terça-feira, 2 de novembro de 2010

E era só uma caixa d'água...

Tomei a liberdade de reproduzir esta notícia, enviada pelo colega do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de São João del-Rei, José Antônio de Ávila Sacramento, sobre a ação que levou à condenação da América Latina Logística por danos ao patrimônio ferroviário federal:

Empresa é condenada a pagar R$ 300 mil por dano a patrimônio histórico

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) condenou, na última semana, a empresa América Latina Logística (ALL) a pagar R$ 300 mil de indenização por danos ao patrimônio histórico do país. O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública contra a ALL após a derrubada de uma caixa d’água da Estação Ferroviária de Jataizinho (PR).

A estação, pertencente à extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), foi construída em 1932, e a caixa d’água, que ficava nas adjacências, em 1935. Conforme o MPF, embora não esteja tombada (o processo de tombamento está em andamento), a construção tem valor histórico e está protegida constitucionalmente.

O MPF recorreu ao tribunal após a sentença de primeiro grau ter julgado improcedente o pedido de indenização, apenas determinando à ALL que se abstivesse de destruir, demolir, mutilar, reparar, pintar, restaurar ou alterar as construções pertencentes à RFFSA. A Procuradoria alega que não havia perigo ou estado de necessidade que justificasse a demolição da caixa d’água pela empresa.

A ALL explora concessão de redes ferroviárias em seis estados brasileiros e outros três países do Mercosul. A empresa justificou a demolição alegando risco de desabamento e necessidade de proteção ambiental, o que não ficou comprovado.

Após analisar o recurso, o relator do processo no tribunal, desembargador federal Fernando Quadros da Silva, concordou com as alegações do MPF. Segundo Quadros, as estações da extinta RFFSA pertencem ao Poder Público Federal, sendo dispensável o tombamento para que tenha proteção. “Deve prosperar a pretensão indenizatória, uma vez que houve o dano, produzido por uma ação precipitada da requerida, que agiu por conta e risco, sobre um bem de propriedade do Poder Público Federal”, afirmou em seu voto.

O valor deverá ser destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), gerido pelo Conselho Federal Gestor, junto ao Ministério da Justiça. A empresa poderá recorrer contra a decisão.

AC 2005.70.01.004660-4/TRF


Imagem direta de: http://www.estacoesferroviarias.com.br/pr-spp/fotos/jatai.jpg

8 comentários:

thiago2009r disse...

Que notícia maravilhosa,nota-se que ainda temos com quem contar,imagine a FCA tendo que responder pelos desvios da Chagas Dória,os vagões largados no tempo,os sinos das locomotivas que simplesmente desapareceram,a destruição da locomotiva 58,descaracterização dos carros,etc...(a lista é enorme).Falando nisso,o que será que estão fazendo com a locomotiva 21 que está raspada dentro da oficina?

Welber disse...

Realmente a 21 anda meio sumida. Se está raspada é porque será pintada. Pelo menos é o procedimento que se utiliza para remover pintura velha, antes de aplicar a nova. Minha única preocupação nesse caso é a qualidade estética do serviço, que tem sido bastante aquém do esperado.

thiago2009r disse...

Justamente,para pintar antes é necessário raspar e lixar e de pensar que a maioria das locomotivas estáticas que temos aqui ainda podem ser ativadas,quem me disse isso foi um dos mecânicos(não me lembro do nome) que reverteu a 21 e a 60 de óleo para lenha,segundo ele e o Benito as únicas que não tem jeito são a 40 e a 37(pra mim talvêz mais nenhuma devido a canibalização de peças),como eu gostaria de ver a ABPF tomando conta desse patrimônio.Por falar em sumida,tô sentindo falta da velha guerreira 42.

Welber disse...

Mesmo 37 e 40 podem voltar. Na verdade, até a 220 poderia. A 58 é uma bela peça para uma completa restauração.
A 40 tem um cilindro trincado. Ora, a 505 anda com cilindro trincado desde os anos 80, e é a mais poderosa locomotiva da VFCJ.
A 37 entrou na rotunda com a caldeira praticamente 0km. Qual o problema dela? Eixo motriz ou roda, não me lembro ao certo.
O fato é que elas precisam principalmente apenas de uma coisa: BOA VONTADE!!!

thiago2009r disse...

O problema da 37 é o eixo motriz mesmo,o que me deixa mais indignado é justamente esse pensamento de pessoas que já me falaram que não dá pra restaurar coisa velha por não se encontrar peças de reposição,pois é mas no século XIX e até mesmo na primeira metade do XX havia BOA VONTADE,então a tecnologia de que dispomos hoje em dia não serve pra nada se não pode ser usada pra fazer restauro de peças "arcaicas",imagine ver novamente as outras máquinas tracionando o trem e de quebra puxando uma gôndola,gaiola ou qualquer outro vagão entre os carros de passageiros ou ainda refazer os desvios da Chagas Dória e colocar aqueles trens especiais na festa da Santíssima Trindade fazendo parada na Chagas Dória,mas antes de sonhar com isso temos que manter o que temos hoje.

Welber disse...

Thiago, a restauração de bens industriais, em especial bens ferroviários ditos "históricos" (heritage), é uma atividade bastante difundida no resto do mundo. A Austrália possui estudos bastante avançados no âmbito do poder público, o mesmo válido para a Inglaterra, França, Áustria, Espanha e, óbviamente, e aí nossa maior identidade tecnológica devido à "pagação de pau" desde 1862, os EUA.
Nos EUA temos a Steam Town Society, em Nova Jersey ou Nova York (não me lembro agora), a Cumbres & Toltec e a Durango and Silverton no Novo México/Colorado com os trabalhos com o material remanescente da DRGW. Temos o trabalho das grandes companhias americanas e canadenses como o Canadian Pacific, a Union Pacific e a BNSF no âmbito da preservação ferroviária e demonstrações do material conservado e/ou restaurado para funcionar. Todas essas iniciativas particulares ou públicas trabalham com o princípio da conservação e restauração de material que não existe no mercado de reposição. As peças que não se enconatram mais são fundidas, forjadas, torneadas, aplainadas, enfim, construídas manualmente pelos voluntários, funcionários, empregados e todo tipo de "maluco" envolvido na atividade da preservação ferroviária. É isso que a ABPF faz em São Paulo, em Campinas, em São Lourenço/Cruzeiro, em Rio Negrinho, em Tubarão, etc.
Ironicamente, e não me canso de dizer isso, São João del-Rei é onde há toda a estrutura para se realizar esse tipo de atividade e é onde ela NÃO acontece. É a contra-mão de tudo isso.
O processo todo de desmanche da RFFSA, a partir de 1996, foi extremamente danoso para o patrimônio monumental. Desmanche elevado ao cubo³ com a entrada da iniciativa privada num meio que deve ser gerido pelo Estado, hoje representado pelo IPHAN que é o legatário desse setor da RFFSA. E o IPHAN por sua vez tem a obrigação de chamar a sociedade civil para participar do processo de restauração da ordem e dos bens.

thiago2009r disse...

Welber a gente nota que você é uma das(senão a mais)pessoas mais preocupadas com o acervo ferroviário da bitolinha,você já viu uma ferrovia dos EUA chamada Cass Scenic Railroad,pois suas locomotivas são aquelas Shay (semelhante á aquelas que a EFOM comprou mas que não deu muito certo)das quais eu já ouvi falar que é uma das mais difíceis para fazer manutenção por causa das engrenagens e transmissões,mas eles fazem e com competência,você falou o que o Benito disse na reunião de sábado (30/10),aqui nós temos uma oficina poderosa mas falta mão de obra especializada,aí eu digo,se realmente houvesse interesse por parte das autoridades eles poderiam convidar ou contratar antigos mecânicos da RFFSA para treinar uma turma nova especializada na área,outro dia fui caminhando pela linha na altura do Km 95 (pra quem não sabe esse é o trecho do Polivalente)e vi uma quantidade de dormentes podres que dá medo,tinha um dormente numa passagem de bueiro que ao invés de apoiar o trilho estava pendurado nele pelos cravos tipo "cabeça de cachorro",isso fora o trecho atrás do Inocop em que a linha está literalmente debaixo da lama dando para a gente ver somente a face superior do trilho (é só esperar que uma hora ou outra o trem afunda lá).O descaso em São João del-Rey é enorme,bem diferente de Ibituruna que nem linha tem mais e mesmo assim recentemente reformaram a estação.

Welber disse...

Thiago, todas as "Scenic railway/railroad" são exemplos de instituições de preservação ferroviária que, na maioria das vezes, são iniciativas da sociedade civil para a salvaguarda e operação de trechos ferroviários desativados. Muitas dessas "scenic" possuem um modelo mais ou menos parecido com o da ABPF. A conservação do material se dá, invariavelmente, seguindo critérios que encontramos nas cartas patrimoniais da UNESCO e de instituições voltadas à particularidade dos bens "industriais", como a TICCIH (The International Comitee for the Conservation of Industrial Heritage). A participação de antigos ferroviários é de grande valia, mas não apenas a deles. Deve-se somar à participação dessa valiosa mão-de-obra a participação de profissionais de várias disciplinas, como bem recomenda a principal convenção internacional sobre a conservação e restauração de bens monumentais, a Carta de Veneza. Pelo teor de interesse público e social (desculpe a redundância), é de suma importância a participação de arquitetos, engenheiros civis, engenheiros mecânicos, historiadores, entre outros, que possuam interesse/formação no tocante ao patrimônio dito "histórico". Aliás, essa é uma exigência da UNESCO e, obviamente, deve ser a do IPHAN. O convênio/apoio de instituições educacionais deve ser um dos grandes pilares da ação para a preservação desses bens e a continuada e preventiva conservação dos mesmos. Em São João del-Rei estamos numa região cercada por três universidades federais e um Instituto Federal de Educação tecnológica, não faz sentido algum termos um patrimônio tombado que seja isolado desses princípios. Afinal, o grande sentido do tombamento é manter a vivacidade e a comunicação irrestrita com a comunidade. Daí que junto às instituições educacionais, torna-se mais do que necessário, eu diria intrínseco, à manutenção desses bens, a participação de toda a sociedade civil.