Chega-se, desse modo, a reconhecer a ligação indispensável que existe entre a restauração e a obra de arte, pelo fato de a obra de arte condicionar a restauração e não o contrário. Mas vimos que é essencial para a obra de arte o seu reconhecimento como tal, e que nesse momento se dá o reingresso da obra de arte no mundo. A ligação entre restauração e obra de arte se estabelece, pois, no ato do reconhecimento, e continuará a se desenvolver em seguida, mas no ato do reconhecimento serão levadas em consideração não apenas a matéria através da qual a obra de arte subsiste, mas também a bipolaridade com que a obra de arte se oferece à consciência.
Como produto da atividade humana, a obra de arte coloca, com efeito, uma dúplice instância: a instância estética que corresponde ao ato basilar da artisticidade pela qual a obra de arte é obra de arte; a instância histórica que lhe compete como produto humano realizado em um certo tempo e lugar e que em certo tempo e lugar se encontra. Como se vê, não é sequer necessário acrescentar a instância da utilidade, que, definitivamente, é a única formulada para os outros produtos humanos, porque essa utilidade, mesmo se presente, tal como na arquitetura, não poderá ser levada em consideração de forma isolada para a obra de arte, mas tão-só com base na consistência física e nas duas instâncias fundamentais, a partir das quais se estrutura a obra de arte na recepção que a consciência faz dela.
Locomotiva nº 1, E. F. Oeste de Minas. Produto industrial de dupla historicidade, reconhecido como munumento/documento/obra de arte, bem móvel do Museu Ferroviário de São João del-Rei. Fotos: Baldwin Locomotive Works, Col. H. C. Broadbelt.
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Mugayar Kühl. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004, pp.29-30.
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