismo (drama).
- ah...tá...
- Mas, no Brasil inteiro, não há mais nada?
- Depende, qual bitola?
- Ah?
- Qual bitola?
- Bitola? não sei. Na verdade é "vagão" que precisamos. E duas Maria Fumaça.

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Queria apenas compartilhar aqui meus pensamentos sobre como a iniciativa privada erra ao se meter no assunto preservação ferroviária/trens turísticos. Sim, coloco os dois juntos pelo simples fato de que são irmãos quase siameses. Quase siameses porque a preservação ferroviária pode até viver sem o trem turístico, mas o segundo não vive sem a primeira.
O que se percebe na ação dessas empresas/consórcios de "trens turísticos" é que se esforçam por provar à sociedade que não é preciso conhecer os capítulos sobre a História ferroviária, a museologia, a arqueologia industrial, as convenções de conservação/restauração, a experiência alheia pelo resto do mundo, para se manter bens ferroviários em funcionamento.

A Steam Town Society, a Cumbres & Toltec Scenic, a Darjeeling Himalaia, entre outras instituições de preservação e operação de trens ditos "turísticos" ao redor do mundo são de responsabilidade de entidades públicas ou reconhecidas como de interesse público.

O desastre que é a operação de trens ditos "turísticos" por empresas privadas no Brasil são um belo exemplo de que não se deve insistir em tal via (sem trocadilho, como sempre).

A ausência de comprometimento por parte de emrpresas para com os princípios mais básicos de conservação de bens históricos é uma constante quando se dedicam (não, não se dedicam, esse é o fato) a  tal atividade. Não conhecem as cartas patrimoniais da UNESCO, não conhecem os princípios, estudos e convenções sobre museologia (sim, meus queridos, querendo ou não é uma atividade museológica).

Me identifiquei com o sentimento do Sr. Buzelin devido ao fato de não apenas ele ter sido procurado para tratar do tema. Venho, também, recebendo ligações e e-mails de pessoas ligadas à "consórcios", "empresas", "prefeituras" em busca de "maria fumaça" e "vagões" para instalarem um "trem turístico" em determinadas regiões.

Sem contar também que esses aventureiros desconsideram ou ignoram o fato de que as linhas de seu interesse são parte de concessões e arrendamentos e que se deve contactar tanto a União como as concessionárias de transporte ferroviário para se estudar a viabilidade de seus projetos.

A ausência de técnicos e acadêmicos preparados não deixa de ser uma constante nesses consórcios ou empresas que querem abrir "trens turísticos". A irresponsabilidade muitas vezes é evidente no primeiro contato.


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