terça-feira, 21 de abril de 2009

Inspiração musical da ferrovia

Alguns amigos não conseguem entender o porquê do meu fascínio por trens (aqui sempre no sentido ferroviário, para outros significados do verbete, conferir o Houaiss ou o Aurélio).
Não sou o único a ter sofrido desse encantamento, até porque no mundo todo, desde que a ferrovia Stockton & Darlington foi inaugurada na Inglaterra em 1825, o impacto desse meio de transporte, simbolo máximo da era do capital, é semelhante.

O historiador Eric Hobsbawm sintetiza melhor o que quero dizer:
"Nenhuma outra inovação da revolução industrial incendiou tanto a imaginação quanto a ferrovia, como testemunha o fato de ter sido o único produto da industrialização do século XIX totalmente absorvido pela imagística da poesia erudita e popular. (...) A estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente emplumada de fumaça, à velocidade do vento, através de países e continentes, com suas obras de engenharia, estações e pontes formando um conjunto de construções que fazia as pirâmides do Egito e os aquedutos romanos e até mesmo a Grande Muralha da China empalidecerem de provincianismo, era o próprio símbolo do triunfo do homem pela tecnologia".
(HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 18ª Edição, 2004, p. 72.)

Para lembrar o quanto as ferrovias fazem parte do cotidiano do ocidente (e no oriente a coisa não é diferente, matéria para um post futuro), citarei algumas músicas que as têm como fonte de inspiração.
Vale lembrar que no Brasil o transporte ferroviário foi, até a retirada do Estado de sua função de atender à demanda social por um transporte de massa barato e seguro (apesar de lento), com a liberalização geral do setor (diga-se de passagem, mais radical do que em países como a Inglaterra e os EUA em que esse tipo de transporte é mantido por companhias estatais), quase o meio exclusivo de várias regiões afastadas, os ditos sertões. Não a-toa o termo sertão aparecerá em muitas canções sobre trens.

Vamos ao que interessa:

Para começar, um clássico da música brasileira:

Demônios da Garoa - Trem das Onze (com o Fundo de Quintal)

Essa belíssima canção tem como referência o trenzinho de bitola de 60cm que cortava a cidade de São Paulo até meados do século passado, o Tramway da Cantareira. Essa é imortal e não conheço quem não a cante.

Outro clássico é o do "maluco beleza":

Raul Seixas - Trem das 7

"Quem vai chorar, quem vai sorrir? Quem vai ficar, quem vai partir?"

Lô Borges e Ronaldo Borges fizeram também uma canção passeando de trem, e a Pequena Notável (en)cantou:

Elis Regina - O Trem Azul

"Você pega o trem azul, o Sol na cabeça
O Sol pega o trem azul, você na cabeça
Um sol na cabeça"

Por que azul? O fato é que os carros dos trens de passageiros da extinta Rede Ferroviária Federal eram azuis por padrão, sendo exceção apenas os carros de madeira da bitolinha da Oeste de Minas (MG) e da Teresa Cristina (SC).

Graças ao Judas Priest, conheci minha musa, a velha parceira musical do Bob Dylan:

Joan Baez - Freight Train

A maior malha ferroviária do mundo está nos EUA. Com a Crise de 1929 muitas pessoas saiam de sua região de origem para procurar melhor sorte em outras paragens, era comum pegarem carona em vagões (freight cars) vazios.

Não só o Lô Borges fala de trem azul, às margens do Missouri também alguém usou o mesmo título:

Johnny Cash- Blue Train

"There's an engine at the station and the whistle calls my name,
It's callin' callin' callin', 'Come and get aboard the train.'"

Como não só os folks gostam de utilizar o termo trem em suas composições, percebemos que o rock n'roll tem tudo a ver com o assunto, haja vista muitas são as semelhantes características das locomotivas com o révi métao. Ambos são de metal e pesados.

Ozzy Osbourne - Crazy Train

Vale como homenagem ao exímio guitarrista, o falecido Randy Rhoads.

Para provar que a inspiração do trem é pode fazer milagres, notei que a música mais palatável na voz do Acséu Rose, sempre muito irritante e esganiçada, tem locomotiva no nome. É uma faixa praticamente progressiva, chama-se Locomotive. Porém, não encontrei nenhuma versão que tenha a música de estúdio no vocêtuba, então terão que ficar com o trem da noite mesmo:

Guns N' Roses - Nightrain

Não reclamem, o som é um roquênrow bem bacaninha, mesmo sendo feito por grandes babacas.

Apesar de ter evitado as versões ruins do anterior, achei uma que vale a pena, apesar da péssima qualidade do som. O Jimmi Page começa com um som de guitarra imitando o som de um... trem:

Led Zeppelin - Train Kept a Rollin

Led Zeppelin sempre vale a pena. :P

Dave Mustaine também fez sua contribuição com um título trenhoso:

Megadeth - Train of Consequences

"Set the ball a-rollin
I'll be clicking off the miles
On the train of consequences
My boxcar life o' style
My thinking is derailed
I'm tied up to the tracks
The train of consequences
There ain't no turning back"

Para fechar em grande estilo não poderia deixar de ser:

Grund Funk Railroad - The Locomotion

Existem muitas mais referências musicais às ferrovias e seu universo. O blues, pela sua origem no vale do Mississipi, cortado por várias estradas de ferro, é bastante fértil na utilização dos sons das locomotivas. A gaita, instrumento rústico e característico do blues "de raiz" (me corrijam se falo bobagem), é um ótimo imitador do apito das velhas vaporosas. Merece um capítulo à parte.

3 comentários:

Pablo B. Souza disse...

Muito boa a seleção, Mr. Welber. Dá até pra gravar um CD! Abraços.

Pablo B. Souza disse...

Parou por quê? Por que parou? Piuííííí!!! Cara, põe esse blog nos trilhos... enche a fornalha de lenha e sai apitando pela world wide web. Pô, muito legal essa última proposta do blues. Quero ver algo mais sobre o assunto no blog. Isso me lembrou "Uma breve história da América" publicada no álbum Blues do cartunista underground Robert Crumb (recomendo!). Alguém fez um vídeo com os quadros e publicou no YouTube. Segue como pequena contribuição da Pata do Guaxinim: http://www.youtube.com/watch?v=3ym5n-ZZWUs

Welber disse...

"Parei porque vi violência, parei porque vi confusão"...
parei não, é que tô mesmo sem idéia do que falar por esses tempos. Como disse o pai da Isabelle, no filme "Os Sonhadores", "Inspiração é como um bebê. Ela não escolhe uma hora conveniente para vir ao mundo."