A Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), salvou vasto material rodante da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), Ferrovias Paulistas S.A. e outras ferrovias, algumas particulares, do sucateamento. Tendo adquirido em forma de comodato, junto à União, várias dessas peças, a segunda fase consistia em dar à elas nova vida, pela intervenção do restauro à condição operacional.
O trabalho de recuperação de tal patrimônio vem ocorrendo desde a década de 1980, durante 30 anos muitas locomotivas, além de carros, vagões e outros tipos de rodante, voltaram aos trilhos em condições de tráfego, utilizados nos vários trechos sob a salvaguarda da entidade. E muitas das peças salvas ainda aguardam sua vez de voltar ao movimento. Entre essas está a mikado nº 522, que originalmente foi a locomotiva nº 300 da Rede Sul Mineira, junto com a Estrada de Ferro Oeste de Minas, uma das formadoras da Rede Mineira de Viação.
A locomotiva RFFSA SR-2 nº 522 em sua função de "carrasca" no pátio de Barra Mansa, RJ, em abril de 1980. Foto Acervo NEOM-ABPF. |
Locomotiva RMV 522
A 522 é uma das locomotivas que até hoje esperavam sua vez de voltar às condições de espalhar o vapor pelas linhas do Sul de Minas, ou, possivelmente, por outros cantos em que a ABPF atua. Ironicamente (sempre há algo irônico em relação à preservação ferroviária no Brasil), esta era a locomotiva responsável, em Barra mansa, RJ, pela movimentação de suas congêneres em direção ao massarico de corte, daí vem o apelido "carrasca".
Antes de chegar aos pátios da ABPF, a 522 passou pela rotunda de Ribeirão Vermelho, MG, onde permaneceu por algum tempo sob sol, chuva, e todo sucesso de abandono, até ser levada para o pátio da já desativada Estação de Jaguariúna, junto com todo o material cedido pela RFFSA à ABPF na primeira metade da década de 1980.
Segundo Felipe Sanches, do blog da ABPF Sul de Minas:
A ABPF prevê que a unidade retorne ao funcionamento no início do próximo ano (2012) para operar no trecho Passa Quatro - Túnel da Mantiqueira.Segundo Felipe Sanches, do blog da ABPF Sul de Minas:
"Em 1984 ela saiu de Jaguariúna velha (ponto final hoje da VFCJ) e foi transferia para Jaguariúna nova e depois seguiu para estação Barra Funda em São Paulo. Com a reforma da estação Barra Funda ela foi transferida para estação Presidente Altino juntamente com a locomotiva 332 e a 338 (hoje operando na VFCJ). (...)
Esta locomotiva foi transferida da regional de Campinas para a regional de Cruzeiro no inicio dos anos 90 (quando se encontrava em Presidente Altino), chegou em Cruzeiro de trem (pelas linhas da SR3) e como não existia guindastes adequados para descarrega-la ela acabou sendo descarregada dentro da Amsted Maxion (na época ainda FNV ou Fábrica Nacional de Vagões).
A locomotiva ficou guardada na fábrica por vários anos e por volta do ano 2000 com a regional já bem estruturada e com local adequado para armazenamento ela foi então retirada da fábrica e colocada no pátio da estação de Cruzeiro, nas dependências das Oficinas de Cruzeiro."
Ficha Técnica
Fabricante: American Locomotive Company - Schenectady Works
Ano de fabricação: 1926
Placa: 66747
Tipo: Mikado (2-8-2)
Bitola: 1,00m (3' 3 3/8")
Expansão do vapor: Simples
Bitola: 1,00m (3' 3 3/8")
Expansão do vapor: Simples
Produção de vapor: Superaquecido
Válvula de distribuição do vapor: tipo Walschaertz
Válvula de distribuição do vapor: tipo Walschaertz
Combustível: lenha (madeira) ou carvão (convertida em óleo BPF na década de 1950 devido à escassez e encarecimento da lenha)
Numeração
Original: Rede Sul Mineira nº 300
Segundo: Rede Mineira de Viação nº 522
Obs: O nº 522 foi o definitivo, sendo que esta locomotiva foi mantida em serviço até a dieselização final dos quadros da SR-2 da RFFSA (exceção da "bitolinha"). Portanto, passou pelas fases RMV 522, RFFSA/RMV 522, RFFSA/VFCO 522 e RFFSA SR-2 522.
Ficha Técnica da Rede Mineira de Viação |
Obs: O nº 522 foi o definitivo, sendo que esta locomotiva foi mantida em serviço até a dieselização final dos quadros da SR-2 da RFFSA (exceção da "bitolinha"). Portanto, passou pelas fases RMV 522, RFFSA/RMV 522, RFFSA/VFCO 522 e RFFSA SR-2 522.
"...ainda que se possa falar em tantos e diversos meios para se empreender uma restauração, somente se pode afirmar que as intervenções sobre bens culturais sejam verdadeiramente restauro quando sua finalidade última seja a conservação e transmissão ao futuro de tais bens, pois 'per ogni monumento danneggiato o perduto, a causa d'interventi impropri, non c'è rimedio; [...] l'originalità di ciò che s'e perso rimarrà per sempre irrecuperabile'*, dado que sejam únicos e irrepetíveis." [1]
As teorias do restauro, em que se pese a prática do Istituto Centrale del Restauro e a elaboração textual de seu fundador, Cesare Brandi, por mais que não dêem conta de todos os problemas relativos ao campo, especialmente em se tratando do tão novo e pouco estabelecido como conceito, o "Patrimônio Industrial", possue capítulos que podem facilmente ser úteis ao ato de restauro de bens culturais provenientes do período industrial.
Neste sentido, a ferrovia cumpre um papel destacado no campo e, como será fácil notar, as locomotivas a vapor, um dos principais produtos desse período, sobressaem sobre a maior parte dos bens móveis legados pela industrialização.
Criei este post, que é o primeiro de quantos forem necessários, para ilustrar aos leitores do Trilhos do Oeste/GaxetaLeaks como se dá a recuperação de uma locomotiva e, juntamente e paralelamente à locomotiva nº 20 da Denver & Rio Grande Southern, mostrar que não é uma tarefa simples de se realizar, no entanto, também não impossível, além de as técnicas serem mais ou menos padronizadas, independentemente dos recursos disponíveis. Em outras palavras, o trabalho realizado pela ABPF em nada deve ao realizado pela Strasburg Rail Road.
Aguardaremos cenas dos próximos capítulos.
O Trilhos do Oeste agradece aos colegas Felipe Sanches, Bruno Sanches, Jorge Sanches, Sérgio Romano e Hélio Gazetta pelas informações e disponibilização das imagens encontradas no Blog da ABPF - Regional Sul de Minas.
Aguardamos a evolução dos trabalhos e imagens para a parte 2.
Neste sentido, a ferrovia cumpre um papel destacado no campo e, como será fácil notar, as locomotivas a vapor, um dos principais produtos desse período, sobressaem sobre a maior parte dos bens móveis legados pela industrialização.
Criei este post, que é o primeiro de quantos forem necessários, para ilustrar aos leitores do Trilhos do Oeste/GaxetaLeaks como se dá a recuperação de uma locomotiva e, juntamente e paralelamente à locomotiva nº 20 da Denver & Rio Grande Southern, mostrar que não é uma tarefa simples de se realizar, no entanto, também não impossível, além de as técnicas serem mais ou menos padronizadas, independentemente dos recursos disponíveis. Em outras palavras, o trabalho realizado pela ABPF em nada deve ao realizado pela Strasburg Rail Road.
522 em Cruzeiro, SP, 2003, onde será restaurada pela equipe da ABPF - Regional Sul de Minas. Foto de Felipe Sanches. |
Em 2005, ainda no aguardo dos trabalhos de restauro. Foto Acervo NEOM-ABPF. |
Teste hidrostático, que permite verificar os possíveis vazamentos na caldeira, principal peça da locomotiva a vapor, montada com a técnica de rebites. Nesta ocasião pode-se detectar problemas principalmente nos estais que suportam a caixa de fogo (fornalha), tubulação e espelhos da caldeira propriamente dita. Foto de Felipe Sanches. |
Vazamento detectado em um dos tubos de superaquecimento, que são os de maior diâmetro, em relação aos tubos de vapor saturado, de menor diâmetro. Foto de Felipe Sanches. |
Interior de um dos cilindros. Pelo tempo em que a locomotiva permaneceu parada ocorreu o acúmulo de resíduos. Foto de Felipe Sanches. |
Aqui podemos ver o interior da caixa de fumaça. Os tubos de menor diâmetro são os de vapor saturado, os tubos de maior diâmetro são os que devem receber as serpentinas por onde o vapor saturado retorna à caldeira para o superaquecimento. A base do superaquecedor (Superheater) suporta todas as serpentinas e os coletores que conduzem o vapor já superaquecido aos cilindros. Foto de Felipe Sanches. |
As pecto da caixa de fumaça já sem as serpentinas de superaquecimento e os coletores. Foto de Felipe Sanches. |
Início do trabalho de remoção dos tubos, pelo lado da fornalha. Foto de Felipe Sanches. |
A vida útil da caldeira, graças ao advento da solda elétrica e todas as suas variáveis, ganhará novo fôlego com a confecção de novos espelhos. Foto de Felipe Sanches. |
O serviço de caldeiraria permite, além da troca da tubulação, a limpeza do interior da caldeira, como se vê nesta imagem com os resíduos. Foto de Felipe Sanches. |
O Trilhos do Oeste agradece aos colegas Felipe Sanches, Bruno Sanches, Jorge Sanches, Sérgio Romano e Hélio Gazetta pelas informações e disponibilização das imagens encontradas no Blog da ABPF - Regional Sul de Minas.
Aguardamos a evolução dos trabalhos e imagens para a parte 2.
* "para o monumento danificado ou perdido por causa da intervenção indevida não há remédio; [...] a originalidade do que foi perdido será sempre incorrigível" (Giovanni Carbonara - arquiteto, Diretor do ICR e professor da Universidade de Roma "La Sapienzza")
[1] CUNHA, Cláudia dos Reis. Restauração: diálogos entre teoria e prática no Brasil nas experiências do IPHAN. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010, p.19.
[1] CUNHA, Cláudia dos Reis. Restauração: diálogos entre teoria e prática no Brasil nas experiências do IPHAN. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010, p.19.
Um comentário:
Muita nobreza de uma instituição como a ABPF. É muito bonito ver uma locomotiva voltando à vida.
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