domingo, 2 de janeiro de 2011

A odisséia dos aprendizes da História

Ano novo: recomeços, retomadas, revisões, reapropriações, limpeza do baú. Eis que em meu baú encontro parte do patrimônio constituído nos quatro anos de minha quase esquecida graduação em História (2002-2005).
Reproduzir a "carta" que um de meus queridos professores (nem todos o eram, devo dizer, porque eu não sou o Luciano Huck para gostar de, e ser gostado por, todos) escreveu quando da formatura de minha turma (Primeira turma da graduação em História da UFSJ - não tão unida como alguns colegas gostavam de cantar por aí) é prestar um tributo ao ofício que me acolheu com o maior carinho, apesar de qualquer pesar relacionado à escolha pessoal pelas chamadas "humanidades".

Com a palavra, o mestre:

A odisséia dos aprendizes da História 

A UFSJ formou em 2005 a sua primeira turma de História. E este é um evento grandioso para toda a comunidade universitária. Afinal, a história é a única ciência que conhecemos, pois toda ciência é humana e, por fim, a natureza humana é a História.
Essa jornada iniciou-se há quatro anos, quando aqueles jovens lograram seu espaço nessa Universidade pública. Tróia estava conquistada – e aqui, melhor, não destruída... – e eles confiantes, merecedores de seu butim, certos de encontrar verdades evidentes, definitivas. E a lição primeira dessa nossa Odisséia seria de que as vitórias trazem novos e maiores desafios.
 No retorno à sua Ítaca – pois será a Universidade um regresso a nós mesmos e aos nossos -, enfrentariam a ira de Posêidon, não sem razão filho de Cronos, o Deus do tempo. Em furiosas tempestades, emergiram deuses e semideuses, feiticeiras, ciclopes, canibais e outros prodígios... Como Odisseu, nossos heróis e heroínas visitaram o país dos mortos, do passado. Heróis e heroínas... pois, na nossa Odisséia, as penélopes embarcaram e guerrearam, tecendo seus mantos nos conveses.
Assim, ao invés de translúcidos axiomas, arrostaram novas e cada vez mais intricadas questões: O que é História? Para que serve? Combater o anacronismo ou resignar-se a contemporaneidade? Sua matéria é o indivíduo ou o coletivo? Narrativa ou análise? Economia, política ou cultura? Totalidade ou fragmentação? Ciência ou literatura?
As respostas eram muitas e se abriam a novas indagações. Refletindo a pluralidade e a extrema complexidade daquele tão peculiar conhecimento. Logo aprenderiam que as ambigüidades e imprecisões não estavam neles, mas na complexidade do real. Que a simplicidade era o desejado porto de chegada e não de partida. Quantas sereias e de tão maviosos cantos... 
Amarraram-se bem aos mastros, jovens odisseus?
Descobriram uma Ciência em construção – como definiu um de seus titãs, o historiador Pierre Villar – e de aspecto tão labiríntico que angustiante, apaixonante e inconclusa. Ciência em que convizinham o necessário e o contingente, as determinações e o imprevisível, e, há que destacar, a dimensão propriamente humana – histórica – da liberdade e da incerteza.
Entontecidos, nossos heróis buscaram seu Norte naqueles que, talvez, se assemelhassem a deuses e semideuses. Deuses dos antigos gregos, sujeitos à ira, à inveja, à preguiça, à luxúria e outros vícios humanos, bem explicado. Despercebiam-se, no lado da marinhagem e no calor das pelejas, que seus mestres estavam ali, ao lado, marinheiros e guerreiros um pouco mais gastos, também aprendizes do ofício, na mesma nau da História.
Viam, perplexos, que nós, mestres e aprendizes, todos, nos dirigíamos a oráculos vários e que a súplica à Atena, deusa da sabedoria e a única capaz de guiar-nos às nossas ítacas, podem ser de vário feitio, e que Clio, como todas as musas, pode ser misteriosa. Enfim, que, diante desses enigmas somos hoje, e cada vez mais, iguais viajantes.
Hoje, divisando as praias de suas ítacas, esses heróis não duvidam que tornarão, e mais e mais, aos mares revoltos da História. Conhecem mais as sendas do ofício e, vitória maior, aprendem diuturnamente a percorrê-las. Levarão, onde quer que seja, a nossa confiança e a esperança de merecerem melhores homeros (grifo meu).

Wlamir Silva*


 
  

* Wlamir Silva é professor adjunto do Depto. de Ciências Sociais da Universidade Federal de São João del-Rei. Mestre e Doutor em História Social e Política pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi o primeiro paraninfo do curso.

2 comentários:

Danilo Barcelos disse...

Este então é o famoso discurso! Bom pacas, rapaz! Sorte ter um paraninfo perspicaz, que não transformou o parlatório em um riquifife qualquer!

Welber disse...

Sem ilusões, mas também sem desânimos.