quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O Complexo Ferroviário de São João del-Rei (resumo da ópera ou carta à comunidade)

Analisar a ferrovia em São João del-Rei implica, analogamente, em traçar a linha da existência das estradas de ferro no Brasil e no mundo: as condições técnicas na virada do século XVIII para o XIX; o surto ferroviário oitocentista[1] e sua expansão global; a criação de um ambiente sócio-cultural próprio do que hoje entendemos como universo ferroviário e, sobretudo, todo o impacto que esse meio de transporte trouxe à vida social e econômica dos lugares nos quais chegou.

Componente fundamental para a renovação do sentido de espaço e da marcação do tempo, a estrada de ferro trouxe a necessidade de novas maneiras de organização de empresas, além de ampliar formas de solidariedade, identidade e reciprocidade no universo do trabalho. Ademais, a ferrovia figura como ideal de progresso e civilização, personificando, em sua instalação, alguns anseios de uma tentativa de unificação nacional.

Em relação aos sistemas pré-ferroviários, com suas variáveis de incertezas sobre as condições de viagem e o tempo da chegada, a ferrovia possibilitou novas condições e ampliação dos mercados. Fernand Braudel observava que

“[a] revolução moderna dos transportes não aumentou apenas as velocidades; suprimiu a incerteza que os elementos antigamente impunham. Hoje, o mau tempo significa apenas um maior ou menor desconforto. Excluindo o acidente, já não influi nos horários.”[2]

O historiador William Summerhill, ao fazer uma análise ampla da expansão ferroviária no Brasil, no período de 1854 a 1913, demonstra a importância das vias férreas, sobretudo no que cerne à eficiência e agilidade inerentes a esse tipo de transporte:

“A contribuição da nova tecnologia de transporte para a economia brasileira no final do século XIX teve resultados paralelos em poucas regiões do mundo. As discrepâncias e diferentes especificações construídas pelas análises das vias férreas em outros países fazem com que a comparação com o Brasil seja difícil. No entanto, os ganhos para a economia brasileira eram provavelmente muito maiores que em outras nações, como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Bélgica, e os Países Baixos que desfrutaram de sistemas de transporte pré-ferroviários relativamente eficientes e baratos. Enquanto o impacto das estradas de ferro no Brasil também excedeu o de várias outras economias [sic] atrasadas, o grau de atraso relativo global das economias é na realidade um fator pobre para a análise do impacto do transporte ferroviário. (…) Somente nos casos de México e Espanha o transporte de cargas por ferrovia criaram ganhos de magnitudes semelhantes como no Brasil, embora seja provável que qualquer país que não tenha desfrutado de transporte pré-ferroviário barato e eficiente exibiria semelhante poupança com a nova tecnologia de transportes.”[3]

A Estrada de Ferro Oeste de Minas, fundada em São João del-Rei na década de 1870, atravessou um século de existência sendo palco de todos esses fenômenos, como um microcosmo do que ocorria no período, e algumas características não tão comuns assim. As grandes particularidades da Oeste de Minas, mais do que de origem e construção, foi o processo pelo qual sua linha original passou, principalmente na segunda metade do século XX. Para além de tudo, devido a todas as suas peculiaridades, terminou sendo objeto de um movimento social que protestou pela sua preservação quando do início da erradicação nos primeiros anos da década de 1980. Ao final, seu remanescente terminou reconhecido como monumento nacional. E não exageramos quando o apontamos como digno de reconhecimento mundial.

Desde meados da década de 1960, mas principalmente no decorrer da década seguinte, o acervo material desta estrada de ferro, integrante da Rede Ferroviária Federal S.A. desde 1957, era objeto de observação e interesse por parte de um público especializado. O final de sua operação comercial, ainda em moldes considerados “arcaicos”, e, por tal motivo, visto como digno de preservação por guardar traços em franco desaparecimento, levou ao interesse de entidades preservacionistas inspiradas no modelo europeu de conservação e restauro desse tipo de testemunho do desenvolvimento, antes de tudo, humano.

Marcos cronológicos da Estrada de Ferro Oeste de Minas

  • 1872 - Contrato de concessão firmado pelo governo provincial mineiro com José de Rezende Teixeira Guimarães e Luis Augusto de Oliveira, para a construção de uma estrada de ferro em bitola estreita[4] com a razão de ligar um ponto da E. F. Dom Pedro II a um ponto navegável do Rio Grande;
  • 1877 - Incorporação na praça mercantil de São João del-Rei da Companhia Estrada de Ferro d'Oeste com evento na Câmara Municipal;
  • 1879 - Início das obras de construção do leito da linha entre Sítio (termo de Barbacena) e São João del-Rei, com bitola de 0,76m[5] por sugestão do engenheiro Joaquim M. Lisboa;
  • 1880 - Inauguração do trecho de 48km entre Sítio (ponto da E. F. Dom Pedro II) e Barroso;
  • 1881 - Inauguração dos 99km entre Sítio e São João del-Rei;
  • 1885 - Encampação pela Oeste de Minas da concessão referente à E. F. Pintangui, que deveria ligar Pitangui a São João del-Rei;
  • 1888 - Inaugurado o Ramal de Lavras, com a estação de Ribeirão Vermelho (ponto navegável do Rio Grande)
  • 1890 - Contrato de concessão com o governo federal da E. F. Barra Mansa a Catalão, desta vez a regra exigia a bitola estreita de 1,00m;
  • 1894 - Inauguração do ponto mais distante, último marco da linha, a Estação de Paraopeba, às margens do Rio São Francisco.
  • 1898 - Decretada a falência da companhia, depois de sucessivos déficits nas contas;
  • 1903 - Arremate, em hasta pública, do patrimônio da E. F. Oeste de Minas pela União, começa então a fase federal da Oeste;
  • 1931 - Já administrando a E. F. Paracatu (arruinada de nascença), a Oeste de Minas, juntamente com a Rede Sul Mineira, é arrendada pela União ao governo do Estado de Minas Gerais, nasce a Rede Mineira de Viação (R.M.V.);
  • 1937 - As E. F. Oeste de Minas (RMV-Oeste) e E. F. Sul de Minas (RMV-Sul) deixam de existir com a unificação administrativa da RMV;
  • 1953 - Em acordo com Getúlio Vargas, Juscelino Kubtscheck devolve a RMV à União, dando fim ao contrato de arrendamento;
  • 1957 - A RMV, juntamente com outras tantas ferrovias federais, passa a integrar a empresa de economia mista denominada Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA);
  • 1965 - Em reorganização administrativa, a RMV funde-se às E. F. Goiás e E. F. Bahia-Minas para formarem a Viação Férrea Centro-Oeste (VFCO);
  • 1975 - Nova reorganização da RFFSA e a VFCO passa a integrar a Superintendência Regional 2 (SR-2) da RFFSA;
  • 1983 - Devido ao plano nacional de erradicação de ramais considerados anti-econômicos, toda a linha remanescente da bitola de 0,76m é retirada do mapa, com exceção dos 12km entre São João del-Rei e Tiradentes, devido a intervenção da sociedade civil, principalmente da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), além das manifestações populares no mesmo sentido, em São João del-Rei;
  • Após o insucesso das manifestações civis em torno da preservação do patrimônio ferroviário na região, o PRESERVE atuou no sentido de revitalizar o Complexo Ferroviário e transformou-o em Centro de Preservação da Memória[6] Ferroviária de Minas Gerais, seguido de abertura de processo de tombamento junto à SPHAN.
  • Destino incerto e ameaça de desativação após o Plano Nacional de Desestatização da RFFSA em 1996.
  • Administração provisória pela concessionária da malha Ferrovia Centro-Atlântica S.A.

O Processo de Tombamento 1.096-T-83 do remanescente da famosa "bitolinha" da Estrada de Ferro Oeste de Minas

Em 1977 foi criada a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) por iniciativa do francês radicado no Brasil, Patrick Dollinger. A principal intenção da entidade era a preservação de locomotivas a vapor, substituídas paulatinamente pelas máquinas com tração principalmente diesel-elétrica nas ferrovias de todo o Brasil, sobretudo no Sudeste.

Agindo de forma a sensibilizar a RFFSA para a preservação desses bens de valor histórico e, até mesmo, sentimental, a instituição conseguiu a cessão de variado material para restaurar e um trecho para operar em caráter preservacionista, como ocorre em vários lugares do mundo[7]. Entretanto, uma das maiores frustrações da ABPF foi a não sensibilização da mesma RFFSA, do Ministério dos Transportes e da SPHAN para manter os 200km de linha que ligava Antônio Carlos a Aureliano Mourão, com São João del-Rei ao centro, e seu acervo, o que era inspirado na forma como os ingleses, franceses e norte-americanos já faziam.

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Posto PBA, limites do município de Bom Sucesso, MG, 1979. Na imagem, paralelos, trem da bitola de 1,00m tracionado por locomotiva diesel-elétrica (EMD G8/12) e trem da "bitolinha" comandado pela locomotiva a vapor RFFSA SR-2 nº62. Foto: Herbert Graf.

Até início da década de 1980, esses 200km entre Antônio Carlos, entroncamento com a Linha do Centro da SR-3 (E. F. Central do Brasil), e Bom Sucesso (Posto PBA), entroncamento com a linha em bitola métrica da SR-2 possuíam como principal atividade o transporte de calcário e de cimento para atender a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Com a finalização das obras da usina, os tais 200km entraram no programa de erradicação de ramais anti-econômicos do governo federal, juntamente com vários outros trechos ferroviários espalhados pelo Brasil, sob a administração da RFFSA. A instituição, por sua vez, optou pela erradicação da completude do trecho, mantendo apenas, sob a própria administração, os 12km de linha entre São João del-Rei e Tiradentes, para uso exclusivamente turístico.

A SPHAN (IPHAN) e o tombamento, a RFFSA e o destino do remanescente da Oeste de Minas

Se já reconhecido como digno de preservação por setores da sociedade civil, e objeto de entrada de processo de tombamento a pedido da ABPF, na pessoa do presidente da entidade, Sr. Patrick Dollinger, em toda a extensão ainda existente em 1984 e adotado pelo PRESERVE (PRESERFE), Ministério dos Transportes, como uma das jóias do patrimônio ferroviário no Brasil, faltava apenas o reconhecimento pelo próprio Estado, por via do Ministério da Cultura, do caráter de sítio histórico-arqueológico.

Em 1983, o tombamento requerido pela ABPF (Processo 1.096-T-83) foi arquivado. Em 1985 foi aberto o processo de tombamento pela então Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual IPHAN. O processo possuía a inscrição 1.185-T-85 e foi terminado em 1987 com o digno veredictus de Patrimônio Histórico Nacional para todo o sítio denominado Complexo Ferroviário de São João del-Rei, a via férrea e a Estação de Tiradentes. Isso significa que, a partir daquele instante, nenhum dos bens imóveis pertencentes ao sítio poderia ser alterado, desmembrado, erradicado, amputado, demolido, enfim, lesado, e nenhum bem[8] móvel poderia sair das dependências do imóvel sem a prévia autorização dos órgãos competentes. Além do fato de ser influência para a preservação do entorno, gerando a obrigação, por parte do poder público municipal, de consultar o IPHAN sobre a autorização de intervenções de toda ordem em relação às edificações que compõem a paisagem em torno do sítio, já que essas afetam diretamente a preservação do bem tanto em sua instância histórica quanto em sua instância estética[9].

Segundo o Processo de tombamento, todos os 37.900m² são considerados parte do museu dinâmico ali instalado em 1986. Leremos no livro editado pela RFFSA sobre o museu:

"Podemos considerar o pátio como sendo um Museu Arquitetônico de caráter especializado, onde se encontra um complexo de oficinas e máquinas em pleno funcionamento, reproduzindo as atividades ferroviárias do final do século passado. Lá o visitante pode observar o trabalho dos ferroviários junto às antigas máquinas, que são importantes componentes para a manutenção do trecho da ferrovia ainda em funcionamento".[10]

Entre a erradicação da linha em 1984 e a privatização do serviço ferroviário de 1996, parte do Programa Nacional de Desestatização (PND), a Rede Ferroviária Federal S. A. manteve o cuidado com o sítio e manteve a boa operatividade do "trenzinho" em todos os finais de semana e feriados, além do bom funcionamento do museu conforme o projeto do PRESERVE (FE)[11].

Entre 1996 e 2001 a RFFSA continuou como responsável por seu patrimônio, mas transferia a operação do trem entre São João del-Rei e Tiradentes aos cuidados da concessionária de cargas que arrendou a malha da antiga SR-2, Belo Horizonte. Dessa maneira, de sexta a domingo vinham para São João del-Rei o maquinista e o auxiliar para operar o comboio.

Durante esse período, em que o processo de extinção da RFFSA já se realizava, reflexos do abandono do patrimônio em pauta já surgiam no interior do sítio. Provavelmente devido à precariedade do contrato entre a União e a concessionária, já que o bem cultural, ferrovia de caráter “histórico”, monumento nacional, não integra os bens arrendados e malha concedida em 1996.

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Ponte sobre o Rio Elvas, divisa entre os municípios de São João del-Rei e Tiradentes, 1998 (acima). Oficina de operatrizes, interior, 1988 (abaixo). Módulo visitável do "Centro da Memória Ferroviária de Minas Gerais". Atualmente interditada por ameaça de ruína do telhado, "restaurado" em 2005. Fotos: Hugo Caramuru e Christopher Beyer, respectivamente.

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Pátio de São João del-Rei. Vista em perspectiva da seção traseira do complexo ferroviário, porção em se encontram as oficinas, 1982. Foto: Acervo NEOM-ABPF.  

Para repensar a preservação desse patrimônio

“O principal problema, sem dúvida, refere-se à responsabilidade que reverteria à SPHAN da conservação de um trecho ferroviário tombado, caso ele viesse a ser desativado pela RFFSA. Em outros casos não existe complexidade maior; como, por exemplo, se o objeto proposto para tombamento for uma estação em centro urbano. Mesmo no caso de uma desativação do transporte ferroviário, o imóvel, incorporado que está à vida urbana, nela desempenharia outras funções.”[12]

Não podemos desconsiderar todas as implicações e possibilidades de destinação de um espaço já devidamente tratado e restaurado, objeto de projeto de preservação e tutelado pelo Estado (a.k.a. tombamento). O próprio PRESERVE, na revitalização ocorrida na década de 1980, previa, além do funcionamento como museu ferroviário (Centro de Preservação da Memória Ferroviária de Minas Gerais) em toda a extensão do sítio, a utilização da rotunda, do antigo almoxarifado e do antigo armazém:

“Antiga Rotunda de São João del-Rei chegou a estar em boa parte destruída, sendo restaurada pelo PRESERVE, com a proposta de nela ser instalado o ‘2º Módulo do Museu Ferroviário’, podendo ser usada também como espaço cultural. (...) Antigo Almoxarifado. Em sua proposta de reutilização caberia abrigar um Centro de Artes. Nesta área, na proposta do PRESERVE, se realizariam exposições de artesanato e de outros produtos locais, podendo o espaço ser usado para cursos e palestras. (...) Antigo Armazém. Para este local o PRESERVE propõe um auditório pequeno com capacidade para 80 pessoas e sala para exposições temporárias do próprio PRESERVE. No prédio em questão, seria também instalado um restaurante ou uma lanchonete.”[13]

Durante alguns anos a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) chegou a utilizar estes espaços conforme algumas propostas acima, talvez de maneira um tanto reprovável, devido aos danos causados ao patrimônio durante determinados eventos. Isso não nos impede de lembrar que uma instituição dessa natureza pode e deve rever sua relação com bens desse tipo, reconhecendo-o como sítio histórico/arqueológico/museu e dedicando a ele o cuidado que deve ter uma universidade dentro de seus três pilares: ensino, pesquisa e extensão.

Sublinhamos que a existência de tal instituição tem um impacto e uma importância regionais tão elevados quanto a ferrovia.

Coincidentemente, é no mesmo contexto de resgate histórico na região que nasce a Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei (FUNREI), após a assinatura da lei nº 7.555 de 18 de dezembro de 1986. Finalmente, em 19 de abril de 2002, a instituição é transformada em Universidade Federal, lei nº 10.425.

Ao considerarmos a presença de uma instituição federal de ensino, pesquisa e extensão em São João del-Rei, e todas as possibilidades culturais e científicas de utilização do dito Complexo Ferroviário, é quase automática a relação entre essas duas instituições e suas instâncias.

Se em 1986, período de revitalização e tombamento do dito sítio histórico, a base que daria origem à UFSJ era apenas uma pequena instituição de ensino superior, hoje, em pleno século XXI, ela possui dimensões que demandam maior concentração de esforços sociais de diálogo com toda a comunidade. Baseado no que ocorre em outras instituições similares, ou mesmo idênticas, não seria nenhuma surpresa que ocorresse cedo ou tarde o interesse da IFES em dotar um bem cultural tão rico como o Complexo Ferroviário de São João del-Rei e todo o seu acervo documental, que é em essência, de papel relevante no campo da pesquisa, do ensino e da extensão.

A mais usual e corrente justificativa para a preservação de nosso patrimônio está inserido em termos culturais. Os sítios e as estruturas são, eles mesmos, documentos históricos que carregam mensagens do passado para toda a comunidade (incluída a acadêmica), e nos permite repensar o futuro, sobre como pensamos, como vivemos, e como construímos. A maior parte de nosso patrimônio ferroviário pode nos dizer algo sobre o passado, o presente e o futuro.

O maior museu ferroviário do mundo, o National Railway Museum[14], Inglaterra, com sítios em York e em Shildon, possui sua existência estreitamente ligada à Universidade de York. Os maiores especialistas em conservação e restauração de bens ferroviários da Europa são estudiosos do quadro daquela universidade ou ligados às instituições de preservação do patrimônio inglesas.

National Railway Museum. York, Inglaterra. Foto: de L. G. Walks.

National Railway Museum. York, Inglaterra. Foto: David J. Smith

Tal entidade é um exemplo de como deve ocorrer o trabalho interdisciplinar (conforme podemos encontrar na Carta de Veneza em seu 2º artigo). Neste sentido, as engenharias em suas várias modalidades e especialidades, em diálogo com historiadores e arquitetos, além de outras áreas do conhecimento, encontram no Complexo Ferroviário de São João del-Rei uma fonte riquíssima de estudos e intervenções (desde que respeitados todos os limites impostos pelo Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937 e as recomendações dos artigos da Carta de Veneza).

Hoje, a UFSJ conta com todos os principais campos do conhecimento. Em São João del-Rei encontram-se os dois cursos de graduação imediatamente interessados nas informações contidas no sítio histórico em questão: os cursos de graduação em Arquitetura & Urbanismo e História (este último possui ainda um Programa de pós-graduação - strictu sensu).

Além da UFSJ, a região conta ainda, desde 2010, com a existência de um campus avançado do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais[15], especializado justamente em cursos ligados ao setor ferroviário, como em restauração e conservação de bens ferroviários. O trabalho interdisciplinar recebe a possibilidade do diálogo interinstitucional.

É de elevada importância a interação e/ou a participação das universidades no trato e funcionamento do universo museológico. Um exemplo brasileiro de grande envergadura são os museus no âmbito da Universidade de São Paulo[16], onde podemos encontrar as seguintes instituições:

• Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC)

• Centro de Preservação Cultural (CPC) / Casa de Dona Yayá

• Centro Universitário "Maria Antonia"

• Estação Ciência

• Museu de Anatomia

• Museu de Anatomia Veterinária

• Museu de Arqueologia e Etnologia

• Museu de Arte Contemporânea

• Museu de Ciências

• Museu de Geociências

• Museu Paulista

• Museu Oceanográfico

• Museu de Zoologia

• Museu Republicano Convenção de Itu

Temos que ter também em mente a participação de organizações da sociedade civil, lembrando que a elas interessa a preservação do patrimônio. Para tanto, invocamos a Declaração de Amsterdã como base de ação e reflexão, conforme seu item J: “Devem ser encorajadas as organizações privadas - internacionais, nacionais e locais - que contribuam para despertar o interesse do público.”

No caso do setor ferroviário, invocamos a recomendação do, já citado, Processo DTC-SPHAN 1.185-T-85, onde encontramos menção ao Processo DTC-SPHAN 1.096-T-83, onde se lê:

“O Processo nº 1.096-T-83 foi enviado à (sic) esta diretoria pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) na pessoa de seu Diretor Presidente, Patrick H. F. Dollinger, solicitando o tombamento da antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas. Na época do pedido de tombamento pela ABPF, o trecho proposto para tombamento já havia sido paralisado pela ‘Superintendência Regional SR-2, Belo Horizonte, da Rede Ferroviária Federal S.A., a qual pertence atualmente’. Segundo a ABPF, assim que foi paralisada a linha ferroviária da EFOM, ‘imediatamente deu-se início a processo de desativação e erradicação de sua via férrea e dispersão e dilapidação de seu acervo’. Em seu arrazoado sobre a necessidade de se preservar a EFOM, a ABPF cita como razão mais forte o fato de se tratar ‘de uma ferrovia típica de uma era, com uma trajetória histórica também típica, envolvendo toda a região por ela servida, acrescido pelo fato de ser a última do país’. Nesse sentido a ABPF apela à SPHAN para que esta atue no sentido de sustar o ‘processo destruidor’ por qual passaria a referida ferrovia, garantindo ‘aos órgãos, entidades e pessoas interessadas’ a conservação da EFOM. Dentre os fatos acima mencionados, deve-se em primeiro lugar louvar o interesse manifesto pela ABPF, interesse este que parte de uma instituição idônea e que coloca sua preocupação preservacional numa postura abnegada de procurar chamar a atenção da sociedade e dos órgãos públicos para a preservação de nossa história ferroviária.”[17]

Ao que acompanhamos o desdobrar das manifestações da comunidade são-joanense em relação ao dito complexo ferroviário, em que a indignação sobre as condições de sua preservação e operação tomam as preocupações de vários órgãos e entidades, notamos que a citação acima soa tão atual quanto preocupante. A audiência pública realizada há alguns meses com a presença do Sr. Procurador da República é um demonstrativo da amplitude dessas preocupações.

Ainda que questionáveis muitas das manifestações sobre o caso, podemos percebê-las como sintoma do grau a que alcançou o processo “corrosivo” relativo à preservação de um dos bens mais valiosos que a história do município possui.

É com este espírito que se nos apresentamos (novamente) como candidatos à reversão de tal situação. E, para tanto, recorremos também a uma citação de um estudo sobre as políticas de preservação do patrimônio histórico, em âmbito acadêmico:

"O conjunto [dos] estudos revela que a problemática da proteção do acervo cultural brasileiro está na ordem do dia em muitos campos disciplinares e se consolidou efetivamente como questão. Todavia, a despeito da efetiva preocupação com a preservação do patrimônio brasileiro, quer seja entre um público amplo, quer se refira aos meios especializados, pouca atenção tem sido dispensada aos métodos de intervenção aplicados sobre esses bens escolhidos como memória a ser preservada. Percebe-se um grande descompasso entre as recorrentes discussões a respeito da necessidade de se preservar a memória em suas diferentes formas e manifestações frente à quase inexistência de debates sobre os meios operacionais para a preservação, não se está pensando exclusivamente nas questões técnicas, na escolha de materiais e de procedimentos, mas, sobretudo, nos princípios teóricos que embasam (ou deveriam embasar) a escolha deste ou daquele procedimento, desta ou daquela técnica aplicada sobre um determinado bem cultural" (grifos meus).[18]

Nada mais indicado e apropriado do que o diálogo interdisciplinar e interinstitucional para encontrarmos respostas e definir políticas e ações apropriadas ao referido sítio histórico, monumento nacional, bem cultural, denominado Complexo Ferroviário de São João del-Rei.

Ao encontrarmos as soluções, ou pelo menos os caminhos nesse sentido, para a salvaguarda do dito sítio, ainda nos cabe lembrar que o mesmo guarda e possui em si a qualidade de patrimônio da humanidade.

Tal raciocínio nos é trazido pelo estudo dirigido por Anthony Coulls, no âmbito do ICOMOS/UNESCO, sobre as ferrovias como sítios históricos mundiais[19]. No qual encontramos oito e sugerimos a possibilidade do nono, e primeiro na América Latina.

É público e notório, tanto para especialistas quanto para a população leiga, o descaso do poder público para com um dos principais bens históricos do Estado e do país. Uma análise mais acurada das condições de conservação dos bens móveis e imóveis tende a demonstrar, conforme técnicas e métodos adequados, o que os olhos dos visitantes já denunciam há anos.

A riqueza representada pela monumentalidade do Complexo Ferroviário de São João del-Rei já era reconhecida quando o mesmo ainda era mais uma das ferrovias ativas no país. Certas características já eram peculiares entre os finais da década de 1960 e a década de 1980, o que é demonstrado pelas constantes visitas de estrangeiros que a tinham como objeto de observação extraordinário. Este é o caso de fotógrafos alemães, norte-americanos e ingleses que nos lembram os antigos viajantes do Brasil colonial e imperial, tais como Rugendas, Debret, Burton[20], entre outros, a serviço ou não da Coroa. A coleção fotográfica de homens como Charles Small, Paul Waters, Herbert Graf, Christopher Beyer, John Kirshner, John West, Ron Ziel, entre outros, sem contar os próprios brasileiros, com destaque para Guido Motta e Walter Serralheiro. Um dos principais registros em filme sobre a “bitolinha” da Oeste de Minas foi realizado por um norte-americano, David Corbitt[21], e, pela internet, já descobrimos a disponibilidade para compra de similares por alemães e ingleses. Uma citação apropriada para a percepção do reconhecimento da qualidade intrínseca do bem em questão é a que encontramos em revista especializada em ferrovias:

“As cidades coloniais da América Latina sempre se fizeram especialmente fascinantes para mim e, por isso, São João del-Rei, sozinha, já teria valido uma visita. Como a famosa Ouro Preto e os outros centros mineradores do século XVIII no estado brasileiro de Minas Gerais, São João del-Rei retém uma característica digna de aplauso. Lembro-me de minha primeira visita em 1973, enquanto caminhava sobre suas estreitas ruas de paralelepípedo, sua tranqüilidade apenas quebrada por um automóvel ocasional ou pelo inconfundível som de uma locomotiva a vapor manobrando carros de passageiros. A alvorada ainda se aproximava quando me apressei pela ponte de pedestres sobre o Córrego do Lenheiro e passei pela plataforma envolta em fumaça. Sombras suaves flamejaram pela escuridão, era a nº 22, uma minúscula Baldwin 4-4-0 com 'chaminé-de-chapéu' e longerão externo, puxava uma fila de carros para o trem 'mixto' de Antônio Carlos. Uma das sessenta máquinas a vapor de bitola de 76cm construídas para a Estrada de Ferro Oeste de Minas entre 1880 e 1920, a de nº 22 e dezessete irmãs ainda estão em atividade - Americans, Ten-wheelers e Consolidations, que representam uma das maiores coleções de locomotivas a vapor de pequeno porte de fabricação norte-americana, ainda encontradas em serviço na década de 1980… locomotivas que servem uma via férrea que celebra um século de existência”. [tradução livre][22]

Talvez nos falte ainda hoje, em pleno século XXI, a curiosidade já apresentada por esses estrangeiros da segunda metade do século passado e o esforço de transformar essa curiosidade em trabalho acadêmico-científico.

Enquanto se espalham pelo mundo e pelo Brasil as ferrovias de caráter “cultural”, a nossa, uma das poucas realmente autênticas e peculiares[23], perde-se pela privatização conceitual[24]. Ironicamente, a estação ferroviária, um dos principais espaços de vivência das comunidades que presenciaram a existência dos trens, e, no caso da nossa, reconhecida como patrimônio nacional, não pode, em nossa concepção (e não será difícil encontrar ecos na comunidade) ser emborrachada e trancafiada, repleta de barreiras, como vem ocorrendo nos últimos dez anos.

O estado em que se encontra um de nossos mais valiosos bens culturais (e neste conceito incorporamos o contingente humano, porque é antes de tudo humano o interesse neles) nos exige emergencialmente que repensemos a postura em relação à sua existência, uso e significado/significação. A inadequada conservação desde 1996 trouxe a emergência de uma ação de restauro, e esta exige a participação não só dos poderes públicos, bem como daqueles que nele se reconhecem e fizeram ou fazem parte de sua história. Exige, antes de qualquer coisa, o reconhecimento, como o que se deu na virada da década de 1970 para a de 1980, quando a RFFSA enxergou na ABPF a única forma de permitir que os bens ferroviários que, então, se encontravam nas infames “linhas da morte”, de que era o melhor meio de preservá-los. Fato este provado nos últimos trinta e quatro anos, talvez não como concordamos que deveria, mas como de fato tem sido. Mais do que se pensar em alguma forma de pragmatismo, cabe pensar na concretude das ações. 

A tentativa nos anos 1980 de preservar a ferrovia em sua extensão de 200km não era um ato impensado e exclusivo. A preservação ferroviária inglesa, bem como norte-americana, foi inspiradora no tocante ao conceito, ao estilo e à forma. É o que temos no caso da Great Western Railway na Grã-Bretanha ou as já citadas Cumbres & Toltec Scenic Railroad[25] e Durango & Silverton Narrow Gauge[26].

Como lembra Steve Pilcher (do English Heritage – o equivalente ao IPHAN na Inglaterra):

“Essa atividade permitiu certos conhecimentos de engenharia, tais como caldeiraria, padrões de usinagem (de peças) e trabalhos com máquinas de grande porte, para sua permanência, e os jovens têm recebido a oportunidade de aprender antigos ofícios”.[27]

O patrimônio preservado nesse âmbito vai muito além do edificado e do que hoje se chama, em forma recente, de “arqueologia industrial” (ver a instituição denominada The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage - TICCIH[28]). As atividades humanas dentro da ferrovia, as divisões sociais do trabalho, os ofícios de caráter histórico, muitos deles extintos, são objetos do universo em que se envolve a preservação ferroviária. Preservar os objetos construídos e edificados é parte do que se pode conservar como atividades humanas específicas. E para dar vazão às necessidades e cumprir minimamente às especificidades do material avaliado, é necessário que se repense a forma como o mesmo vem sendo tratado nos últimos anos.

Devido aos avanços no campo da preservação da memória, trabalha-se hoje bastante com a noção de “patrimônio histórico” e mais amplamente com a noção de “patrimônio cultural”, mas não nos impede de utilizar as expressões como sinônimas. Acadêmicos têm dividido o patrimônio em duas instâncias: tangível e intangível. A intangibilidade está presente em ambos, pois para além de ser uma edificação ou uma locomotiva, esses bens possuem em si o valor cultural, por natureza, intangível, pela representação dos valores humanos neles imbuídos.

É neste sentido que apresentamos o tratamento aplicado aos bens ferroviários tombados do Complexo Ferroviário de São João del-Rei, a via férrea de 12km, mais a Estação Ferroviária de Tiradentes, como inadequados, de pragmatismo excessivo, e, mais do que outra coisa, danosos à preservação monumental.

O Professor Giovanni Carbonara, ao tratar do tema das ações de arquitetos que se deparam com o restauro e tratam sem a devida análise crítica, lançando mão do pragmatismo desregrado, tece palavras que bem nos servem de síntese da situação à qual tratamos:

“Muito clara é a polêmica, sempre expressa com muita distinção, mas de modo decidido, em relação aos arquitetos que enfrentam ‘profissionalmente’ esse difícil tema, amiúde com uma desenvoltura proporcional à falta de consciência e preparo histórico-crítico, recusando qualquer abordagem conceitual e teórica, lançando-se num empirismo intuitivo que prenuncia, ademais, resultados destrutivos.”[29]

Em nosso caso, os danos ultrapassam o simples cuidado com a preservação de monumentos, fere os princípios do Decreto-Lei nº 25, e a Constituição Federal de 1988:

Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

§ 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. (grifos nossos)

Além do exposto, ainda nos cabe lembrar e citar a liquidação da Rede Ferroviária Federal S.A. e a legislação que dela se desdobrou para destinar o patrimônio da finada estatal do transporte ferroviário, na qual o IPHAN surge como o herdeiro do que se considera como “patrimônio histórico” da mesma:

LEI Nº 11.483, DE 31 DE MAIO DE 2007
Art. 9º Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e manutenção.
§ 1º Caso o bem seja classificado como operacional, o IPHAN deverá garantir seu compartilhamento para uso ferroviário.
§ 2º A preservação e a difusão da Memória Ferroviária constituída pelo patrimônio artístico, cultural e histórico do setor ferroviário serão promovidas mediante:
I - construção, formação, organização, manutenção, ampliação e equipamento de museus, bibliotecas, arquivos e outras organizações culturais, bem como de suas coleções e acervos;
II - conservação e restauração de prédios, monumentos, logradouros, sítios e demais espaços oriundos da extinta RFFSA.
§ 3º As atividades previstas no § 2º deste artigo serão financiadas, dentre outras formas, por meio de recursos captados e canalizados pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC, instituído pela Lei no 8.313, de 23 de dezembro de 1991.


[1] Mal se provava a eficiência do novo meio de transporte e, da Inglaterra, ele se expande por todo o globo. O reflexo no Brasil é a série de concessões contratadas nos âmbitos dos governos central e provinciais para a construção de estradas de ferro, principalmente a partir da sanção da Lei nº641, de 26/7/1852, que estabelecia a garantia de juros pelo erário público às companhias de estrada de ferro.

[2] BRAUDEL, Fernand. “As economias: a medida do tempo” IN: idem. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico, Vol.I. Lisboa: Livraria Martins Fontes Editora, 1983, p. 407.

[3] SUMMERHILL, William. Order Against Progress: government, foreign investment, and railroads in Brazil, 1854-1913. Standford, California: Standford University Press, 2003, p.189. (obra sem tradução para a língua portuguesa)

[4] Bitola é a distância entre as extremidades dos boletos dos trilhos que, paralelamente, formam a via férrea. De acordo com a distância dos trilhos, diz-se que é padrão, larga ou estreita. O padrão mundial é a bitola de 1.435,00mm. Toda largura com medida superior a esta medida define bitola larga, e inferior à mesma define bitola estreita. http://en.wikipedia.org/wiki/Narrow_gauge_railway

[5] Como o sistema original utilizado na construção de ferrovias é o imperial, a bitola de 762,00mm equivale a 2 pés e 6 polegadas, ou, simplesmente, 2 pés e ½. http://en.wikipedia.org/wiki/Narrow_gauge_railway#Two_foot_gauge_railways

[6] “Exilar a memória no passado é deixar de entendê-la como força viva do presente. Sem memória, não há presente humano, nem tão pouco futuro. Em outras palavras: a memória gira em torno de um dado básico do fenômeno humano, a mudança. Se não houver memória, a mudança será sempre fator de alienação e desagregação, pois inexistiria uma plataforma de referência e cada ato seria uma reação mecânica, uma resposta nova e solitária a cada momento, um mergulho do passado esvaziado para o vazio do futuro. É a memória que funciona como instrumento biológico-cultural de identidade, conservação, desenvolvimento, que torna legível o fluxo dos acontecimentos.” MENEZES, Ulpiano Bezarra de. Identidade Cultural e Arqueologia. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, 1984, n.20, p.34.

[7] Os maiores exemplos para o Brasil nesse sentido são a Steamtown Society e a Cumbres & Toltec Scenic Railroad, ambas nos EUA, que são organizações da sociedade civil, de caráter idêntico ao da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF). Entretanto, a grande inspiração vem do movimento britânico iniciado na década de 1950. Bem demonstrado por Neil Cossons, Diretor do National Museum of Science & Industry, Grã-Bretanha, o esforço pela preservação ferroviária já ganhou espaço considerável na agenda da disciplina de conservação e restauro: “The future policies and subsequent progress of the conservation of the railway heritage must, as with all other areas of the heritage, be based on a foundation of sound and involving scolarship. If we look for example at the outstanding success of British archeology in the last 40 years we can see a strong academic base pushing forward the boundaries of knowledge on the one hand and that new knowledge being translated directly into popular understanding on the other. Think of Animal, Vegetable and Mineral in the 1950s and 1960s, and a chronicle a few years later. The ability of archeologists to use theis new knowledge to capture the imagination of the public and use that as a route towards widespread public support for their cause offers lessons from which we can learn a lot.” (COSSONS, Neil. “An agenda for the railway heritage”. Tradução livre: “As futuras políticas e subsequente progresso da conservação do património ferroviário deve, como todas as outras áreas do património, se fundar em sonora luta e envolver as universidades. Se olharmos, por exemplo, no grande sucesso da arqueologia britânica nos últimos 40 anos, podemos ver uma forte base acadêmica avançar as fronteiras do conhecimento, de um lado, e a tradução do novo conhecimento está sendo traduzido diretamente para a compreensão popular, de outro. Pense num estado animal, vegetal e mineral na década de 1950 e 1960, e uma crônica, alguns anos depois. A capacidade de arqueólogos usarem seus novos conhecimentos para capturar a imaginação do público, e usar isso como uma rota para o apoio generalizado da população para sua causa, oferece lições que podemos aprender muito.” IN: BURMAN, Peter; STRATTON, Michael. Conserving Railway Heritage. London: E & FN Spon, 1997, pp.9-10.

[8] “O termo bem designará um local, uma zona, um edifício, ou outra obra construída, ou um conjunto de edificações ou outras obras que possuem uma significação cultural, compreendidos, em cada caso, o conteúdo ou o entorno a que pertence.” (grifo nosso) Primeiro item do Art. 1º da Carta de Burra, 1980, ICOMOS Austrália.

[9] Chega-se, desse modo, a reconhecer a ligação indispensável que existe entre a restauração e a obra de arte, pelo fato de a obra de arte condicionar a restauração e não o contrário. Mas vimos que é essencial para a obra de arte o seu reconhecimento como tal, e que nesse momento se dá o reingresso da obra de arte no mundo. A ligação entre restauração e obra de arte se estabelece, pois, no ato do reconhecimento, e continuará a se desenvolver em seguida, mas no ato do reconhecimento serão levadas em consideração não apenas a matéria através da qual a obra de arte subsiste, mas também a bipolaridade com que a obra de arte se oferece à consciência. Como produto da atividade humana, a obra de arte coloca, com efeito, uma dúplice instância: a instância estética que corresponde ao ato basilar da artisticidade pela qual a obra de arte é obra de arte; a instância histórica que lhe compete como produto humano realizado em um certo tempo e lugar e que em certo tempo e lugar se encontra. Como se vê, não é sequer necessário acrescentar a instância da utilidade, que, definitivamente, é a única formulada para os outros produtos humanos, porque essa utilidade, mesmo se presente, tal como na arquitetura, não poderá ser levada em consideração de forma isolada para a obra de arte, mas tão-só com base na consistência física e nas duas instâncias fundamentais, a partir das quais se estrutura a obra de arte na recepção que a consciência faz dela. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução de Beatriz Mugayar Kühl. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004, pp.29-30.

[10] MORAIS, Sérgio. Reconstrução da Rotunda de São João Del Rei. RJ: RFFSA,1986, p.1.

[11] O PRESERVE surgiu como Programa de Preservação da Memória do Ministério dos Transportes em 1980 com a finalidade de criar suportes para a preservação de material histórico dos transportes terrestres, aquáticos e aéreos. Tendo vingado apenas o ferroviário, através da RFFSA, a sigla se transformou, em 1986, em PRESERFE (Programa de Preservação do Patrimônio Histórico Ferroviário).

[12] ALCÂNTARA, Dora. Informação nº 137/86 in: IPHAN. Processo de Tombamento DTC-SPHAN 1.185-T-85, f.152.

[13] MALDOS, Roberto. Informação nº 103/86 in: IPHAN. Processo de Tombamento DTC-SPHAN 1.185-T-85, ff.145-46

[14] http://www.nrm.org.uk/

[15] A iniciativa é resultado de uma ampla discussão que começou em setembro de 2009. Uma comissão formada por representantes da Secretaria Geral da Presidência da República, do Ministério da Educação, através da Setec, do Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais, da Prefeitura Municipal de Santos Dumont, do Cemep (Centro Municipal de Educação Profissional de Santos Dumont), do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), do DNIT (Departamento Nacional de Estrutura de Transportes), da SPU (Secretaria de Patrimônio da União), da Inventariança da Extinta Rede Ferroviária Federal e do Instituto de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais reuniram esforços para realizar o projeto. Fonte: http://www.santosdumont.ifsudestemg.edu.br/node/21

[16] http://www4.usp.br/index.php/museus

[17] MALDOS, Roberto. Informação nº 104/86 in: IPHAN. Processo de Tombamento DTC-SPHAN 1.185-T-85, ff.148-49

[18] CUNHA, Cláudia dos Reis e. Restauração: diálogo entre teoria e prática no Brasil nas experiências do IPHAN. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FAU-USP, 2010, p.16.

[19] http://www.icomos.org/studies/railways.htm

[20] Os chamados “viajantes estrangeiros” pela historiografia da formação do espaço brasileiro. Eram estudiosos e/ou artistas que coletavam informações, criavam imagens e escreviam relatos/relatórios. Documentação essa fundamental nos estudos da História do Brasil em seus períodos iniciais.

[21] Os nomes aqui citados são dos principais fotógrafos que registraram a ferrovia, desde a década de 1940, e dos quais conseguimos obter as cópias de tais registros.

[22] KIRCHNER, John A. “Where slide valves, link ‘n pin, and 2’6” survive - Untouched by time: Brazil’s tiny Baldwins”. in: Trains: The Magazine of Railroading, Novembro, 1981, p.34

[23] Autenticidade, neste caso, por não cair na categoria “tradição inventada”. Quando da desativação na década de 1980, a chamada “bitolinha” da RFFSA ainda se caracterizava por sua frota de locomotivas, carros e vagões do final do século XIX e início do XX. Devido a esse “arcaísmo”, a velha linha da antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas permitia que conhecêssemos o funcionamento da ferrovia da chamada “era do vapor” ainda com certo grau de realismo. Funções em extinção ou já extintas na maior parte do sistema ferroviário nacional aqui ainda eram encontradas, tais como o telegrafista, o foguista, o guarda-chave, o caldeireiro, o mecânico de máquinas a vapor, entre outros.

[24] Cf. HERTZBERGER, Peter. Lições de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

[25] http://www.cumbrestoltec.com/

[26] http://www.durangotrain.com/

[27] “This activity has enabled certain engineering skills, such as boiler repair, pattern-making and large scale machining, to carry on, and younger people have been able to learn old skills”. PILCHER, Steve. “Changing attitudes to the conservation of England’s railway heritage”. In: BURMAN, Peter; STRATTON, Michael. Conserving The Railway Heritage. London: E & FN Spon, 1997, p.133.

[28] http://www.ticcih.org/

[29] CARBONARA, Giovanni. “Prefácio”. IN: KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: problemas teóricos de restauro. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008, p.10.

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