Não sei quantas locomotivas da Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina foram preservadas. Como foi a última ferrovia do sistema federal a abandonar a utilização de locomotivas a vapor em escala industrial, é possível que tenha legado número significativo de unidades. Até outro dia contavam-se onze máquinas de rodagem 2-10-2 (tipo Santa Fe) e parece que treze 2-10-4 (tipo Texas). Contando as quatro ou cinco 2-8-2 (tipo Mikado), teríamos quase trinta máquinas a vapor daquela estrada de ferro litorânea.
A E. F. Oeste de Minas, além das dezoito locomotivas em bitola de 0,76m (2 pés e 6 polegadas), ainda deixou mais vinte e uma em bitola métrica (3 pés e 3/8 de polegada).
O melhor de tudo isso é o fato de várias dessas máquinas terem sido restauradas pela ABPF e funcionarem atualmente. Em São João del-Rei temos três locomotivas e meia destinadas ao tráfego, enquando as outras quinze enferrujam e se corroem na rotunda e na gare da estação. Em São Lourenço temos a pacific 332, em Carlos Gomes encontramos as ten-wheeler 210 e 215, em Anhumas a pacific de 3 cilindros 338, em Santa Catarina ainda poderemos ver as também ten-wheeler 232 e 235. Todas operacionais, para ironizar com o material tombado pelo IPHAN encontrado em São João.
Ironizar por quê?
Reparem num detalhe importantíssimo:
O complexo ferroviário de São João del-Rei e tudo que se encontra em seus limites e nos 12km que o separam da Estação de Tiradentes são reconhecidos como patrimônio nacional e, por isso mesmo, oficialmente protegidos pro leis que regem a conservação e restauração de bens ditos históricos. O fato é que o material melhor e mais adequadamente preservado não é tombado como patrimônio nacional, é o que se encontra fora dos limites do sítio.
A seguir fotografias em vários períodos das locomotivas “sobreviventes” construídas para a malha em bitola métrica da Estrada de Ferro Oeste de Minas. Em várias fases distintas.
A American RMV 157, EFOM 4, encontra-se em Varginha-MG como monumento estático. Foto: Acervo NEOM-ABPF.
A ten-wheeler RMV 205, EFOM 19, EFOM 100, foi negociada com a prefeitura de Pouso Alegre em troca que envolveu a consolidation 1170 da EFCB. De operacional em Campinas, foi levada para Pouso Alegre onde teve utilização curta, já está abandonada denovo. Foto de Jonas Augusto.
RMV 206, EFOM 20, EFOM 101, ainda com limpa-trilhos de madeira na década de 1940. Atualmente é monumento estático em Conservatória, distrito de Valença-RJ. Foto: Acervo NEOM-ABPF.
A candidata a próximo xodó do NEOM-ABPF, a RMV 210, EFOM 24, EFOM 105, encontra-se em Carlos Gomes, Campinas-SP, e é operacional há décadas, desde que foi restaurada pela ABPF. Esta é proveniente de encomenda da E. F. Goiás (seria, de acordo com a encomenda, a EFG 4), porém, entregue como locomotiva da Oeste.
A RMV 213, EFOM 27, EFOM 108, foi preservada em Três Corações-MG. Quando a vi, ela me olhou e pediu um teste hidrostático e implorou pela água e pela lenha. Foto de Jonas Augusto.
A RMV 215, EFOM 29, EFOM 110, é a menina de ouro da ABPF em Campinas, uma espécie de locomotiva nº1 já que foi a primeira a ser restaurada pela entidade. recebeu o nome em homenagem ao fundador da ABPF, Patrick Dollinger.
A RMV 220, EFOM 34, EFOM 115, foi escolhida para ser cortada ao meio para demonstração do mecanismo permanentemente exposta na rotunda de São João del-Rei, hoje abandonada na parte sub-utilizada do mal conservado museu.
Outra “sobrevivente”, a ten-wheeler RMV 223, EFOM 37, EFOM 118. Encontra-se em Piquete, SP.
A também ten-wheeler RMV 225, EFOM 43, EFOM 120, hoje em Maria da Fé-MG, foi construída nas oficinas da E. F. Oeste de Minas em Divinópolis com peças de reposição BLW por volta de 1920.
Em Itaúna-MG encontra-se a RMV 227, EFOM 40, EFOM 122. Aqui começam as ten-wheeler mais pesadas, que vieram a partir de 1919, as anteriores são de 1911 e 1912.
A RMV 232, EFOM 46, EFOM 127, foi parar em Apuna, Santa Catarina, onde foi restaurada e recolocada em “ordem de marcha”, é a Oeste andando bem longe de casa.
Já a RMV 233, EFOM 128, ficou em Lavras-MG, como monumento estático na Praça da Estação.
Aqui a VFCO 235, EFOM 130, ainda operando na década de 1970. Depois disso foi abandonada e levada também para Santa Catarina, onde foi restaurada e é utilizada operacional.
Em 1971 Sérgio Maida flagrou a ten-wheeler VFCO 236 em Três Corações-MG. Hoje a antiga EFOM 131 encontra-se fantasiada de Mogiana em Jaguariuna-SP, como monumento estático.
Olha só quem tá aqui, a VFCO 239, que já foi EFOM 134, na rotunda de Ribeirão Vermelho. Hoje é peça de museu na rotunda de São João del-Rei. Foto: Acervo NEOM-ABPF.
Quando eu já estava ficando enjoado de tanta 4-6-0, eis que surge a pacific RMV 315, que já foi EFOM 80 e EFOM 150. Encontra-se em Ribeirão Vermelho-MG como monumento.
A Pacific RMV/Oeste 160 virou RMV 325 e hoje é um monumento de praça em Bom Despacho-MG.
A Pacific VFCO 332, EFOM 164, foi restaurada em condições operacionais pela ABPF e trabalhou em três localidades depois disso. Esteve sob o comando de Benito Mussolini Grassi em Pedregulho-SP e acabou sendo transferida para São Lourenço-MG, e hoje trabalha em Passa Quatro-MG.
Muito parecida com a 332, a RMV 338 possuí um detalhe que a diferencia de todas as companheiras vindas da Oeste, possuí três cilindros. Quer vê-la? Vá até a estação de Anhumas, em Campinas-SP.
A Consolidation RMV 423, EFOM 213, é a única 2-8-0 sobrevivente da Oeste. Virou monumento em Cristina-MG.
E pelo menos uma mikado da Oeste ficou para nossa apreciação. Uma das poucas que ainda espera restauração desde a década de 1970. A RMV 520, EFOM 104, EFOM 254, está na fila em Cruzeiro-SP.
Sem a pesquisa de Hugo Caramuru e a ajuda de Jonas Augusto este post não seria publicado hoje.
Quero deixar registrado também meu orgulho em ser associado à ABPF desde 1999. É a única entidade destinada a Preservação Ferroviária que conheço que consegui levar a sério. O resto é uma mistura de modismo, oportunismo e pilantragem. (Isto é uma opinião pessoal e intransferível)
12 comentários:
Muito bom o post, mano!
Acho que vou acabar me apaixonando por locomotivas! Li hj para a Ana o texto do Benjamin sobre a importância das máquinas a vapor.
Siga com a luta pela preservação do patrimônio!
Até tu, Brutus?
Incrível o post!!! Seria muito legal se essas locomotivas que ficam largadas por esse mundão sem porteira pudessem entrar novamente em operação e sentir o gostinho de trilho de novo, em vez de ficar definhando como anão de jardim em praças ou deixadas em pátios.A imagem da 223 e da 232 definhando nao foi legal... admiro o trabalho da ABPF!
Rick, a 232 está na ativa em Santa Catarina. A 223 já não garanto que volta a funcionar.
Legal a 232 estar funcionando! Mas a julgar pela aparência do estado da 223 eu diria que ela não está pior do que a VFCO 58, sucateada na oficina daqui de São João. Aquilo não tem retorno, mas uma restauração pesada e bem aplicada talvez possa trazer a 223 de volta... Ou a RMV 520, da qual eu achei muito interessante. Apesar desses trens estarem longe,faria bem também para o patrimônio ferroviário da EFOM de SJDR uma restauração para evitar a perda dessas preciosidades. Você mesmo disse,Welber, que não era bom que as bitolinhas ficassem encerradas lá na rotunda, pois elas se corroeriam com a ferrugem e o abandono. Todavia, elas estão melhores do que muitos trens Brasil afora. A cada dia eu me impressiono cada vez mais com seu blog, com um belíssimo acervo histórico-fotográfico.Parabéns!
A 58 vai ser mais difícil, mas não é coisa de outro planeta. A caldeira tá boa, e o resto é questão de tempo e dedicação. Tem forja, tem torno e tem DOIDOs pra fazer isso. É só deixar a gente trabalhar que isso sai.
Cara, onde estão as máquinas Nº307,Nº505 e Nº522? Também não eram da E.F Oeste de Minas operacionais em bitola de 1,00m?
Mina's, as 307, 505 e 522 eram da Rede Sul Mineira (RSM) que, junto com a Oeste de Minas, foi arrendada ao governo de Minas para formar a Rede Mineira de Viação (RMV).
E quanto á locomotiva nº437, que se encontra na VFCJ rodando sobre o nº222? RMV ou RSM?
A 222 era a RMV 431 (quatrocentos e trinta e um), e antes de ser a RMV 431, foi a RSM 222, e, antes disto, foi a 67 da E. F. Muzambinho.
A RMV 437 era uma consolidation gigante, outside-frame, da RSM. Eram quatro monstros (435 a 438) e a última a ser cortada foi justamente a 437, que já havia sido liberada pela RFFSA para a ABPF e estava em Barra Mansa. Ao chegarem lá, os caras encontraram só os pedaços da moça. Seria uma das locomotivas mais imponentes da ABPF, valia praticamente uma G12. Elas trabalhavam na Serra da Mantiqueira, onde era necessário utilizar locomotivas mais fortes para vencer as rampas. Sobre a placa: como a da 431 por alguma razão foi perdida (talvez tenha quebrado), pegaram a da 437 e pintaram a "trave" do 7 para simular o 1. Enfim, serviço tosco.
Eu sei que a 220 está em funcionamento no SESC mineiro de Grussaí-RJ. Eu fiz um passeio hoje nela, isso eu não entendi... São fabricados várias locomotivas de cada modelo ou é só uma locomotiva de cada modelo? Se puder respode.
Gabriel José, cada ferrovia adquire locomotivas de acordo com suas necessidades. Pode haver muitas unidades de um determinado modelo, ou apenas uma. Depende do que a companhia encomenda aos fabricantes. Quando ao número, a 220 que você conheceu não é a 220 referida neste post. Essa aí é a 220 que é uma 2-8-0 ex-Estrada de ferro Leopoldina. A 220 referida acima é a 220 da Rede mineira de Viação, originalmente 115 da Estrada de Ferro Oeste de Minas.
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