Os homens vivem agora num todo global e contínuo, no qual a noção de distância, inerente até mesmo a mais perfeita contiguidade de dois pontos, cedeu ante a furiosa arremetida da velocidade. A velocidade conquistou o espaço; e, ainda que este processo de conquista encontre seu limite na barreira inexpugnável da presença simultânea do mesmo corpo em dois lugares diferentes, eliminou a importância da distância, pois nenhuma parcela significante da vida humana - anos, meses ou mesmo semanas - é agora necessária para que se atinja qualquer ponto d Terra.
É verdade que nada poderia ter sido mais alheio ao propósito dos exploradores e circunavegadores do início da era moderna que este processo de avizinhamento; eles se fizeram ao mar para ampliar a Terra, não para reduzí-la a uma bola; e, quando atenderam ao chamado de terras distantes, não tinham intenção alguma de abolir a distância. Só agora, com o nosso conhecimento retrospectivo, podemos ver o óbvio: nada que possa ser medido pode permanecer imenso; toda medição reune pontos distantes e, portanto, estabelece proximidade onde antes havia distância. Os mapas e as cartas de navegação das primeiras etapas da era moderna anteciparam-se às invenções técnicas mediante as quais todo o espaço terrestre se tornou pequeno e próximo. Antes do encolhimento do espaço e da abolição da distância por meio de ferrovias, navios a vapor e aviões, deu-se o encolhimento infinitamente maior e mais eficaz resultante da capacidade de observação da mente humana, cujo uso de números, símbolos e modelos pode condensar e diminuir a escala da distância física da Terra a um tamanho compatível com os sentidos naturais e a compreensão do corpo humano. Antes que aprendêssemos a dar a volta ao mundo, a circunscrever em dias e horas a esfera da morada humana, já havíamos trazido o globo à nossa sala de estar, para tocá-lo com a mão e fazê-lo girar diante dos olhos.
Hannah Arendt
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